
Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUCÃO
A
Catedral de Notre-Dame de Paris completou 850 anos de existência em 15 de
dezembro de 2012. Trata-se de uma construção medieval de arquitetura gótica,
inaugurada no ano de 1345, localizada às margens do Rio Sena, conhecida na
ficção e pela sua resistência nos eventos mais sombrios da história da
Humanidade como a Revolução Francesa e a 1ª e 2ª Guerra Mundial. Também, fico
pensando quantas pessoas que por ali passaram: administradores, subordinados e
visitantes. Enfim, a gama de relações humanas que se estabeleceu ao longo dos
anos. Muitas pessoas se foram, mas a Catedral se manteve de pé, devido a estrutura, organização e maturidade firmadas pelo aprendizado das adversidades.
A PERENIDADE DAS INSTITUIÇÕES
Percebo
que há outras instituições centenárias e até milenares que também atravessaram os períodos
mais sombrios da história. Isso me leva a entender que podemos apegar
afetivamente a uma organização, mas ela é anterior a nós e a sua perenidade é
atestada por aquilo que ela construiu desde a sua história. Não a nada que
podemos fazer além do que foi estabelecido. Podemos mudar rituais, mas não a
sua estrutura. Logo, estamos de passagem e ocupamos o lugar na história e
participamos de organizações humanas por causa do universo cultural em que
estamos envolvidos. Contudo, ninguém é obrigado a permanecer em uma organização à parte do seu sistema de crenças e motivações pessoais. Do contrário perde-se
o significado que move a paixão de participar do empreendimento.
Cada
instituição é norteada por uma filosofia que determina a sua organização e
vivência. A filosofia é construída por pessoas e vai se aperfeiçoando ao longo
do tempo. Contudo, sua estrutura lógica mantém-se inalterada, pois, de outro
modo, a descaracterização dos objetivos e finalidades iniciais seria uma séria
ameaça a sua sobrevivência. Por exemplo, a catedral é um lugar litúrgico e
orienta-se por princípios sacros e, mesmo com o advento do modernismo, sua
estrutura doutrinária é maior do que as motivações humanas, incutindo a
obediência à fé apregoada. Logo, a ideologia presente nas organizações é mais
poderosa do que qualquer arma, razão porque as guerras não conseguiram destruir
as grandes catedrais.
Agora
sabemos que as instituições têm existência indeterminada, mas não são eternas. Elas
trazem em si marcas da história que nos induzem a pensar como sobrepõem à vida
temporal dos seres humanos. É fato que as organizações foram criadas pelos
homens para estabelecer o vínculo na busca de um objetivo comum. Surgiram de
uma necessidade humana de agregação e de benefícios recíprocos. Mas, elas foram
ganhando a impessoalidade e força coercitiva, determinando valores e moldando a
cultura pelo sistema de crenças que estabelece. Aliás, não há alguém que
consiga viver a parte de um sistema crenças, pois essa é a ideologia que
vai determinar o seu estilo de vida e o seu destino.
As
instituições foram criadas pelo homem à medida que as sociedades foram se
desenvolvendo e se tornando complexas. São demandas das relações humanas,
escopo de regras e padrões sociais baseadas em crenças, ideologias ou
experiência de um ou vários grupos sociais. Dentre as instituições podemos
citar a família, o serviço público, a igreja, a escola e os partidos políticos.
O
que marca uma instituição é a forma como ela consegue estabelecer as sínteses
entre as contradições existentes entre indivíduos e grupos sociais. Esse
sistema de relações é recorrente. A forma como é administrada e são
compartilhadas certas características é que vai determinar a sua durabilidade.
Claro, as pessoas são diferentes, movidas pelo pensar e ambições.
Logo, torna-se necessário estabelecer nessa rede de interações: direitos e
obrigações a serem respeitados a fim de garantir a boa ordem e disciplina. Aliás,
não existem instituições sem regras ou princípios que regem a sua existência.
Assim, o ingresso e a permanência de alguém nela vão depender dos princípios
que a pessoa se identificou e prometeu seguir.
É
evidente que a sociedade é composta de pessoas e de grupos sociais, sendo a
família a instituição mais antiga. Tornou-se senso comum que a família é a
célula máter da sociedade. Assim, a sociedade é o reflexo de todas as
contradições existentes na família e nos demais grupos sociais. Claro, a
sociedade é o agregado de famílias e de outros grupos sociais e toda educação e
mores dependem das informações que recebemos. Daí a importância da valorização
da família, porque todos os desajustes são desaguados na sociedade, tais como:
vícios, crimes e ilicitudes. Portanto, a família é o reflexo das virtudes e
defeitos de cada um, resultante do aprendizado da convivência entre o ambiente
cultural que nos cerca.
Gosto
de falar da família, pois é o berço de toda a humanidade. O texto canônico
declara enfaticamente a importância do casamento para a constituição da
família. Inclusive evidencia que a árvore genealógica de todos passa pelo
primeiro casal. Para quem acredita na verdade absoluta não há razão para ficar
refém dos pressupostos da ciência sobre a origem do universo que é remoto e sua
história fleta com a eternidade. Da eternidade temos um imenso silêncio e
escuridão tanto para a investigação e a compreensão dos fatos.
