
Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUCÃO
Após muito hesitar, resolvi escrever sobre amor. Considero um tema muito teórico, partindo de um ideal de vida prática que, se cumprido, mudaria a história do mundo. Contudo, todos nós estamos em débito com a virtude mais excelente, devido às falhas constantes emanadas do ego. Claro, ainda a nossa vaidade fala mais alto do que as nossas convicções. Também, o individualismo tem primazia sobre a solidariedade e a misericórdia.
Também, esse é um tema presente nas conversas teológicas, nos ensaios científicos e pano de fundo em muitos textos existencialistas. Aliás, as vertentes filosóficas que mais me identifico são a fenomenologia e o existencialismo. Gosto muito do existencialismo de Martins Heidegger (1889 – 1976) e Soren Aabye Kierkegaard (1813 – 1855) com o seus conceitos sobre livre-arbítrio e outros. É sabido que o filósofo Jean Paul Sarte (1905 – 1980) se apropriava dos romances que escrevia para divulgar suas ideias existencialistas.
O AMOR COMO JOIA DO ENSINO E PRÁTICA TEOLÓGICOS
O amor é a joia maior nos ensinos teológicos, tendo como máxima: “Deus é Amor”. Assim sendo, sua relação com os seres humanos reflete características de sua personalidade e atributos. Essa relação amorosa é também sacrificial e graciosa, indo além das intenções humanas, traduzindo uma relação: criador e criatura, pai e filho. Por isto, o termo “ágape” é frequentemente utilizado no cânon bíblico.
Gosto muito do ideal do sermão da montanha, pois transmite a mensagem que o amor está em oposição à ideia de supremacia sobre as demais pessoas. As palavras mais presentes nesse sermão é serviço, sacrifício em prol de relações humanas fraternas e transformação de vidas. Assim, cada pessoa capitaliza o serviço e exemplo como coerção amorosa de princípios morais absolutos, induzindo alguém a questionar os seus valores e ensejar por mudança.
Essa ideia de amor como relação de serviço e sacrifício está presente nos escritos paulinos. O amor é a força motriz das virtudes mais excelentes do cristianismo; está acima de qualquer motivação egocêntrica, possessiva e ações altruístas. Aliás, sem o amor qualquer ato de bondade é destituído de tons e significados, podendo ser meio de promoção pessoal ou até mesmo forma de aliviar a culpa da consciência pela negligência com o próximo.
Nos ensinos sobre o amor, surge a solidariedade contextualizada e provida de significados. Trata-se da condescendência, que nos leva a se colocar no lugar de alguém como estivesse vivendo a mesma situação. Esse jogo de imagens visuais produz sofrimento, lamento pela situação dos oprimidos e constrange adoção de medidas reparadoras. Aliás, “paixão” é o sentimento que produz angústia, tristeza e provoca fascínio em ajudar alguém necessitado. A palavra “paixão” vem do latim “passion” e significa literalmente sofrer ou suportar uma situação difícil. Um dos termos mais conhecidos da humanidade é “paixão de Cristo” que retrata o ponto mais culminante da doutrina vital do cristianismo: a salvação sacrificial dos homens.
O ensino canônico sobre o amor vai à contramão do espírito humano de pelejar em todas as instâncias e situações, indo até as últimas consequências, mesmo que requeira o preço de sangue. Hoje, assistimos a banalização da vida e pessoas morrendo por motivos fúteis. Lamentavelmente, as disputas de poder em todas as instâncias e contextos tem levado a perda de muitas vidas.
O AMOR NO VIÉS POLÍTICO SOCIAL
A moeda da vaidade tem dois lados: esnobismo e autocomiseração. O esnobismo é pretexto para a discriminação de alguém sem status elevado para distingui-lo entre outros de maior valor capitalizado. Assim, cria-se grupo social seleto e isola-se a “ralé” (camada inferior da sociedade). A acepção afasta pessoas e cria desigualdades. Aliás, a ideia de aristocracia ou nobreza foram reproduzidas pela burguesia nas idades moderna e contemporânea e está presente nas representações sociais do nosso dia-a-dia.
