sexta-feira, 28 de agosto de 2015

NO SILÊNCIO E NA SOLIDÃO...



INTRODUÇÃO
Tenho usado o silêncio como terapia em momentos solitários face a necessidade de interromper, mesmo que por um momento, o ritmo alucinante do dia-a-dia. Então percebo como tenho mais acuidade em ouvir os sons da natureza de forma magnífica e de rara grandeza. Também, o meu olhar se fixa em um ponto repetidas vezes e a novidade das cores e dos sons se manifestam nas impressões mentais como se a fantasia das histórias infantis se materializasse diante de mim. Parece que a natureza desacelerou para que eu pudesse ver as cores mais brilhantes e os detalhes mais apurados. Às vezes parece que a visão é ilusória, própria da fantasia e das imaginações. Fico extasiado como o comum se torna incomum diante dos meus olhos. Antes não era possível, devido a precipitação mecânica das experiências sensoriais do dia-a-dia que faz-nos absorver apenas aquilo que é imediato e pragmático. Isto porque a mecanização da rotina adormece as relações simbólicas com a natureza e com as pessoas.
O SILÊNCIO E O TRIBUNAL DA CONSCIÊNCIA
Agora no ritmo das batidas do coração, passo a ser acompanhado pelos pensamentos que me convidam para uma reflexão solene da vida. Essa experiência é repleta de emoção e o reluzir do olhar está acompanhado das imagens do flashback da história de vida. Essas imagens estão acompanhadas de narrações da consciência (Os esquizofrênicos dizem que ouvem vozes pois são incapazes de diferenciar o que é imaginação do real). É muito difícil silenciar a voz dos pensamentos principalmente quando eles te convidam para uma situação de confronto sobre a prática de uma crença e desafiam para o exercício da coerência. Então, entendo que os pensamentos são diálogos da alma pelos quais as perguntas trazem um incômodo sobre o real significado da existência.
A dimensão do conflito interior se intensifica quando queremos justificar para nós mesmos as posições equivocadas. Por vezes, queremos silenciar em nossas mentes as vozes das opiniões alheias e até mesmo da consciência. Odiamos o sarcasmo, o tom ácido das críticas e até o contraditório, temendo possíveis lesões no nosso ego e as reações que nos tiram da zona de conforto. Então, o pensamento fica procurando as respostas com mais capacidade de cognição e coerência para advogar perante o tribunal a nossa consciência. Claro, a consciência penaliza a nossa mente e o corpo com açoites do pelourinho moral, trazendo a luz todo dualismo do bem e mal, do certo e errado. Então, entendo que o alto preço da liberdade está na faculdade de sermos responsabilizados por todos os atos, resultantes da vontade, cognição e determinação.
O real significado da liberdade está impresso na consciência. A liberdade é uma percepção individual sobre a faculdade de ser e estar no mundo com a devida autonomia. Essa autonomia se revela na experiência sensorial de calcular os riscos das decisões que a liberdade nos possibilita. Às vezes temos de encarar o medo como um adversário vigoroso e impiedoso. Por isto, as grades que nos prendem não estão nas prisões das penitenciárias, mas nos sentimentos de inutilidade e de incapacidade que nos impedem de voar em direção dos nossos sonhos. Também, a liberdade nos coloca diante diferentes caminhos a seguir e impõe o julgamento mental com antecipação das realidades a serem escolhidas com a devida segurança. Como disse o coelho da história de “Alice no País das Maravilhas”: “caminhos levam a algum lugar, depende do lugar onde você quer chegar!” Por isto, os melhores julgamentos morais das nossas decisões acontecem no silêncio e na solidão, no confronto direto de uma sã consciência. Deve-se considerar a armadilha das decisões solitárias que não iluminadas por bons conselhos. Decisões solitárias tomadas em momentos de dor ou ódios causam tragédias e o arrependimento pode ser tarde demais.
