
Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUCÃO
Há algum tempo assisti a uma palestra do professor Victor Henrique Paro sobre Gestão Democrática e fiquei impressionado como ele esmiuçava o ser humano em suas contradições. Por meio dele, aprendi que a política nasceu como meio de conciliar os diferentes interesses do ser humano.
Por consequência, entendi que o homem como ser histórico, social, político, cultural e religioso traz em si múltiplas identidades que o torna uma espécie única. Não obstante isto, cada pessoa é uma unidade e não há fôrma de igualdade de seres. Também, o homem é produto do meio e traz consigo as diferentes impressões históricas, sociais e ideológicas. Contudo, uma das impressões marcantes é a política.
COMO ENTENDER A POLÍTICA
Para entender política é preciso dissecar o ser humano em seus conceitos essenciais e seus fundamentos. É difícil alcançar o conceito que satisfaça as aspirações da filosofia e da ciência. Por isto, há pelo menos cinco perguntas ainda não respondidas pela Filosofia e a Ciência: quem sou eu; de onde vim; o que eu posso fazer; porque eu existo e para onde eu vou. São essas as perguntas relacionadas à origem, a identidade, as possibilidades, ao propósito e ao destino.
Portanto, o ser humano é complexo por natureza e traz dentro de si contradições diversas. Essas contradições podem ser abstraídas na busca do conceito do que é ser humano.
O conceito de SER ultrapassa a história e os dilemas da própria filosofia. Usualmente, esse conceito assume os seguintes significados: a existência de alguma coisa; a identidade para distinguir algo ou alguém e predicação para exprimir a propriedade de determinado objeto. Logo, SER é algo dotado de existência (verbo) bem como a palavra que o define (substantivo ou predicado).
Alguns pensam que a existência está relacionada à materialização do ser, de forma palpável e visível. Mas, a existência do ser implica na construção de significados e de relações. Por exemplo: não vimos Deus de forma visível, mas cremos na sua existência.
Uma das evidências da existência do ser é a inscrição do nome que confere identidade, distinguindo um ser do outro. Aquilo que não tem nome, mesmo que materializado, não tem identidade em sua existência que o faça ser no mundo.
A identidade evoca qualidades distintas e finalidades. Nada existe por acaso ou por enfeito ou deleite. A natureza das coisas está fundada no propósito e essa predicação (qualidade) que é a questão do ser no mundo.
Nessa distinção percebemos por que a materialidade e a beleza da natureza nos proporcionam uma experiência sensual empírica e nos encanta com seus contornos e cores.
O homem se diferencia dos animais, pois estes vivem segundo a sua programação biológica, guiados pelo instinto, na busca da satisfação de suas necessidades básicas (alimentação e reprodução) em seu habitat. Não têm consciência de si e não podem emitir valores sob si mesmos e outrem.
Um das características marcantes do ser humano é presença do pensamento. O homem não é apenas um ser no mundo com programação biológica: nasce, cresce, reproduz, envelhece e morre. Segundo o cânon sagrado, ele é coroa da criação dada a sua especialidade, tendo em sua formação original: imagem e semelhança do Deus Criador.
Aprendi em meus estudos teológicos que a expressão “imagem e semelhança de Deus” reflete os elementos da racionalidade, da sensibilidade e da vontade, bem como a essência do sobrenatural que lhe confere a sede de eternidade que só pode ser outorgada pelo próprio Deus Criador. Assim, o conceito de ser humano vai além dos significados de existência, identidade e predicação. O homem se distingue dos demais seres porque foi adornado do material e do imaterial e pode expressar conceitos e juízo de valor sobre si mesmo, sobre pessoas e coisas.
A maior fonte de inquietação do homem é a brevidade da vida, além de viver mergulhado em seus conflitos interiores. Por isto, a existência não tem o conceito de apenas viver ou sobreviver. O homem quer viver bem e com qualidade. De outro modo, as necessidades básicas do ser humano seriam suficientes: alimentação, vestuário e habitação. Para ele, não basta apenas viver; o importante é ter satisfação, felicidade e paz.
Observe que o homem não se satisfaz com benesses materiais, mas quer atributos relacionados à faculdade do espírito: paz, alegria, amor, eternidade. Isto faz dele um ser religioso em sua essência. Logo todos têm a sua profissão de fé e creem na existência do divino e no mundo espiritual, eterno e perfeito. Nessa perspectiva se ilude que pensa que os ateus não têm profissão de fé: alguns eles são obsecados em negar toda a forma de theos que leem com o fervor a bíblia no intuito de querer reforçar suas convicções. Às vezes, penso se essa oposição não seja evidência de uma crença interior negada no exterior.
Em seu dilema existencial, o homem percebe que não está sozinho no mundo. Está em comunidade de seres semelhantes com as mesmas necessidades e concepções. Nessa convivência surge a manifestação das individualidades, pois cada pessoa tem o seu caráter e personalidade.
Usualmente, caráter é entendido como índole e firmeza de vontade. Cada pessoa tem os seus traços que evidenciam sua forma de ser, sua natureza e temperamento. O caráter é inerente do próprio espírito da pessoa, os moldes de educação, adaptação às diferentes condições e fases da vida. Logo, torna-se fundamental a instrução, visto que o caráter começa a ser formado desde a tenra infância.
Por outro lado, a personalidade pode ser entendida como o conjunto de características psicológicas que determinam os padrões de pensar, sentir e agir, ou seja, a individualidade pessoal e social de alguém. Ou seja, é um conjunto de características marcantes de uma pessoa.
Com essas evidências é possível entender como o homem é um ser moral, repleto de caracteristicas psicológicas, presentes em sua composição e identidade. Agora imagine várias pessoas com suas identidades, vontades, percepção e visão de mundo.
