sábado, 26 de novembro de 2011

APENAS A VERDADE

 
Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUCÃO
As vozes quebram o silêncio para rasgar os ares com o desabafo, liberando do peito todo o sentimento reprimido da tristeza e das mágoas sentidas. A estratégia para transformar a aflição em palavras é uma batalha emocional sem precedentes na invisibilidade da ação/reflexão de cada indivíduo. Surge, então, a busca de argumentos para fundamentar a razão com o intuito de eliminar o contraditório, pois o reclamante quer se tornar senhor da verdade acima dos enganos e desenganos. O ardor do peito e do olhar são mensagens silenciosas em códigos indecifráveis e tem significado exclusivamente pessoal. Aliás, na solidão, toda pessoa faz um diálogo consigo, ensaiando as palavras e as situações na expectativa de lograr êxito no duelo da razão. 
A CONCEPÇÃO DA VERDADE
O duelo da razão reclama pelo julgamento da verdade e da mentira em um debate acalorado. Como em uma luta de boxe, espera-se que o debate de ataque e defesa termina quando um dos oponentes vá à lona pela humilhação e o desmaracamento. Porém, glória do embate é ilusória, pois quem vence a discussão não sente totalmente vencedor e quem perde não reconhece a vitória do adversário, persistindo as mágoas e os ressentimentos. O final trágico do duelo de palavras traz no seu despojo o término de uma bela amizade e a dívida do perdão. Afinal, não há julgamento digno no cenário de ânimos exaltados, com pessoas embriagadas pelo ódio e pelo ressentimento, pois todos estão errados.
O caminho do perdão é plausível, quando se reconhece a integridade do outro e não se coloca na condição de vítima, mas também como causador do conflito. No processo de perdoar mutuamente são resolvidos os mal entendidos e inaugura-se nova fase de disciplina nas relações, pois a experiência do conflito gera conhecimento e respeito a personalidade do outro.
Certa vez, ouvir alguém dizer que existem três versões da verdade: a minha verdade, a verdade do outro e a verdade verdadeira. O pensamento humanista e jurídico convencionou que é preciso ouvir todas as vozes para extrair a verdade verdadeira. Assim, a verdade seria produto de uma hermenêutica e exegese, síntese da somatória das contradições e consensos. Contudo, essa verdade é uma decisão imposta e não reina soberana sobre todos.
Quando a mim, dirigirei a Deus a minha fala quando o coração sangrar e a lágrima como explosão inconseqüente ao mar dos infortúnios externar como uma gota ardente. Não reclamarei as minhas razões como verdade, mas procurarei os desertos e os montes da alma para, na solidão dos meus pensamentos, represar todas as sensações de tristeza, autocomiseração ou até mesmo de vingança. Claro, todas as nossas concepções de justiça são temerárias e até mesmo passionais. Vai à mão do ministério da injustiça, operada pelos agentes da iniqüidade, com a complacência das bênçãos da legalidade. Por isto, na fragilidade da carne, folgo na busca da autodisciplina, procurando entender as emoções, interpretando-as dentro do princípio das virtudes mais excelentes do cristianismo.
Verbalizar o sentimento da ira, respeitando a dignidade do próximo é desafio do autocontrole. Assim sendo, amo o silêncio dos meus pensamentos para que a brandura se estabeleça. Até o desabafo é seletivo, pois contar os segredos depende da cumplicidade, da lealdade e da confiança. A sensação da verdade é ilusória quando ela se apóia nas expectativas frustradas, quando se ignora todas as possibilidades e quando o nosso desenho de perfeição vem desmoronar diante dos nossos olhos.
Há quem pensa que a verdade é um instrumento de constrangimentos, intimidação, chantagem e vingança, utilizado ao sabor das conveniências. A verdade nunca será instrumento da iniqüidade, nem arma violenta para destruir pessoas. Sua utilização é contra o mal, a mentira, o engano e a trapaça. Ou seja, tem por objetivo a correção, estabelecer a justiça e a equidade entre os homens. Logo, a verdade não se compraz com interesses mesquinhos, vaidade pessoal e autopromoção.
Uma das ilustrações mais evidente é que a verdade é luz, pois ela revela as coisas escondidas, os segredos dos conluios e a escuridão da ignorância dos incautos. Aliás, há situações que pensamos serem coerentes, lógicas e sensatas, mas um dia a verdade revelará as intenções dos corações e a realidade dos fatos sem maquiagem. Assim, a verdade é a expressão da liberdade das algemas da ignorância, razão porque o cânon divino julga que o povo perece por falta do conhecimento. Não me refiro ao saber acadêmico, pois a academia exalta o humanismo ao extremo, reforçando a estratificação social de classes, inserindo a lógica da competição por melhores empregos, condições de vida, etc. A verdade que apregoo conduz ao autoconhecimento, à compreensão do propósito da existência. Nesse sentido, passamos a entender o significado das palavras a começar pela oração do “Pai Nosso”, cuja pretensão foi ensinar os homens a não serem egoístas. Ou seja, Deus é meu, teu e o nosso Pai.
