sábado, 31 de março de 2012

SENSO CRÍTICO

Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUÇÃO
Lembro-me dos meus estudos de Filosofia, nos quais aprendi conceitos como “reflexão”; ou seja, repensar aquilo que fazemos sem ter noção dos significados. A partir daí, percebi como temos uma recepção passiva naquilo que ouvimos e como reproduzimos muitas coisas sem ter consciência daquilo que fazemos. Como exemplo, certa vez, um professor de Matemática foi arguido por uma aluna por que ensinava logaritmos e progressão geométrica e ele, não tendo uma resposta convincente, disse: “me mandaram ensinar isto a vocês”.
Talvez, as respostas não são buscadas por falta de perguntas e porque alguém quer evitar o confronto. Às vezes, as perguntas são um incômodo e soam como uma provocação e expõem o contraditório, revelando posições antagônicas: o conflito. Quem gosta de uma pergunta embaraçosa? Na verdade, o que queremos é fugir dela, mesmo que a resposta não seja convincente nem mesmo para nós.
1.      PRECISAMOS DE BUSCA DE RESPOSTAS A NOSSAS PERGUNTAS
Vivemos em uma sociedade de muitas perguntas e de pouca busca de respostas. Nesse vácuo existencial, surgem os arautos das respostas prontas, as receitas dos gurus da autoajuda e com a ilusão da prosperidade pessoal e que se lixe o mundo.
Contudo, quero alertar a resposta não virá sem estudo sistemático e sem a radicalidade daquilo que se pergunta. Explico: radicalidade significa “tudo tem a sua raiz”; ou seja, uma razão de ser que foi sofrendo mutação em seus objetivos e resultados no decorrer da história. Quero dizer que as coisas estão diferentes do que eram no início e, por algum motivo, houve um desvirtuamento do propósito. Por exemplo, as instituições não são as mesmas desde que foram fundadas, pois foram mudando de acordo com o pensamento humano.
O pensamento humano aparentemente muda. Apenas aparentemente, pois uma das marcas mais significativas da pessoa é a vaidade – palavra que definimos para esse apego à glória temporária e ilusória, que embriaga o ego, dando-lhe uma leve sensação de divindade, acima dos demais homens comuns. Não é a toa que Faraós, Cézares e imperadores mundiais na Antiguidade se consideravam deuses e exigiam adoração de seus súditos, punindo alguns com a morte. Ainda hoje, prevalece, em alguns arraiás, o argumento de que poder evoca prerrogativas divinas e que, em função disto, deve ser silenciada toda crítica ou oposição. Amparada nessa crença de excelência, alguns cometem as maiores arbitrariedades.
2.      ALGUNS PRECEITOS CRÍTICOS
Com relação à crítica, guardei alguns preceitos para me proteger da insegurança da autoaceitação. Aliás, todos nós buscamos o reconhecimento e amamos os elogios como se fosse a pérola mais linda do mundo. A nossa expectativa é que a crítica se encaixe no desenho do nosso ego para não nos entristecer e nos conduzir ao caminho da autocomiseração. Queremos dormir nas nuvens do bem-estar, crendo que não seremos incomodados pelas flechas da imputação do erro. Desse jeito, seria o máximo da utopia da perfeição, mesmo estando propícios a tropeçar no engano dos nossos pensamentos, na ociosidade das palavras e nas ações equivocadas.
Em função da eminência do engano e da soberba, elegi como primeiro preceito: “não tenho controle sobre o pensamento e as palavras de alguém que proferir julgamento na minha ausência”. Considero que alguém pode se defender, argumentando que as palavras interpretadas fora do contexto, produziram outro significado. Por isto, para me proteger evito proferir citar nomes e focar em situações, criticar comportamento e não pessoas. Claro, o mesmo erro pode ser repetido por muitas pessoas em diferentes situações, tempos e lugares. Não há ofensa quando se critica comportamentos.
Tenho como segundo preceito que ninguém é incriticável e isento de julgamento moral. Quando alguém não se sujeita a um julgamento moral, torna autoritário, arrogante e sem respeito pelos demais. Compreender a crítica é se submeter ao processo de escuta, proposto Carl Rogers (1902 – 1987), e tornar-se participando de um feedback que proporcionará uma reflexão sobre si mesmo e um crescimento enquanto pessoa. Também cito o argumento da missionária católica Joane Tereza Blainey que, em um debate sobre a justiça restaurativa em 2010, disse que a crítica é uma forma de compreender os motivos do outros, inclusive a raiva, está desarmado para o diálogo e receber as palavras isentas de confronto, aponta o caminho para o entendimento e a resolução de problemas. Assim, extrair algo de bom de uma crítica exige renúncia a essa vaidade, que utiliza a razão para satisfazer os seus interesses mais mesquinhos.
