
Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUCÃO
Até que enfim consegui um tempo para praticar o meu hobby favorito: escrever. Atendendo às solicitações, estou escrevendo um artigo sobre um tema muito atual que é a transparência. Neste texto, a transparência é um tema de natureza moral que reflete sobre o caráter das pessoas e uma crítica sobre o que move alguém a preferir a invisibilidade. Não se trata apenas da timidez (característica comportamental), mas de um receio amparado na certeza de que suas ações poderão ser reprovadas.
A IMPORTÂNCIA DA TRANSPARÊNCIA
Percebo a dificuldade de alguém expor o que pensa sem temer a censura ou a argumentação contrária. Às vezes, a verbalização de uma ideia traduz um convite para uma arena de debates. Nossas palavras são carregadas de juízo de valor e não estão isentas de teor ideológico. Aliás, a palavra ‘ideologia’ é bem mais do que um conjunto de ideias. Sua concepção é imprecisa, está em constante transformação e, dependendo do contexto, são aceitas várias definições. Gosto muito da definição do sociólogo Pedro Demo: “ideologia é justificativa das nossas opções políticas”. Também, gosto da definição dada pelo Dr. Myles Munroe para a palavra “ideia” como a exteriorização de um pensamento lógico que expressa a intencionalidade de uma ação.
Creio que a verbalização de uma ideia ou repreensão pode mexer com os sentimentos mais primitivos de um ser humano. Cada um gosta de ouvir aquilo que satisfaz o seu ego ou é conveniente com os seus interesses. Aquilo que é ruim ninguém gosta de ouvir, tampouco que seja revelado algo que o comprometa. Mas o ser humano é assim mesmo: complexo e contraditório por natureza. É sedento por poder, mesmo que isto lhe custe ultrapassar todos os escrúpulos e penalizar o seu próximo.
Em função disto, surge a ordem legal e jurídica para estabelecer a justiça, a equidade e proteger os mais fracos da violência dos mais fortes. A palavra violência não está somente relacionada à agressão física. Há também a violência simbólica que é uma agressão moral e psicológica e causa danos à alma da pessoa, inclusive para o resto da vida. Por sua vez, a violência institucional é causada pela omissão do Estado no dever de garantir os direitos fundamentais do cidadão. É uma forma de usurpação do poder e do dinheiro público por aqueles que dizem ser representantes do povo.
No arremedo da omissão do Estado surge a guerra da informação, daquilo que supõe enquanto a realidade está encoberta. Controlar a informação e deliberar sobre o que deve ser revelado passa ser uma forma de propalar as virtudes dos detentores do poder e encobrir aquilo que pode suscitar questionamentos de privilégios ou ilicitude. Nesse caso, não tem fundamento as alegações de que o povo é ignorante e que não domina o saber sistematizado a ponto de reivindicar as informações que lhe é de direito. Também, não se sustenta o argumento que a divulgação de determinados fatos pode criar um conflito de interesses e manipulação de natureza política, pois a verdade está acima das pretensões de cada um.
A guerra da informação também é uma disputa de poder e quem a detém pode usá-la como meio de manipulação ou de transformação social. A informação é uma das formas de apropriação do poder, por isto uma das forças das grandes democracias é a imprensa livre e a liberdade de expressão. Essa faculdade do direito permite as pessoas manifestar livremente opiniões, ideias e pensamentos sobre assuntos de seu interesse. Daí surge o fundamento legal para criticar comportamentos e vícios morais dos governos, instituições e pessoas.
A crítica torna-se normalmente um incômodo para os agentes públicos/políticos, principalmente quando ela está robustecida no protesto coletivo. Por esta razão, o mal feito, a corrupção e outras ilicitudes se amparam no argumento do sigilo pessoal e institucional. As pessoas não querem ser vigiadas, criticadas e penalizadas pelos seus desvios morais. Sentem-se privadas de sua liberdade e invadidas em suas atribuições institucionais ou em espaços funcionais. Contudo, está mais do que fundamentado em lei que o interesse público prevalece sobre as questões pessoais, principalmente nas instituições públicas. Logo, essa exigência de visibilidade é mote da transparência publica ampla e proativa.
A transparência ampla é um ideal perseguido por organismos internacionais e por instituições não governamentais, sem vinculação política, que defendem contas abertas e informações disponíveis independentes de solicitação formal. Por isto, a transparência deve ser proativa. Se as informações dizem respeito ao coletivo de pessoas, elas devem ser públicas e notórias bem antes que alguém se manifeste, exigindo conhecê-la.
Dessas minhas observações, resumi em três pontos vários preceitos relacionados à transparência. Ou seja, para que haja transparência ampla e proativa é necessário que: toda informação seja pública, acessível e entendida por todos.
TODA INFORMAÇÃO DEVE SER PÚBLICA
Segundo o entendimento, referenciado por Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831), o Estado é a síntese dos antagonismos ou contradições presentes na sociedade. Logo, o Estado é o condomínio que agrega os interesses dos cidadãos e instituições presentes na sociedade, estabelecendo a ordem e o direito. Portanto, o Estado deve prestar contas da competência a ele delegada, dos recursos recolhidos e apresentar os serviços à sociedade que o legitima como poder estabelecido.
Para uma transparência ampla e proativa, as informações devem ser divulgadas em tempo real, utilizando de todos os meios disponíveis, principalmente os instrumentos eletrônicos. Mas, muitos agentes públicos/políticos tem usado a publicidade, patrocinada pelo Estado, como propaganda pessoal para se perpetuarem no poder com requintes de manipulação. Depois, surgem as denúncias do uso irregular de recursos públicos, com inferência da promiscuidade de agentes públicos/políticos com a elite corrupta. Aliás, essa mistura do interesse público com o privado apenas beneficia uma dúzia de criminosos, travestidos de políticos e de empresários de sucesso.
