sexta-feira, 29 de julho de 2011

A CORTINA DO AMANHÃ

Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUCÃO
Na loucura incessante da vida, vejo como a rotina conduz a um estágio de conforto, tornando factível a reprodução mecânica dessa rotina. Assim, de manhã à noite, o círculo se fecha pelas mesmas coisas e até a alimentação é obrigação física da sobrevivência. O trabalho que nos aliena só se liberta da rotina quando se reveste de crenças teológicas, morais e ideológicas.
Um dos meios que nos liberta é a crença na doutrina espiritual de família, pois não se trata apenas da célula mater da sociedade, mas de um conjunto de relações entre pessoas. A família traz a ideia de partilhamento de uma mesma origem e existência, com suas concepções de ascendências, genes e preceitos cultuais e culturais. Por isto, as entranhas se movem quando percebemos que somos parte de um todo, partilhando o mesmo sangue e essência. Tal preceito foi enriquecido no cristianismo por meio da fraternidade; ou seja, amor que une e se solidariza entre irmãos, fazendo perceber com a mesma carne e os mesmos ossos. Desse modo, rompem-se as concepções de afinidades por laços de sangue, mas estabelece-se a crença de que toda humanidade tem um ancestral comum e origem divina.
A BREVIDADE DA VIDA
A vida hoje se forja na aflição, na ansiedade, na incerteza dos segredos que serão descortinados amanhã. Nesse caminho de rosas e espinhos, os pés sangram pelas intempéries ocasionais, mas olhos brilham pela esperança que move a perseverança nos mesmos ideais e promessas. Somos participantes da mesma natureza de vida e estamos seguros na paixão que nos move e nos faz acreditar que a vida vale a pena. Por isto, valorizo o sonho como a luz que brilha no caminho apontando para o futuro, retirando-nos da estratosfera do presente e nos libertando das amarras das culpas do passado.
Quando critiquei a velocidade do mundo moderno, estava criticando a mecanização do homem como se fosse mais uma máquina de uma unidade de produção. Nesse caso, estava me referindo à rotina e à perda da humanidade que reduz as relações entre pessoas ao rito de tarefas e responsabilidades. Estava convidando as pessoas a se perceberem como “ser-no-mundo” (um importante preceito existencialista), com os detalhes da natureza que nos cerca e procurassem enxergar a sua própria alma por meio do espelho da reflexão. Como dica, citei a fé em Deus e a doutrina moral e espiritual que a cerca como meio para enxergar as imperfeições da alma e melhorar a conduta existencial em relação a si mesmo e o próximo.
Agora, com a mesma disposição de um guerreiro, que mesmo ferido não cessa de lutar, faço da labuta uma visão de uma missão especial em direção à justiça neste mundo onde não há iguais. A igualdade da origem e essência humana trazida na inocência de uma criança é maculada pela corrupção da sociedade, repleta de adultos imperfeitos e concorrentes em sua verdade própria – produto de um individualismo exacerbado. Por isto, tenho a crença e a consciência de que os valores absolutos estão fundados no amor e na misericórdia, reconhecendo que a diferença entre pessoas não torna um ser mais excelente que o outro. A excelência da elevação do espírito humano só acontece por meio da fé na transcendência divina e na renúncia da própria verdade, soberba e egocêntrica, por aquela torna o serviço ao próximo uma missão da existência.
Tenho na incerteza do hoje e do amanhã, o testemunho vivo da fragilidade humana marcado pela brevidade da vida. Aprendi que a brevidade da vida possui três dogmas. Primeiro, a existência é curta e quem passa dos 70 anos de idade experimenta enfado e canseira. Nesse sentido, o preceito bíblico anuncia que Como a erva do campo assim são os dias dos seres humanos; como a flor do campo assim são; mal o vento sopra, logo deixam de existir, e o seu lugar se esvai.”
 Por sua vez, o ser humano deve ter norte para a sua vida e não gastar a vida – seu maior bem – com coisas que degradam o corpo e o espírito.  Por isto, a vida deve ser entendida a partir de um propósito: já que nasci, o que eu posso fazer e como será o fim dos meus dias? Penso que alguns vêem a vida como uma guerra de oportunidades e, por isto, devem derrubar o próximo oponente ou se, possível, usar de todos os artifícios para alcançar a melhor posição e acumular capital, bens... Essa visão tola e marginal divide o mundo entre senhores e servos, ricos e pobres, intelectuais e leigos, e provoca disputa, invejas, corrupção e violência.
O segundo dogma sobre a brevidade da vida revela que a estrutura do ser humano é frágil e a existência pode ser interrompida a qualquer momento. Apesar dos avanços da medicina que prolongam a vida, temos uma geração de enfermos que convivem anos com doenças incuráveis. Contudo, isto não freia a promiscuidade moral, intelectual e social dessa geração que clama por liberdade sem limites, irresponsável, individualista e amoral. Até mesmo a liberdade dos zumbis é defendida como uma política de redução de danos, reclamada como exercício da vontade de consumir as drogas que lhe apraz, mesmo que isto tenha um custo social caro. Lamentável saber que a vida dos outros é tratada apenas como política pública de direitos, ignorando que dentro de cada ser há uma alma que reclama por socorro.
