segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

MEU SILÊNCIO

Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUÇÃO
Passado algum tempo, retomo a recreação de escrever as simples expectações do meu pensamento, na beleza da nossa estimada língua portuguesa. Há tempos, estive refugiado no trabalho, nas tentativas incessantes de buscar respostas para a ansiedade que invadem o coração. Bem sabia que a ansiedade era amiga inseparável do medo do universo incerto do futuro que nos avizinha. Nesse caso, somos presas fáceis da nossa insegurança e ficamos a mercê das imaginações dos pensamentos que buscam antecipar sucessos e fracassos.

MINHAS VIVÊNCIAS

É verdade que, nós seres humanos, gostamos de estar sempre no controle de tudo e até do resultado das nossas ações. Gostamos de antever o futuro e essa é a razão da nossa insegurança. Mas, depois, parece que a ansiedade vai diminuindo à medida que somos envolvidos na atmosfera da ação. Percebemos que os erros e acertos são inevitáveis e que a nossa sorte está lançada. Não podemos retroceder. Ainda bem que temos a confiança de que nos cerca uma força extra que impulsiona a lutar contra as adversidades. Daí, nós tiramos a motivação para buscar as alternativas em todas as tentativas mal sucedidas e não fazer da frustração a nossa perene morada.

Nesse momento, percebemos que não estamos sozinhos, que existem pessoas certas no nosso caminho por mais que pareça incerta a nossa caminhada. Logo, não poderemos reivindicar a exclusividade nos louros das vitórias, pois o nosso trabalho é solidário. E como disse um ilustre professor: “Ninguém é feliz sozinho!” Temos sempre alguém no nosso caminho, no nosso caminhar. E é nessa certeza que revigoro as esperanças, sabendo de antemão que as dificuldades nos exercitam a paciência e nos protegem do pântano alagadiço do desespero. Tal esperança enobrece o desafio quando percebemos que somos capazes de superá-lo com inteligência, abraçando todas as oportunidades que encontrarmos no caminho.

Aprendi a não ser demasiadamente otimista e fiz do pressuposto do filósofo estoico Lucius Aneus Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.) uma porta de segurança para as possíveis frustrações. Porém, estou precavido contra o exacerbado pessimismo que fecha os olhos da alma e impedem enxergar todas as possibilidades inauguradas no universo da esperança.
Assim, quero despoluir meu coração da dúvida, pois à tarde e pela manhã terei de adentrar no labor diário da convivência humana. Então, percebo que o desafio é resultado dos temores dessa convivência, dos enfrentamentos das contradições de cada indivíduo. Nesse jogo de egos dependemos de um diálogo cognoscente para a saúde vital do nosso entendimento. Da compreensão do outro, passamos a amar as motivações de parceria e do senso de prestação de serviço ao próximo. Logo, não estamos para sermos servidos, mas para inclinarmos a necessidade do outro com as pérolas divinas da sabedoria. O caráter da assistência é recíproco. Pelo menos deveria ser. Mas, o vírus do egocentrismo tem contaminado a alma até dos infantes e o duelo de palavras é próprio de quem quer ter razão até para as atitudes mais mesquinhas.

Vejo que até os lábios mais puros não escapam do escárnio das contradições da vida. Não temos como zombar das nossas fraquezas e defeitos! Bem, quem não gosta de encobri-los? É mais fácil fiscalizar as fraquezas dos outros e sobre elas tecer teses e fazer mídia, tudo isso para produzir um sarcasmo ou uma recreação gratuita. Nesse fetiche materialista é fácil transformar pessoas em coisas, em brinquedos, provocá-las, dar nomes e sobrenomes a partir do rótulo da perfeição imposta socialmente por uma minoria pensante e influente.

Tenho visto debaixo do sol, que a ansiedade tem relação para resposta de aceitação por um grupo social. O medo de fracassar nos rodeia como feras esfomeadas prontas para roubar a nossa estima e reputação. Por vezes, esquecemos que a virtude nos ajudou a lograr êxitos incalculáveis na história de vida. Aquilo que julgamos ser obra do acaso, da sorte, foram resultados da condescendência divina na nossa história. Cremos, então, na intervenção do Criador e em uma vida estruturada a partir de um propósito. Então as pedras não foram lançadas a esmo, mas colocadas caprichosamente no nosso caminho para entendermos a direção e administrarmos com paciência a carreira que nos está proposta.

Também, é possível enxergar positivamente o medo, desnudo da irracionalidade. É possível entendê-lo como o receio do erro e com os ingredientes ricos da respeitabilidade humana. Aprendi que sem o medo das consequências ninguém entenderá os limites da liberdade. Claro, a liberdade tem sabor quando se tem consciência que o direito do outro é o limite da minha liberdade. A ausência do medo faz fronteira com a arrogância, o desejo de status e o esnobismo. A soberba cavalga na autoconfiança dos estúpidos que se julgam mais importantes que a própria sombra. Por isso, a humilhação do próximo é a atividade recreativa de quem se julga superior, que desafia a ordem e procura alguém para parar a sua arte patética, colocando em sua frente o medo que tanto procura. É loucura fugir das consequências dos seus atos, razão por que há pessoas que só cumprem regras quando se sentem vigiadas ou quando ameaçadas de punição do mal feito. Pena que a cultura da obediência sob a vigilância está institucionalizada nos decretos do coração das pessoas insolentes e atinge até a incompletude da alma infantil.