Uma transparência ampla e proativa exige que toda a informação seja pública, inclusive aquela relacionada à remuneração do servidor como meio de vigilância e prevenção contra as ilicitudes e quaisquer formas de corrupção.
Os detalhes da informação são determinantes para perceber as nuanças políticas e sociais, refletindo se o interesse geral foi atendido pelo Estado ou instituições. Uma informação genérica ou incompleta é uma forma sonegar o direito coletivo de conhecer algo de seu interesse.
Ainda existe um mal fadado engodo encoberto na argumentação do sigilo. Não deveria existir sigilo para informação, referentes a ações custeadas com recursos públicos ou de uma coletividade. Todos têm o direito de saber o que está sendo feito com o dinheiro que deles foi cobrado por meio de impostos, taxas e outras formas de contribuições. Também, têm o direito de exigir a forma como gostariam de ser informados para melhor entendimento.
É de lamentar a cultura subliminar no entendimento de muitos de que o Estado é o assento da nobreza e o cidadão é patrício ou plebeu dos quais são cobrados impostos e obrigações, pois isto remete a época da idade antiga e média. O ideal é que o Estado e seus agentes devem se submeter ao interesse público e não o contrário. O Estado deve informar todas as suas ações, pois é a sociedade que o legitima.
TODA INFORMAÇÃO DEVE SER ACESSÍVEL
Para uma transparência ampla e proativa, quando alguém procurar a informação deve encontrá-la independente de solicitação formal. Para tanto, tem surgido, por determinação legal, os portais de transparência nos entes federados e instituições por eles mantidas. Essa acessibilidade visa facilitar a busca pelas informações, evitando a burocracia presente em uma solicitação formal. Isto não é um favor, mas é uma exigência da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência da administração pública. A publicidade dos atos públicos dá ao cidadão a possibilidade de avaliar a legalidade das ações dos agentes públicos/políticos, fazendo uma conexão com o ideal do interesse público e a realidade existente.
Um dos fatores inibidores para alguém buscar acesso a alguma informação era a exigência de expor os motivos da sua solicitação e a negativa do atendimento em função do sigilo. Hoje essa argumentação não tem consistência legal, depois de aprovada a Lei de Acesso à Informação (Lei Federal nº 12.527 de 18 de novembro de 2011). Por essa lei, somente são considerados dados sigilosos aqueles cuja divulgação atenta contra a segurança do Estado e da sociedade. Mas até mesmo o sigilo de algumas informações é questionado por alguns movimentos ligados aos direitos humanos que reivindicam abertura dos dados da Ditadura Militar. Agora, depois da pressão desses movimentos, foi instituída a Comissão da Verdade que busca esclarecimentos sobre fatos relacionados aos crimes da época da Ditadura Militar, mesmo com a reclamação de alguns oficiais militares.
Por isto, sou ardoroso defensor do acesso às informações na crença de que o resgate da confiabilidade das instituições públicas passa por esse caminho. Se existem suspeitas ou insinuação é porque as informações não são de conhecimento geral. Alguém está se sentindo lesado e a forma encontrada para o protesto foi semear deduções de natureza especulativa.
TODA INFORMAÇÃO DEVE ENTENDIDA POR TODOS
Não acredito em unanimidade sem um debate sério e não impositivo. A unanimidade não deve ser construída sem os devidos esclarecimentos dos fatos. De outro modo, é impossível que todos tenham a mesma opinião sobre um mesmo assunto. Mas, para que a informação seja entendida por todos é precisa uma explicação didática sobre os dados de natureza complexa. Após o entendimento será possível fazer as ilações políticas sobre os dados.
Também nenhuma conclusão se faz de forma apressada ou em função de eventual emergência. A compreensão se dá na suavidade do silêncio, pelo cruzamento das informações e pela exposição dos contraditórios. Sem o contraditório não existe uma compreensão real dos fatos nem é construída uma síntese baseada nas opiniões divergentes.
A compreensão do teor da informação é condição essencial para a assinatura de qualquer documento. Ninguém pode endossar moralmente qualquer ato sem conhecimento exaustivo do que realmente se trata. Logo, todos os esclarecimentos são direitos do cidadão ou de qualquer sócio de uma instituição. Isto é uma questão de respeito a quem é patrão dos agentes públicos. Assim, a tarefa do servidor ou agente público/político é realmente servir à população e não de utilizar o cargo/função pública em benefício próprio como se a sociedade fosse composta de nobres e de vassalos.
CONCLUSÃO
A pulverização de denúncias tem o seu arremedo especulativo quando as informações não são públicas, acessíveis e entendidas por todos. A negativa do acesso com a argumentação do sigilo pode ser um pretexto para ser eximir de obrigações morais e legais. Há sempre quem quer agir na sombra, na sua zona de conforto, sem a necessidade de explicar a natureza dos seus atos. Geralmente, quem não gosta de dar satisfação de seus atos também não gosta de se submeter às regras e, por si mesmo, quer ditar procedimentos e estar acima das leis e da ordem estabelecida. Aliás, tem no mínimo suposição de que suas ações não terão a aprovação da sociedade.
REFERÊNCIAS:
Vou apenas recomendar as seguintes leituras:
DEMO, Pedro. Introdução à Metodologia da Ciência. 2ª Ed. São Paulo, Atlas, 1985.
Lei de Acesso à Informação (Lei Federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011) e o seu Regulamento (Decreto Federal nº 7.724 de 16 de maio de 2012).
Também recomendo visitas aos Portais de Transparência dos governos federal, estadual e municipal.