No terceiro dogma da brevidade da vida descobrimos que estamos rodeados de inúmeros perigos. Por isto, certo orador declarou que vivemos na geração das chaves quando queremos proteger nossa vida e o nosso patrimônio. Asssim, as mortes de adolescentes e jovens inauguram o momento da inversão da contagem dos fins do dias, pois os pais passam a sepultar os seus filhos. A vida tornou-se uma experiência perigosa, marcada pela certeza de que nossa existência pode ser interrompida a qualquer momento por capricho da fatalidade ou pela violência que tão de perto nos rodeia.
Assim, contar os dias da existência é uma alvorada conveniente a cada dia, porém somos blindados em nosso espírito pela confiança na transcendência e crença da imortalidade da alma. Ao contrário, há pessoas que convivem com fantasmas dos traumas da violência, operados por espíritos ministradores do caos, vivendo imergidos na depressão e na síndrome do pânico. Claro, temos instinto de autopreservação, não queremos morrer mesmo a cada dia percebendo a contagem decrescente da vida. Contudo, valorizamos a vida como patrimônio imaterial mais excelente que visualizamos por meio dos nossos sentimentos, vontade e intelecto. Desse modo podemos ver a nossa alma pelo espelho da existência dos outros e nosso fim na tristeza dos atos fúnebre. Nesse momento, somos contaminados por imagens mentais e desejamos que nosso espírito viaje ao exterior do mundo espiritual para sondar como seria a separação da alma do corpo. Por isto, lamento como a perda da humanidade leva alguns a considerar a vida de alguém uma coisa banal, paga de uma vingança insana e até mesmo recreativa.
A DISCIPLINA NO JARDIM DA EXISTÊNCIA
Contudo, mesmo diante da brevidade da vida, vou celebrar sempre a alvorada do amor e a paz no meu jardim da existência. Vou colher a alegria nas tribulações para não me afligir por causa das debilidades alheias. Sei que das possibilidades e impossibilidades sou forjado a entender a razão da existência como atos milagrosos que cancela todas as desculpas da sorte e do acaso. Isto leva a uma existência responsável, respeitando a leis do corpo, da alma e do espírito, a cuidar da saúde da mente, preservando-a dos vícios malditos, apagando a candeia dos olhos para a má literatura e a recreação perversa. Nesse caso, considero verdadeiro o dito Jean Jacques Rousseau: “a criança nasce pura quem a corrompe é a sociedade”.
Vivemos em uma sociedade perversa e isto nos desafia a não nos conformar com ela, pois, de outro modo, seremos enquadrados em seus moldes. Primeiro, aceitando intelectualmente seus preceitos e, depois, considerando convenientes suas práticas. Por isto, a renovação do pensamento é vital para a sobrevivência moral e espiritual nesse mundo de valores controvertidos. Podemos considerar essa renovação como a remoção de um vírus, quando se torna necessário formatar o computador e reinstalar todos os seus programas originais sem danos à memória e ao processamento das informações. Assim, a renovação do pensamento não é um convite à ignorância e ao radicalismo, mas um caminho permanente à integridade moral e aos valores absolutos da fé e da razão.
A prática de pensamento e vida moral sadios leva o homem a desenvolver o domínio próprio. Ou seja, posso fazer o que quiser, mas não vou fazer tudo o que quero. Por exemplo, posso revidar por palavras ou atos quando provocado, mas eu determino que não vou pagar o mal com o mal, mas, sim, com o bem. Acredito que, mesmo em uma sociedade marcada pela competição e o individualismo, posso marcar minha geração, deixando um legado moral inatacável. A nossa sociedade clama por exemplos. Por isto, qualquer ato isolado de um mendigo que devolve uma quantidade de dinheiro achada no lixo ao seu verdadeiro dono é comemorado como um fenômeno de honestidade. Parece que a imprensa quer fazer um contraponto à corrupção dos políticos e dos poderosos ao mostrar que um pobre pode abdicar da sua necessidade em favor de um valor mais excelente que é a honestidade.
CONCLUSÃO
A fé e a razão não estão em dois extremos como pregam algumas pessoas. A fé é cultuada racionalmente, despida de fanatismo e materialismo, como doutrina sadia, amorosa e servil ao próximo. A renovação do pensamento nos liberta das obras mortas do passado e aponta para o descortinar de um novo amanhecer. Assim, posso dormir em paz com a sensação de que ao acordar colherei os frutos saborosos da árvore da esperança. Também, nos meus sonhos não estou sozinho, pois a colheita dos frutos da esperança é a celebração da caridade fraternal.
REFERÊNCIAS:
Não vou citar referências. Recomendo a leitura de obras do filósofo Sêneca sobre a brevidade da vida.