Assim,
falar da família como primeira instituição traz uma clareza cultural da sua
importância em todos os lugares e momentos históricos. Por ela foi-se
constituindo o patriarcado, as tribos e a formação dos povos. As nações que
marcam o berço da histórica surgem de grupos étnicos bem definidos e algumas
delas sobreviveram ao risco da extinção, devido à cultura que não deixaram
desaparecer mesmo estando espalhados ou exilados em outros países. Logo, a
cultura é o patrimônio imaterial de um povo a ser valorizado como instrumento
de integração nacional, tal como fizeram os judeus até se estabelecerem como
Estado nacional e, também, os curdos e outros povos que ainda não tem pátria.
Contudo,
há de se lamentar que os ventos da pós-modernidade tenha trazido novas
percepções e ideais de família, entrando em confronto com os valores
estabelecidos anteriormente. Temos uma sociedade desajustada, repleta de
problemas de exclusão e desajustes de toda ordem, bem como conflitos de limites
e de autoridade, emergindo no seio da família. Daí, vimos ausência de referências
morais sólidas por parte da infância e da juventude transviada, mergulhada nas
drogas e outras ilicitudes.
Anteriormente
tínhamos a escola como a segunda família e a continuidade dos valores
iniciados na família. Mas, agora, a escola reflete de forma muito evidente as
contradições da nossa sociedade. Nela desagua todos os conflitos familiares,
expectativas e desilusões. A escola deixou de ser a universidade do sonho, da
brincadeira e da amizade para se tornar uma agência de serviços de educação. Deixou
de lado a relação interpessoal do afeto para priorizar a perspectiva dos
direitos e dos deveres. Com isso, os pais e os alunos deixaram de lado o
aprendizado e passaram a valorizar a nota, a cobrar capacidade para passar nas
universidades. Ou seja, prevaleceu a lógica da competição. Como prestadora de
serviços, a escola passou a ser a mediadora de conflitos de educandos irascíveis.
Por consequência a indisciplina converteu-se em ato infracional quando a
delinquência adentrou em seus espaços. Lamentalmente, temos como principais vítimas
da violência: o professor e o aluno.
Também,
vivemos uma época de crises nas instituições, a começar pela família. O
ambiente é de insatisfação geral. Reclamamos do governo, da escola, da igreja,
do clube... Todos estão errados e não atendem conforme as nossas expectativas. Às
vezes acreditamos que as instituições mudarão quando mudarmos as pessoas e
desconsideramos como fator preponderante a questão cultural. É possível mudar
pessoas no comando e não mudar a cultura da corrupção, da ineficiência e do
autoritarismo. O cenário já tem suas peças e o enredo já pronto e a resistência
em alterar os moldes gera conflito institucional. É quase impossível realizar
mudança sem conflitos, sem a reação do exército dos insatisfeitos e inclusive
com a ameaça da desordem e a sobrevivência da organização. Não se faz mudança
sem considerar os círculos de influência e de poder, daqueles que mandam e
exercem fascínio sobre o seu grupo social. A eminência de rebelião ou oposição
sempre existirá em um processo de mudança na perspectiva cultural. A mudança é
necessária para a sobrevivência da instituição para que ela possa oxigenar suas
estruturas e se fortalecer nos momentos de crises.
Creio
que nenhuma organização humana se mantém por muito tempo sem o aprendizado dos
reveses. As constantes adversidades produzem certo desequilíbrio emocional das
pessoas dirigentes e a ameaça de cessar tudo o que foi construído até então. Suscita
o desafio do ajuste interno e a reengenharia da organização para que a
instituição continue sobrevivendo. Então surge a virtude da persistência como o
elemento mais eficiente para produzir experiência, a solução dos conflitos e a
certeza que os obstáculos serão removidos. Ou seja, a vivência das
adversidades é o motivo da sobrevivência histórica de muitas instituições.
CONCLUSÃO
Como
foi dito, as instituições podem ter o momento de crise como uma oportunidade
para se fortalecerem. Há o risco de se enfraquecerem e desaparecem se
mergulharem na crise a procura de culpados e não se ocuparem com a causa e
solução dos problemas. Procurar culpados pode ser uma forma de encobrir
incompetência e transferência de responsabilidade aos outros. A instituição se
fortalece quando a crise proporciona firmar compromisso de grupo, distribuir
competência e sacrifícios pelo bem comum. Aliás, não há instituição que não
viva sem o momento de crises, pois a realidade é dinâmica e o sistema
capitalista está constantemente envolvido em crises que afeta todo o mundo.
Agora
entendo que não devo ser demasiadamente otimista e pessimista em relação ao
futuro. Sou apenas um entusiasta na medida do possível, crendo que decisões são
marcadas por pessoas com poder temporal, que estão de passagem como eu. Não são
eternas, são movidas pela vontade de fazer história na história que foi iniciada
e produzida por outros. Por reflito como William Shakespeare: “O mundo inteiro é um palco. E todos os homens
e mulheres não passam de meros atores.
Eles entram e saem de cena E cada um no seu tempo representa diversos papéis”.
REFERÊNCIAS
Recomendo
a leitura do livro
BOTTON,
Alain. Arquitetura da Felicidade.
Tradução de Talita M. Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
CHALITA,
Gabriel. Educação: A solução está no
afeto. Rio de Janeiro: Editora da Gente, 2001.