
Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUÇÃO
Tenho por certo que o ser humano tem gravado em seu DNA o viver em comunidade. No contexto da ecologia, comunidade significa espécies diferentes com hábitos semelhantes que compartilham o mesmo espaço e alimento, de forma harmônica. Igualmente, um grupo de pessoas identifica ao morar em um bairro ter modus vivendi comum característico de uma comunidade. Tal percepção resulta de uma articulação pela melhoria das condições de vida, especialmente quando se encontram em reunião da associação de moradores. Nem todos são amigos, mas identificam interesses e se somam por meio da divisão de tarefas. Nesse sentido, lembro do conceito positivista da “solidariedade orgânica” pela idéia de parcela de colaboração para se formar um todo. Ou seja, a força da comunidade está na soma da divisão comprometida das partes em busca de um objetivo comum.
A visibilibilidade de cada pessoa torna-se possível pelo horizonte das relações. Não se trata apenas de reunião, mas de momentos de apresentação de identidades: conhecer e se fazer conhecido. É a oportunidade para o diálogo individual ou em grupo no momento preliminar ou posterior à assembléia da comunidade. Não se trata apenas da revelação de nomes, endereços e sondagens, mas de um ponto de partida para se criar referências de diferenças, qualidades e potenciais de cada pessoa que conhecemos. Por isto, a curiosidade incita a aproximação de pessoas ou induz ao temor para o afastamento. Claro, o medo do desconhecido suscita preconceitos contra pessoas pela imagem distorcida ou devido a crença da supremacia de um sobre o outro.
A FORMA DA APROXIMAÇÃO
Os momentos de aproximação (eventos, reuniões, cerimônias) possibilitam conhecer várias pessoas. Por isto, passamos a admirar algumas pessoas mesmo que sem ter a oportunidade de dirigir-lhes uma palavra sequer, pois são personalidades que construíram o reconhecimento notório e devido a fama tornaram-se inacessíveis. Algumas dessas personalidades invocam um culto idólatra com os declarados súditos e, incoerentemente, determinam o afastamento dos seus adoradores. Contudo, quero admirar pessoas que tenham um legado de orientação para vida, que inspirem as pessoas. Cito o exemplo de Martin Luther King Jr. (1929 – 1968), Madre Tereza de Calcutá (1919 – 1997), Nelson Mandela e pessoas anônimas com histórico de vida rico em exemplo de caráter, superação e altruísmo. Por isto, quero estar próximo de pessoas que possam me enriquecer com a sua influência de idoneidade de caráter, sabedoria, exemplo e superação. Aliás, os bons exemplos inspiram as pessoas. Ou seja, inspirar significar capturar o ar puro do exterior e renovar as energias da vida. Metaforicamente, quando uma pessoa inspira alguém significa dizer que seu exemplo de vida é capturado por outra pessoa, dando-lhe um ideal de vida.
Por causa dos ensejos da aproximação temos muitos conhecidos que revemos acidentalmente na rua e em outros locais (in)oportunos. Desses conhecidos, às vezes não lembramos sequer o nome; somente a fisionomia, a voz e os encontros de diálogos casuais. Nesse arremedo, deparamos com vizinhos das casas mais distantes, colegas de infância, de escola que se surpreendem quando não lembramos os seus nomes e dos casos significativos para as suas vidas. Julgavam ser tão próximos e merecedores de alguma deferência e não conseguem disfarçar a leve frustração. Também, há aqueles com alegria superficial que pressupõem a existência de uma amizade, apesar de anos de afastamento. Lembram dos momentos, dos incidentes, mas a nossa memória é incipiente para lembrar-se dessas situações. Por isto, tenho a crença de que há vários níveis de relacionamentos entre pessoas.
Acredito que todas as pessoas podem ser conhecidas por mim de forma genérica ou específica. Posso me aproximar de todas as pessoas e com elas conversar, tem relação de interesse profissional ou pessoal. O tratamento cordial é propício para todos os conhecidos próximos ou distantes. Para tanto, é necessário o respeito independente da condição social, ideologia e estilo de vida. Claro, posso conhecer pessoas com estilo de vida diferente do meu jeito de ser e respeitar as diferenças, sem imposições e preconceito.
É impressionante como nos sensibilizamos por pessoas conhecidas e estamos propensas a ajudá-las, mesmo que elas não façam parte do nosso círculo de amizade. Também, podemos ser ajudados por pessoas conhecidas nos momentos da adversidade, pois a compreensão de que é meu próximo sobrepõe a solidariedade a pessoas do nosso círculo íntimo. Isto porque a solidariedade altruísta é obrigação moral de todo ser humano, independente das crenças, ideologias e posição social. Pressupõe o argumento da reciprocidade, pois no momento oportunidade podemos ser ajudados por desconhecidos sensíveis a urgência da nossa necessidade.
QUANDO NASCE A AMIZADE
Devemos considerar que temos o direito de selecionar pessoas para serem os nossos amigos, apesar delas não serem perfeitas. Por exemplo, todos os meus amigos têm algum defeito perceptível, mas as suas qualidades cobrem uma multidão de pecados. Quero dizer, citando o Dr. Mike Murdock, que a amizade é uma forma pela qual premiamos a lealdade e a confiança em alguém. Ou seja, reconhecemos a lealdade em alguém e passamos a confiar nele, dar-lhe a oportunidade de confidenciar segredos, solicitar opinião ou conselhos.