Fico pensando no poder de transformação da palavra da verdade quando dita no momento oportuno. A sabedoria e a verdade são irmãs gêmeas, devido a sua origem comum e as palavras certas ditas no momento certo são como maçãs de ouro em salvas de prata. Dizer a verdade é um exercício de sabedoria porque o gênero humano é mal em sua essência, carecendo da disciplina desde a tenra idade. Assim, não basta dizer a verdade é preciso vivê-la, pois o ensino sem exemplo é como uma cidade sem muros. Viver a verdade implica ter uma vida sob disciplina no pensar, no falar e no agir, pois o homem que não domina o seu próprio espírito é uma bomba pronta a ser detonada a qualquer momento contra si mesmo e o próximo.
Há pessoas que já estão acostumadas a viver na mentira, por isto, valorizam a trapaça e a quebra de regras. Ainda, não satisfeitas criticam outras pessoas e, principalmente, os políticos. Mas, no dia-a-dia cometem pequenas desonestidades e o suborno para encobrir seus erros. Fica a sensação de que a minoria dos homens e mulheres de bem se sentem acuada diante do império da iniqüidade, operada por um Estado que comete injustiça e subverte os valores, sob a benção da legalidade. Nesse caso, até a educação familiar fica prejudicada. Essa contradição da sociedade é legitimada por agentes do Estado, pois a política e a justiça é operada pela supremacia das classes dominantes. Consequentemente, o argumento de que “todo mundo faz” é aceito. Por isto, as pessoas silenciam e consideram normal quando o populacho saqueia uma carga de mercadorias, após um acidente de trânsito como se a verdade fosse uma condição imposta por ampla maioria, mesmo visível o aspecto da honestidade.
A verdade não é estabelecida pela força, mas pelo convencimento e as pessoas podem aceitá-la ou não. Claro, a revelação da verdade provoca tristeza, consternação, desequilíbrio nas estruturas de pensamento e mudança em estilo de vida. Por isto, algumas pessoas preferem adiar a revelação da verdade, mesmo sabendo que agressões morais são praticadas por pecadores contumazes contra esposas, maridos e filhos. Esperam que a verdade ilusória dure um pouco mais e ficam na expectativa de assistir na platéia a previsível tragédia do castelo da felicidade do outro desmoronar. Contudo, a verdade triunfa porque ela se sobrepõe a própria história e aos remendos da mentira. Aliás, a mentira precisa de outra mentira para sobreviver e tentar encobrir a verdade até o dia que tropeçe em suas próprias pernas e a verdade venha à tona.
É mentira dizer que nem todas as pessoas estão prontas para ouvir a verdade, com se ela fosse algo condicional. A verdade se sobrepõe as pessoas e as condições impostas, pois ela existe por si mesma, é eterna e divina. O problema é que os homens estão cegos e surdos e só querem ver e ouvir aquilo que lhe interessam e satisfazem o seu ego. Como exemplo, as pessoas só vão a um seminário com o propósito de que os palestrantes digam aquilo que atendam as suas expectativas, razão porque as palestras têm abordagens muito repetitivas e o contraditório nem sempre se estabelece. Por quê? A verdade, às vezes, machuca os ouvidos e fere o orgulho pessoal, mexe com as certezas e aquilo que alguém tem por verdadeiro. O primeiro comportamento de confronto com a verdade é o desprezo e a zombaria; depois, vem a calúnia e a perseguição.
A verdade tem o único Dono que arbitra sobre todos os homens. Nós, porém, podemos ser usuários da verdade, pois ela não se resume a fala, mas a comportamentos, atitudes, exemplos. Pode ser até fácil dizer a verdade; difícil é vivê-la com integridade. Quem se orienta pela verdade não é guiado pelos seus impulsos, rompantes de razão ou senso pessoal de justiça.
CONCLUSÃO
Na feira das vaidades encontraremos gritos de pressupostos arautos da verdade, sendo que alguns se julgam mais verdadeiros e mais honestos que outros. Contudo, eles se colocam acima da verdade como se ela fosse uma mercadoria manipulável para satisfazer os seus próprios interesses de autopromoção. Contudo, os humildes são servos da verdade, nela depositam sua esperança e a repartem como fruto saboroso a ser compartilhado.
REFERÊNCIAS:
Não vou citar referências além da Bíblia Sagrada nas versões de João Ferreira de Almeida.