Por sua vez, a comiseração é o efeito de sentir pena de si próprio. A imagem das “excelências”, das benesses das celebridades e ricos são vitrines para os mais pobres. Essa ideia de felicidade, vendida na mídia, mesmo ilusória, é um sonho socializado, reforçando os elementos mais sórdidos do capitalismo. Daí visualiza-se mais desigualdades e sensações de inferioridade. Agora, passa a ser valorizado o ter do que o ser. O caráter passa ter valor relativo e secundário diante da valorização do capital e da fama.
Na teia dos discursos por igualdade, solidariedade e respeito ao próximo, principalmente aos mais pobres, surgem os charlatões que apresentam a ilha da felicidade e da prosperidade. Alguns apresentam o caminho da política como meio de se obter um mundo mais igualitário e fraterno. Contudo, o contraditório aparece nos embates ideológicos da política e nas expressões mais usuais como: confronto, guerra, corrupção e disputa de poder.
Percebe-se que o amor ao dinheiro e aos interesses pessoais vem prevalecendo na política. O amor ao próximo é apenas um pretexto para interesses mesquinhos, apesar das declarações de defesa dos direitos de todos e de cada um.
O amor fraternal (gr. “fileo”) está perdendo adeptos para o individualismo. Também, a banalização da violência pela exagerada exposição na mídia é uma das causas da perda da comoção das pessoas. Nos grandes acidentes, o socorro tem sido relegado e fico impressionado com a população saqueia as mercadorias, mesmo diante das lentes do cinegrafista ávido por notícias sensacionalistas. As grandes tragédias são banalizadas pela rotina como coisa normal, roubando a sensibilidade das pessoas.
Hoje, nem as crianças são poupadas de presenciar barbáries e até participam de protestos violentos contra policiais. Como seres com imaturidade física, cognitiva, moral, psicológicas, as crianças deveriam ser preservadas e protegidas, ao invés de serem expostas a contextos que elas não compreendem. Por isto, vivemos em uma sociedade em que a insubordinação aos pais, professores e autoridades começa desde a tenra infância. Claro, as crianças se espelham no exemplo dos adultos e aprendem pela imitação a questionar a autoridade, a começar pela família.
O AMOR COMO ATRIBUTO RELACIONAL
Vivemos na época do amor sem disciplina em que a razão dá a tônica da liberdade. Assim, percebemos paixões exacerbadas que revelam relações de domínio opressor. O amor doentio, sem limites acontece quando não se reconhece o respeito à liberdade do outro. Já escrevi um artigo explicando que o direito ao respeito compreende:
- o direito do outro ser o que ele é e não o que nós queremos;
- o direito do outro viver a sua própria vida sem impedimentos ou restrições impostas por alguém. Não me refiro àquelas situações em que alguém quer se eximir de suas obrigações legais;
- o direito de sonhar os seus próprios sonhos e não viver em função de cumprir expectativas ou projetos de alguém;
- o direito de querer o que é melhor para si e não estar escravizado por caprichos de alguém.
O amor é realçado nas novelas como um sentimento possessivo alheio à vontade, justificando-se todos os artifícios para realizá-lo. Porém, da mesma forma que o amor é mostrado como uma paixão arrebatadora, estranhamente ele muda de foco e de pessoa. A troca de casais revela atitudes mesquinhas, individualistas cuja tônica é o prazer. Não consigo entender porque o prazer é confundido com felicidade. Será que estávamos vivendo a banalização da felicidade, reduzindo-a a um momento de experiência sensorial, descontextualizando da virtude e das relações humanas fraternas.
O amor como abstração ligeira revela os sentimentos mais mesquinhos e egoístas do ser humano, alheio as frustrações de quem em algum momento se sentiu amado de verdade e, depois, descartado com objeto de uso temporário.
Atualmente, surge a defesa da fidelidade ao sentimento e não à pessoa. Ou seja, o sentimento é supervalorizado como uma experiência sensorial e imaginativa, calcada no prazer eminentemente carnal. Deste modo, a naturalidade do desgaste da experiência com o tempo, após esgotar todas as possibilidades de imaginação, torna-se uma condição racional para muitos. O amor é tratado como um resfriado que se pega no ar e desaparece no decorrer do tempo ou, então, como um experimento das probabilidades de afinidades e, nessa tentativa do acerto x erro, muitos têm dilacerados os seus corações. Mas, alguns erros são capitais, deixam marcas irreparáveis para o resto da vida.
