domingo, 27 de janeiro de 2013

AS INSTITUIÇÕES SÃO DURADOURAS

Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUCÃO
A Catedral de Notre-Dame de Paris completou 850 anos de existência em 15 de dezembro de 2012. Trata-se de uma construção medieval de arquitetura gótica, inaugurada no ano de 1345, localizada às margens do Rio Sena, conhecida na ficção e pela sua resistência nos eventos mais sombrios da história da Humanidade como a Revolução Francesa e a 1ª e 2ª Guerra Mundial. Também, fico pensando quantas pessoas que por ali passaram: administradores, subordinados e visitantes. Enfim, a gama de relações humanas que se estabeleceu ao longo dos anos. Muitas pessoas se foram, mas a Catedral se manteve de pé, devido a estrutura, organização e maturidade firmadas pelo aprendizado das adversidades.
A PERENIDADE DAS INSTITUIÇÕES
Percebo que há outras instituições centenárias e até milenares que também atravessaram os períodos mais sombrios da história. Isso me leva a entender que podemos apegar afetivamente a uma organização, mas ela é anterior a nós e a sua perenidade é atestada por aquilo que ela construiu desde a sua história. Não a nada que podemos fazer além do que foi estabelecido. Podemos mudar rituais, mas não a sua estrutura. Logo, estamos de passagem e ocupamos o lugar na história e participamos de organizações humanas por causa do universo cultural em que estamos envolvidos. Contudo, ninguém é obrigado a permanecer em uma organização à parte do seu sistema de crenças e motivações pessoais. Do contrário perde-se o significado que move a paixão de participar do empreendimento.
Cada instituição é norteada por uma filosofia que determina a sua organização e vivência. A filosofia é construída por pessoas e vai se aperfeiçoando ao longo do tempo. Contudo, sua estrutura lógica mantém-se inalterada, pois, de outro modo, a descaracterização dos objetivos e finalidades iniciais seria uma séria ameaça a sua sobrevivência. Por exemplo, a catedral é um lugar litúrgico e orienta-se por princípios sacros e, mesmo com o advento do modernismo, sua estrutura doutrinária é maior do que as motivações humanas, incutindo a obediência à fé apregoada. Logo, a ideologia presente nas organizações é mais poderosa do que qualquer arma, razão porque as guerras não conseguiram destruir as grandes catedrais.
Agora sabemos que as instituições têm existência indeterminada, mas não são eternas. Elas trazem em si marcas da história que nos induzem a pensar como sobrepõem à vida temporal dos seres humanos. É fato que as organizações foram criadas pelos homens para estabelecer o vínculo na busca de um objetivo comum. Surgiram de uma necessidade humana de agregação e de benefícios recíprocos. Mas, elas foram ganhando a impessoalidade e força coercitiva, determinando valores e moldando a cultura pelo sistema de crenças que estabelece. Aliás, não há alguém que consiga viver a parte de um sistema crenças, pois essa é a ideologia que vai determinar o seu estilo de vida e o seu destino.
As instituições foram criadas pelo homem à medida que as sociedades foram se desenvolvendo e se tornando complexas. São demandas das relações humanas, escopo de regras e padrões sociais baseadas em crenças, ideologias ou experiência de um ou vários grupos sociais. Dentre as instituições podemos citar a família, o serviço público, a igreja, a escola e os partidos políticos.
O que marca uma instituição é a forma como ela consegue estabelecer as sínteses entre as contradições existentes entre indivíduos e grupos sociais. Esse sistema de relações é recorrente. A forma como é administrada e são compartilhadas certas características é que vai determinar a sua durabilidade. Claro, as pessoas são diferentes, movidas pelo pensar e ambições. Logo, torna-se necessário estabelecer nessa rede de interações: direitos e obrigações a serem respeitados a fim de garantir a boa ordem e disciplina. Aliás, não existem instituições sem regras ou princípios que regem a sua existência. Assim, o ingresso e a permanência de alguém nela vão depender dos princípios que a pessoa se identificou e prometeu seguir.
É evidente que a sociedade é composta de pessoas e de grupos sociais, sendo a família a instituição mais antiga. Tornou-se senso comum que a família é a célula máter da sociedade. Assim, a sociedade é o reflexo de todas as contradições existentes na família e nos demais grupos sociais. Claro, a sociedade é o agregado de famílias e de outros grupos sociais e toda educação e mores dependem das informações que recebemos. Daí a importância da valorização da família, porque todos os desajustes são desaguados na sociedade, tais como: vícios, crimes e ilicitudes. Portanto, a família é o reflexo das virtudes e defeitos de cada um, resultante do aprendizado da convivência entre o ambiente cultural que nos cerca.
Gosto de falar da família, pois é o berço de toda a humanidade. O texto canônico declara enfaticamente a importância do casamento para a constituição da família. Inclusive evidencia que a árvore genealógica de todos passa pelo primeiro casal. Para quem acredita na verdade absoluta não há razão para ficar refém dos pressupostos da ciência sobre a origem do universo que é remoto e sua história fleta com a eternidade. Da eternidade temos um imenso silêncio e escuridão tanto para a investigação e a compreensão dos fatos.