Observe que a personalidade engloba virtudes e defeitos de alguém. Segundo o Dr. Myles Munroe, Deus ao criar a humanidade e realçou as diferenças, a individualidade e as habilidades de cada um e pensou o seu conjunto com se fosse uma orquestra a ser regida por Ele. Também, teria pensado uma relação recíproca de atendimento de cada um segundo as suas necessidades ao instituir a família. Seria a família a base da construção do relacionamento pessoal, interpessoal, social e modelo a ser aplicado em toda a sociedade. A fraternidade sanguínea e consanguínea da família seria a lógica da percepção de cada pessoa como participante da mesma origem e essência. Esse princípio perdurou muito tempo, principalmente na época das tribos e na gênese de muitas nações.
Agora percebo que um dos propósitos do livro de Gênesis: é mostrar que todos os seres humanos tem o mesmo fundamento de existência, origem e habitat. Também, percebo que desde os primórdios foram estabelecidas regras de convivência para frear o individualismo humano e sua praga maior: a ideia de supremacia sobre os demais. Claro, não há alguém melhor do que outro: somos apenas diferentes. Existem pessoas diferentes com habilidades, virtudes e defeitos. Além disto, em cada um de nós, há uma sensação de incompletude e buscamos pessoas que nos inspiram e nos ajudem a superar as contradições.
Alguém disse que temos origem gregária. Ou seja, não conseguimos viver sozinhos e precisamos de alguém para se relacionar. A primeira porta dos relacionamentos é a família, depois vêm os amigos e as pessoas que entram na vida pela conveniência ou pela necessidade. Claro, não somos autossuficientes. Somos dependentes um dos outros e, partir disto, formamos a rede da solidariedade orgânica. Então, aprendemos que somos pessoas com capacidade de raciocínio de saber escolher entre o bem e o mal, ser amigo, respeitar os outros e trabalhar em grupo. Também experimentamos na relação com o outro, sentimentos de tristeza, raiva, angústia, paixão, alegria, felicidade, amor, etc.
TODOS NÓS SOMOS POLÍTICOS
Olhamos, agora, e nos vimos em grupo, relacionando com várias pessoas em casa, na igreja, na escola, no trabalho, em um Município, Estado e País. Não somos apenas pessoas; somos cidadãos, temos responsabilidade solidária: direitos e deveres em relação ao nosso Estado municipal, estadual e nacional. Portanto, estamos todos envolvidos na política e dela usufruímos dos benefícios e consequências.
Alguém dirá: não tenho nada a ver com a política e não gosto de me envolver com ela. Para esses, cito o texto do dramaturgo Eugen Berthold Friedrich Brecht (1898 – 1956): o analfabeto político.
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio depende das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais”.
Logo, a política é inerente ao homem como ser social, cercado de regras de convivência e amparo em visão de mundo, refletida no exemplo do passado, construída no presente que idealiza um futuro com superação dos males hodiernos. A política está presente no condomínio, na associação de moradores, na igreja, no futebol e em todos os centros decisórios e de poder.
Política deriva da palavra grega “polis” que significa literalmente “cidade”. A cidade, para os gregos, seria um local de conforto, segurança e felicidade; a política seria o meio para alcançar esses objetivos e o político, o gerente desse local, credenciado pelos cidadãos. Para tanto, pensaram a política como vocação e não como profissão. Vocação fala do espírito voluntário, do prazer, da entrega, da abnegação a um serviço como se fosse um sacerdócio a ser cumprido em benefício do próximo. Infelizmente, não é isto que vimos atualmente: há vários políticos profissionais cercados de marqueteiros e gastando milhões de dinheiro em campanha política. Depois, descobre-se a conta da gastança nas denúncias de corrupção deles com empresários inescrupulosos.
Os gregos foram os primeiros a cunhar na política a palavra "democracia", onde os cidadãos participavam das deliberações da cidade-estado. A partir disto, foram-se evoluindo as concepções sobre a participação popular nos centros decisórios de poder que antes eram restritos à aristocracia e à monarquia.
As ideias advindas do liberalismo definiram a separação entre os poderes executivo, legislativo e judiciário. Também, os princípios modernos da alternância de poder e de participação população são oriundos do liberalismo. Essas ideias se opõem ao absolutismo, aristocracia e outras formas de governo caracterizadas pelo poder nas mãos de poucos e por tempo indeterminado; onde predomina as relações de superveniência e privilégio a alguns. Lamentalmente, alguns ainda querem se perpetuar no poder como se fosse sua propriedade de usufruto e direito.
Contudo, o ato político não se restringe ao voto em candidatos em eleições locais e gerais, como se fosse uma assinatura de um cheque em branco em candidatos para ocupar posições nos poderes legislativo e executivo. O ato político está presente em todas as ações inerentes ao cidadão e reflete a ideologia de como se pensa a sociedade e a convivência em diferentes locais e instâncias.
Não existe alguém que não tenha a sua ideologia mesmo que venha alegar neutralidade em quaisquer situações. Todos nós temos as nossas opções políticas e emitimos julgamentos de valor sobre diferentes aspectos. Aliás, a pressuposta neutralidade é também uma opção política bem como a decisão de alguns não querer saber de política.
CONCLUSÃO
A participação política pode começar em uma discussão em um grupo pequeno, mas solidário. Depois, pode evoluir para uma instância mais organizada que defenda interesses comuns como as associações de moradores, avançando para os fóruns, conferências e audiências públicas. Não é necessário ter um cargo eletivo para fazer política. Todos nós somos políticos por vontade própria ou por opção.
REFERÊNCIAS
Recomendo as seguintes leituras complementares
PARO, Vitor Henrique. Administração escolar introdução crítica. São Paulo, Cortez Editora, 1987.