MINHAS PERCEPÇÕES

Outra percepção imediata debaixo do sol é que quando estamos junto com a multidão, ficamos desesperados para sermos ouvidos e carentes da atenção, sob pena de sermos ignorados, embora haja pessoas que não se incomodam em ser anônimas em um grupo, mesmo que seja pequeno. Claro, o sujeito repleto de virtudes está condicionado ao anonimato a não ser que exerçam certa influência em seu grupo. Por outro lado, na maioria das vezes, a punição dá fama aquele que descumpre regras e está em confronto com a lei. As boas ações não são louváveis, mas espetacularização do crime tem a mais abominável mídia que encanta até o olhar dos inocentes. Então, como não reconhecer que o ser humano quer atenção? O mundo está carente da candura das palavras e do conforto do abraço. Tenho visto muita gritaria e cada um querendo passar na frente do outro na disputa da atenção. É a disputa de quem quer falar primeiro, de que tem razão, que precisa mais, de quem manda ou quer ter prioridade. É difícil perceber quem está disposto a ceder a vez ou abandonar seus impulsos mesquinhos em prol da necessidade do próximo. Parece que a nossa necessidade é mais importante do que a necessidade do outro e entramos no campeonato imaginário do nosso ego.

Aprendi que devemos ter cuidado com o uso recreativo das nossas palavras por mais inocente que seja a nossa imaginação. Agora estou mais crédulo de que toda brincadeira tem um lado sério; que nem sempre dizemos o que pensamos. Então, lembro-me do filme “O carteiro e o poeta” no qual o ator que representa o poeta Pablo Neruda afirma que “as palavras não passam de metáforas”. Ou seja, os sentimentos são tão profundos que os gestos são insuficientes para traduzi-los; precisamos, então, das palavras que também não comportam tamanha grandeza. Aí, que mora o perigo. As palavras passam a ter um sentido particular para cada pessoa e o raciocínio traditivo (entendimento pessoal, particular) faz que um elogio seja entendido como uma ofensa e uma brincadeira torna-se uma provocação. Por consequência, os maus entendidos são males que destroem até as mais sólidas amizades, pois suas desculpas não curam as feridas da alma do ofendido. As palavras são insuficientes para conquistar a cidadela forte da amargura de coração. Quem sabe o tempo traga consigo a reflexão sobre a virtude, o entendimento das contradições da vida e vento da restauração da amizade perdida?

Gosto então de contemplar a beleza do perdão, de exaltar o poder da comunicação entre pessoas. Por isso, quero estar em todos os momentos de celebração da amizade e de ser participante de todos os eventos que unem pessoas. Gosto da alegria das brincadeiras desses momentos que nos levam a retrospectiva da gloriosa infância.
Entendo que o medo de ser sincero está ligado ao receio de melindrar pessoas e de não se portar com a elegância das palavras. Alguém teme que a sinceridade seja uma lâmina que fere o orgulho das pessoas, que coloca em xeque todas as certezas e tira a venda da realidade que não queria enxergar. Por outro lado, há pessoas que no salto alto da arrogância se julgam no direito de dizer o que bem entender, usando palavras como arma, sob o pretexto da verdade e da sinceridade.  

Gosto muito do conselho de Rubem Alves de que as nossas palavras não passam de palpites e de que, dessa forma, é possível conversar amigavelmente sobre todos os assuntos e até sobre aquilo que nos incomoda sem a perspectiva do confronto.
Sinto-me feliz diante de pessoas de coração aberto para celebrar a amizade como o néctar dos deuses. São essas pessoas que florescem o diálogo na floresta de possibilidades da elevação da dignidade do ser humano. Quando o diálogo flui com humildade, torna-se possível conhecer o outro, valorizar suas virtudes e compreender suas fraquezas. Assim, o julgamento cínico dá lugar a parceria beneficente que faz pessoas trocar o individualismo pelo espírito de grupo. Portanto, não há protagonistas. Todos são importantes como uma orquestra em que cada músico com o seu instrumento diferente produz coletivamente uma uniformidade sonora. Logo, a minha diferença se encaixa na diversidade do grupo para produção da eficiência do resultado. Acredito que as diferenças não são motivos de confrontos, mas de oportunidade de diálogo e de parceria.

Agora caminho na reflexão de Fernando Pessoa (1888 – 1935) de “que tudo vale a pena se a alma não for pequena”. Portanto, a ansiedade produziu motivações para superar os obstáculos. Fiz da ansiedade um senso de responsabilidade e de respeito às pessoas. Pude perceber que a competência será cobrada em todas as atividades de prestação de serviço. As pessoas não gostam de ser cobradas nem criticadas e esses fantasmas atormentam antes de começar qualquer empreendimento.  
CONCLUSÃO
Chega-se ao fim do ano e conclui-se que o labor proporcionou crescimento relacional e espiritual. Banhamos nas águas do rio da existência e fomos transformados pela convivência com outras pessoas. Pessoas que encontramos no caminho e nos enriqueceram com suas experiências. Aprendemos a ter segurança no enfrentamento das adversidades e abraçar a esperança como companheira inseparável.

REFERÊNCIAS

Recomendo a leitura dos livros:
BOTTON, Alain. Arquitetura da Felicidade. Tradução de Talita M. Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

_______. Desejo de Status. Tradução de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

CHALITA, Gabriel. Educação: A solução está no afeto. Rio de Janeiro: Editora da Gente, 2001.