Há quem diga que quem ama, confia e a confiança tem como capital a lealdade. A confiança é construída com o tempo por meio de sucessivas provas e não surge gratuitamente por imposição ou vontade de outra pessoa. A segurança da confiança conquistada leva a desarmar os ânimos e pactuar interesses e aproximação. Para a aproximação, há condições genéricas a serem observadas como estilos de vida semelhantes porque grandes diferenças não sustentam uma amizade duradoura.
A amizade pressupõe igualdade e não a supremacia de uma pessoa sobre a outra. Claro, na amizade não há opressão nem a ascendência de pensamentos de uma liderança no grupo de amigos, pois todos são livres. Por isto, a amizade está viva no sentimento de fraternidade de um grupo de amigos que se consideram irmãos. Logo, é verdadeiro o provérbio bíblico que reconhece a existência de amigos mais chegados que um irmão, talvez por causa dos exemplos de defesa ardorosa de amigos e pelo socorro deste em meio às adversidades. Isto nem compara a deturpada amizade interesseira, repleta de bajulação, calcada no comer, beber e folgar. Quanto a essa falsa amizade, tenho conhecimento de casos de abandono de amigos de pessoas bem sucedidas que fracassaram na vida e nos empreendimentos. Agora, os expropriados estão sozinhos em sua cela, vivendo de favores de desconhecidos.
O verdadeiro amigo não trai o outro, não sente inveja nem busca os seus próprios interesses acima de qualquer escrúpulo. Como exemplo, temos Jesus que tinha 12 amigos e foi traído por um deles. Isto mostra que, em algum momento, podemos nos frustrar com a atitude de pessoas que julgávamos serem nossos amigos e a amizade poderá ser rompida temporariamente ou para sempre. Nesse caso, entendo que até mesmo a amizade pode ser seletiva, pois, dos 12 amigos, Jesus tinham 03 que faziam parte do círculo intimo e com eles tinha cumplicidade e compartilhava companhia em momentos específicos.
Convém alertar quanto ao extremo de declarar não ter nenhum amigo, pois não confia em ninguém, que só confia em si mesmo. Apesar das frustrações passadas, das traições, sempre haverá pessoas sinceras, leais e de ilibado caráter. A amizade é uma necessidade lógica da vida em sociedade, pois ninguém é feliz sozinho e precisa se completar com alguém. A parceria, o companheirismo e a reciprocidade mostram como a existência assemelha a uma estrada: na nossa frente estão as pessoas que admiramos e desejamos imitar, atrás estão aquelas que nos admiram, na via oposta tem alguém com diferenças do nosso estilo de vida e ideologias, etc. Contudo, devemos respeitar a leis de trânsito da existência para atropelar ou se ferir em acidentes provocados pelos maus entendidos e pela não observância do direito do outro ao respeito.
O certo é que o homem pode congratular-se de ter muitos amigos, porém deve selecionar alguns deles para fazer parte do círculo íntimo. Claro, nem todos poderão visitar sua casa sem aviso prévio, telefonar a qualquer hora ou confiar-lhes segredos. Alguns amigos são tão temerários que se souberem de determinadas coisas podem causar uma tragédia familiar ou colocar você em dificuldades.
O amigo íntimo tem a liberdade de conhecer um pouco mais da sua vida e você pode lhe conceder a liberdade de dizer a verdade com frases abertas, sem ser enxerido. Ao contrário, há pessoas que são apenas “conhecidos”, porém se julgam no direito de entrar na sua vida pessoal sem ser convidado e te afrontam com palavras. O amigo íntimo sabe como entrar na sua vida e sair sem ser inconveniente, sem agredir a sua vaidade ou ferir a sua dignidade. Ele sabe o momento propício de conversar calmamente com sinceridade e orientar sobre os seus erros e conduzi-lo ao caminho certo. O verdadeiro amigo não encobre erros, fazendo vista grossa com se o bem-estar do outro lhe fosse alheio, mas não é repulsivo com repreensões descabidas. Por outro lado, o amigo íntimo sabe elogiar, incentivar e se orgulha dos seus progressos, sem ponta de inveja, ressentimentos ou sentimento de autocomiseração.
Considero que o entendimento da verdadeira amizade é ponto de partida para um relacionamento mais profundo: o relacionamento matrimonial. É no matrimônio que se desenvolve a intimidade no seu sentido físico, emocional e espiritual. Por isto, o casamento tem um significado tão teológico que no cristianismo é considerado um sacramento. A intimidade não se resume a fricção mecânica do sexo, mas na comunhão de sentimento, interesses e motivações que torna a duplicidade dos gêneros uma só carne.
O relacionamento íntimo verdadeiro cancela todas as desculpas da incompatibilidade de gêneros. Aliás, a humanidade é composta de um ser: o homem em dois modelos (gêneros): macho e fêmea. Nesse caso, o corpo é a única diferença entre um homem e a mulher, pois são ambos um mesmo com alma com as seguintes faculdades: sentimentos, vontade e inteligência. As demais convenções foram estabelecidas pelas definições social e culturais da visão de gênero. Assim, ambos estão propensos a amar, criar e sonhar. O relacionamento íntimo considera a unidade dessas faculdades da alma para o ser humano se eternizar na família, por meio dos seus descendentes.
CONCLUSÃO
Assim, resumo que todos podem ser meus conhecidos, muitos podem ser meus amigos, alguns podem ser amigos íntimos e com alguém do sexo oposto pode-se desenvolver um relacionamento intimo monogâmico, por meio do casamento, para se eternizar por meio dos descendentes.
REFERÊNCIAS:
CHALITA, Gabriel. Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Editora Gente, 2001.
BOTTON, Alain. Desejo de Status. Tradução Rita Vynagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.