Outro preceito que guardo é que nos contraditórios residem os elementos democráticos: “o aplauso é tão democrático como a vaia”. Quem gosta de elogio deve estar preparado para receber críticas. Por isto, recebo toda crítica com imensa tristeza, mas, depois, vou digerindo as razões que motivaram a crítica e passo a refletir sobre aquilo que incomoda o meu próximo. Responder na mesma moeda, confrontar acusando ou lançar em rosto é a tática dos covardes.
Convém fazer uma ressalva. Há aqueles que encobrem as suas próprias transgressões para acusar os outros, julgando-se acima do bem e do mal. Falam como se tivessem autoridade para repreender, inclusive de público e colocam-se como arautos da verdade. Criticam tudo e a todos e em nenhum momento são propositivos ou encostam o dedo para ajudar. São néscios, soberbos e não tem a humildade para reconhecer o erro e ter a dignidade de pedir desculpas. Amparam-se em uma falsa justiça e santidade e, mesmo na hipocrisia, não aceitam receber críticas.
Acredito na reciprocidade da convivência e no apelo amoroso da verdade. Não falo de uma verdade escrita nas tábulas da razão e nas leis da ciência. Acredito na verdade trazida pelo sopro de Deus que liberta das amarras do vazio existencial e produz vida com qualidade eterna. Essa verdade aponta as crises mais insondáveis do ser humano, estanca as sangrias da vaidade do poder e produz humildade. Claro, somos parte de um todo, de uma existência compartilhada, mas mergulhada em uma crise de identidade. Por causa da crise, queremos se afirmar acima das demais pessoas e exercer o domínio.
A crítica coloca a crise na evidência, seus contrastes, suas contradições e aponta a necessidade de solução. O problema é ponto de partida da crítica e a sua motivação. Às vezes, criticamos para envolver pessoas em enredo sedutor, derrubá-las e se apropriar de um espaço que nos interessa. Daí resulta as pelejas com as suas vítimas na batalha do poder.
Recentemente, tenho visto publicações em que pessoas são criticadas ou persistentemente expostas em razão de algum ato que fere as normas da conduta e da moral. Uma das coisas que observo é a motivação do escândalo. Pergunto: há alguma busca em estabelecer a verdade e a justiça pela denúncia do engano ou é uma vingança de um cúmplice de um mal feito que, em determinado momento, se sentiu prejudicado? Há pessoas que optam pelo silêncio quando estão se beneficiando de um sistema mesmo sabendo dos seus equívocos e arbitrariedades. Nesse momento concordam com tudo ou fingem que concordam. São críticos de acordo com a conveniência, até o momento em que são beneficiados.
Penso que é importante cultivar a virtude e estar atento ao mundo em redor. Não devemos ignorar o engano em suas diferentes formas. A mentira se transveste de verdade por meios de argumentos convincentes, proferidas por pessoas ditas iluminadas e abençoadas por Deus. Trata-se de alguém que busca a sua própria glória, riqueza e poder; que se alimenta da ignorância dos escravos por meio de palavras persuasivas e atos de grandeza própria; que são amantes do dinheiro. O remédio para combater o engano é a análise crítica, a investigação metodológica para distinguir o que é real e o falso.
Vivemos em uma época que é prevalecente a cultura da emoção. As pessoas estão propensas a vivenciar o prazer das sensações, a explorar as imagens com se fosse algo real e, assim, se iludem com os órgãos dos sentidos. Aquilo que vimos, ouvimos e sentimos pode ser a aparência do real e essa ilusão é uma das estratégias de lobos vestidos de ovelhas para tentar devorar os incautos. Em função disto, devemos estar aptos para examinarmos tudo e extrair o que é verdadeiro e descartar o engano. Quem é crítico não se prende a ameaças das maldições, pois toda verdade é límpida, isenta de parcialidade e dúvidas, é agradável, benéfica e alimenta a virtude.
CONCLUSÃO
Recomendo a leitura de bons livros, pois o conhecimento é o maior investimento a ser feito, bem mais importante que a alimentação. O alimento dura 02 ou 04 horas no organismo e, depois, é eliminado, mas o conhecimento dura para a vida toda. O que sabemos é uma arma de defesa e de ataque contra o engano. Sempre cito o preceito canônico de que a “verdade liberta” o homem do poder da ignorância que o aprisiona. Acredito que o maior inimigo do homem é a sua ignorância, que lhe torna presa fácil dos ardis do tentador e escraviza a sua consciência, distanciando-o daquilo que é bom. O homem só consegue a capacidade crítica quando se liberta das amarras que impede a sua consciência de fazer às escolhas certas por meio de julgamento moral à luz da verdade.
REFERÊNCIAS
Recomendo a leitura do livro
LUCADO, Max. Viver sem Medo: redescobrindo uma vida de tranquilidade e paz interior. Tradução de Bárbara Coutinho e Leonardo Barroso. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2009.