Assim, falar da família como primeira instituição traz uma clareza cultural da sua importância em todos os lugares e momentos históricos. Por ela foi-se constituindo o patriarcado, as tribos e a formação dos povos. As nações que marcam o berço da histórica surgem de grupos étnicos bem definidos e algumas delas sobreviveram ao risco da extinção, devido à cultura que não deixaram desaparecer mesmo estando espalhados ou exilados em outros países. Logo, a cultura é o patrimônio imaterial de um povo a ser valorizado como instrumento de integração nacional, tal como fizeram os judeus até se estabelecerem como Estado nacional e, também, os curdos e outros povos que ainda não tem pátria.
Contudo, há de se lamentar que os ventos da pós-modernidade tenha trazido novas percepções e ideais de família, entrando em confronto com os valores estabelecidos anteriormente. Temos uma sociedade desajustada, repleta de problemas de exclusão e desajustes de toda ordem, bem como conflitos de limites e de autoridade, emergindo no seio da família. Daí, vimos ausência de referências morais sólidas por parte da infância e da juventude transviada, mergulhada nas drogas e outras ilicitudes.
Anteriormente tínhamos a escola como a segunda família e a continuidade dos valores iniciados na família. Mas, agora, a escola reflete de forma muito evidente as contradições da nossa sociedade. Nela desagua todos os conflitos familiares, expectativas e desilusões. A escola deixou de ser a universidade do sonho, da brincadeira e da amizade para se tornar uma agência de serviços de educação. Deixou de lado a relação interpessoal do afeto para priorizar a perspectiva dos direitos e dos deveres. Com isso, os pais e os alunos deixaram de lado o aprendizado e passaram a valorizar a nota, a cobrar capacidade para passar nas universidades. Ou seja, prevaleceu a lógica da competição. Como prestadora de serviços, a escola passou a ser a mediadora de conflitos de educandos irascíveis. Por consequência a indisciplina converteu-se em ato infracional quando a delinquência adentrou em seus espaços. Lamentalmente, temos como principais vítimas da violência: o professor e o aluno.
Também, vivemos uma época de crises nas instituições, a começar pela família. O ambiente é de insatisfação geral. Reclamamos do governo, da escola, da igreja, do clube... Todos estão errados e não atendem conforme as nossas expectativas. Às vezes acreditamos que as instituições mudarão quando mudarmos as pessoas e desconsideramos como fator preponderante a questão cultural. É possível mudar pessoas no comando e não mudar a cultura da corrupção, da ineficiência e do autoritarismo. O cenário já tem suas peças e o enredo já pronto e a resistência em alterar os moldes gera conflito institucional. É quase impossível realizar mudança sem conflitos, sem a reação do exército dos insatisfeitos e inclusive com a ameaça da desordem e a sobrevivência da organização. Não se faz mudança sem considerar os círculos de influência e de poder, daqueles que mandam e exercem fascínio sobre o seu grupo social. A eminência de rebelião ou oposição sempre existirá em um processo de mudança na perspectiva cultural. A mudança é necessária para a sobrevivência da instituição para que ela possa oxigenar suas estruturas e se fortalecer nos momentos de crises.  
Creio que nenhuma organização humana se mantém por muito tempo sem o aprendizado dos reveses. As constantes adversidades produzem certo desequilíbrio emocional das pessoas dirigentes e a ameaça de cessar tudo o que foi construído até então. Suscita o desafio do ajuste interno e a reengenharia da organização para que a instituição continue sobrevivendo. Então surge a virtude da persistência como o elemento mais eficiente para produzir experiência, a solução dos conflitos e a certeza que os obstáculos serão removidos. Ou seja, a vivência das adversidades é o motivo da sobrevivência histórica de muitas instituições.
CONCLUSÃO
Como foi dito, as instituições podem ter o momento de crise como uma oportunidade para se fortalecerem. Há o risco de se enfraquecerem e desaparecem se mergulharem na crise a procura de culpados e não se ocuparem com a causa e solução dos problemas. Procurar culpados pode ser uma forma de encobrir incompetência e transferência de responsabilidade aos outros. A instituição se fortalece quando a crise proporciona firmar compromisso de grupo, distribuir competência e sacrifícios pelo bem comum. Aliás, não há instituição que não viva sem o momento de crises, pois a realidade é dinâmica e o sistema capitalista está constantemente envolvido em crises que afeta todo o mundo.
Agora entendo que não devo ser demasiadamente otimista e pessimista em relação ao futuro. Sou apenas um entusiasta na medida do possível, crendo que decisões são marcadas por pessoas com poder temporal, que estão de passagem como eu. Não são eternas, são movidas pela vontade de fazer história na história que foi iniciada e produzida por outros. Por reflito como William Shakespeare: O mundo inteiro é um palco. E todos os homens e mulheres não passam de meros atores. Eles entram e saem de cena E cada um no seu tempo representa diversos papéis.
REFERÊNCIAS
Recomendo a leitura do livro
BOTTON, Alain. Arquitetura da Felicidade. Tradução de Talita M. Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
CHALITA, Gabriel. Educação: A solução está no afeto. Rio de Janeiro: Editora da Gente, 2001.