Acredito que as asas da amizade, da cumplicidade e do companheirismo nasceram da lealdade e da confiança. A confiança resulta do reconhecimento das virtudes altruístas em alguém, de viver e praticar a verdade, demonstrada por atitudes. Isto leva certo tempo. Depende do momento que a alma é revelada com sua transparência de virtudes e defeitos. Sim, conhecer os defeitos de alguém nos ajuda a administrar situações e nos previne de decepções. A gente se decepciona quando não conhece alguém e, assim, presume conhecer algo e, depois, constata que a coisa é diferente daquilo que acredita.
O contexto das relações entre pessoas passa pelo autoconhecimento e valorização do papel do outro. O princípio da exclusividade da relação amorosa diferencia o ser humano das demais espécies. Bem certo é que algumas espécies cumprem a fidelidade aos seus parceiros.
No contexto científico, surgem as explicações psicofísicas para o amor, principalmente na filosofia de Arthur Schopenhauer (1788 – 1860) na qual as informações subjetivas são mote para a aproximação de duas pessoas. Nesse caso, o amor seria o meio que o ser humano encontrou para a vaidade e para a necessidade de procriação; isto é, seria a via para que o indivíduo possa perenizar por meios dos seus descendentes.
Segundo Shopenhauer, as escolhas são determinadas pela lógica do aperfeiçoamento da espécie. Assim, explicaria as diferenças nas formações de casais, pois, dessa forma, cada um reflete suas características indesejáveis para se completar com alguém diferente, porém idealmente perfeito, para superar essa condição por meio de seus descendentes perfeitos.
Para tanto, o amor seria o pretexto para homem e a mulher se completar. Contudo, o amor está repleto de riscos e tem o seu preço ou responsabilidade.Logo, ninguém afirma de forma tácita suas pretensões, preferindo os contornos visuais e simbólicos do romance para a aproximação.
Os riscos do amor estão determinados pelas mores, pelos contextos sociais e está presente nas representações mentais de cada um. Sem os riscos, o amor se resumiria em uma experiência sensorial ou mecanismo de procriação e, por outro lado, teríamos um mundo sem regras para proteger os mais fracos, especialmente as crianças. Também, aboliria a instituição família e haveria maior degeneração da sociedade.
Cito o exemplo do filósofo Jacques Rousseau (1712 – 1778) que teve uma vida boêmia e seus filhos não foram reconhecidos por ele. Alguns foram abandonados à própria sorte, outros entregues a casa de caridade e morreram na tenra idade. O reverenciado filósofo quis se eximir da culpa de ser mau pai, repassando-a sociedade. Ele escreveu as obras "Contrato Social" e "Emílio" nas quais diz que “a criança nasce pura, quem a corrompe é a sociedade”. Assim, ele propôs o Estado Ideal para transferir a responsabilidade das pessoas e das famílias; ou melhor, o Estado Cuidador. A partir desse momento, tudo que aconteceria de ruim (a criminalidade, a prostituição, o consumo de drogas) seria culpa do meio, da sociedade e do Estado que não cumpriu o seu papel de cuidador. Pior que essa ideia prevalece nos meios acadêmicos e político-social e tem muita gente que acredita.
CONCLUSÃO
Acredito que o amor é uma semente pequenina, invisível que é plantada nos corações, cuidada em todo tempo e dá frutos no silêncio do anonimato, longe das luzes dos holofotes. Por isto, as pesquisas vêm comprovando que os pobres são as pessoas mais solidárias da face da terra.
REFERÊNCIAS:
Vou apenas recomendar a leitura dos seguintes livros:
BOTTON, Alain de. Desejo de Status. Tradução Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.
______, filosofia: um guia para a felicidade. Documentário TV Escola.
HART, Stuart L. O capitalismo na encruzilhada: as inúmeras oportunidades de negócios na solução de problemas mais difíceis do mundo. Tradução Luciana de Oliveira da Rocha. Porto Alegre: Bookman, 2006.