A SOLIDÃO DOS PENSAMENTOS
Na solidão e na ociosidade se manifestam todas as fraquezas do ego humano. A vaidade se dissipa pela autocomiseração e pensamos como somos insignificantes. A grandeza de muita gente não passa de uma maquiagem social que encobre suas fragilidades, mas que, no confronto direto da consciência, ficam reduzidos como pó miúdo espalhado pelo vento. Por isto, muita gente tem o pavor de ficar sozinha. Tem o pavor da dramaticidade dos pensamentos que trazem consigo os fantasmas do medo que esvaziam toda a sensação de alegria e de prazer. As alucinações causadas pelo medo sugam as forças vitais do pensamento. Parece que a paz se exilou nos lugares mais distantes da terra e o sentimento de culpa torna-se inevitável. Pensa-se o que foi feito e aquilo que não pôde realizar, nas expectativas do futuro e logo se manifesta todas as fobias possíveis.
A solidão é uma percepção individual carregada de sentimentos de abandono. Independe da companhia de pessoas ou até mesmo do diálogo que se estabelece entre si. Traz a patologia da ansiedade e da incompreensão de uma alma que implora por auto aceitação. Tudo culpa da cultura da emoção em que a tônica da vida secular está baseada sensação de bem-estar. Há uma realidade de fuga da realidade pelo entretenimento, esportes radicais, alcoolismos e drogas. Muitos não estão preparados para deparar com a crítica e com a rejeição. Assim, a consequência desse antropocentrismo (o homem no centro do universo) é a epidemia de frustrações crônicas. Hoje a indústria dos processos por coisas banais mostra como há imaturidade de pessoas com sentimentos corroídos por ideologias e que se julgam protegidas pelo direito de não serem criticadas. 
É necessário que o entusiasmo do sonho seja rompido pela frustração para que a dúvida se estabeleça e coloque em teste toda a determinação do ser humano. O contraditório e a frustração são elementos que colocam em prova todas as nossas convicções. Surge o conflito mental com o seguinte dilema: retroceder ou persistir com a mesma fé e esperança no sonho? Há temor do julgamento alheios porque novo fracasso poderá ser entendido com teimosia; mas também, o sucesso será a prova cabal da determinação.
Acredito que as nossas frustrações pode ser aulas que nos ensinam os passos para o sucesso, desde que estejam acompanhadas da devida reflexão. É preciso avaliar as razões do fracasso para construir pontes para o sucesso. Então, surge a oportunidade de recomeçar com novas estratégias, administrando com segurança a ansiedade e melhor controle dos resultados. Desde que haja determinação no caminho que almeja chegar.
Às vezes, o pensamento negativo está tão persistente que maltrata o corpo pela insônia, impedindo o sadio descanso. O sono deveria ser a experiência lúdica mais solitária do ser humano que permite a alma viajar pelo magnífico mundo da imaginação. O sonho traz lembranças passadas com detalhes dantes percebidos e comunica realização de desejos. Faz acreditar que adentramos no mundo divino para colher por meio de enigmas os sábios conselhos. Logo, o leito deveria ser o jardim das delícias onde alimentamos a nossa alma e revigoramos as energias físicas, mentais e espirituais. Nesse ambiente a sã consciência cumpre o seu trajeto ao adentrar no mundo dos mistérios onde o futuro descortina nos arautos da fé e da esperança.
Por isso, a alegada paz do silêncio não passa de uma alegoria para alguns, porque, às vezes, na solidão se manifestam as lembranças daquilo que gostariam de esquecer Também, aparecem os fantasmas imaginários e as teorias da conspiração naquelas pessoas que foram infectadas pelo vírus da baixo-estima. A solidão é digerida como remédio amargo por aqueles que se torturam com a tristeza, ansiedade e depressão no deserto do coração. Por isto, os planos mais sórdidos são tramados na individualidade do pensamento, quando a voz da consciência foi silenciada pela amargura. A etimologia da morte do sonho passa pela desesperança nascida na amarga solidão.
O SILÊNCIO E A EXPERIÊNCIA SENSORIAL
Porém, quero aproveitar o silêncio para me esvaziar dos sentimentos e das lembranças nefastas que poluem o ecossistema da alma. Quero desenhar no pensamento as ideias mais brilhantes sobre o horizonte dos sonhos. Quero desfrutar o silêncio com os olhos bem fechados, desligando-os da arquitetura que me prende ao mundo material. Adentro no universo das percepções sensoriais com o pensamento iluminado pela fé. Quero conversar com Deus e ser curado na terapia do amor e do perdão divino. Assim, anseio todos os dias adentrar no jardim da existência onde o entusiasmo da felicidade me completa de fervor espiritual.
A reflexão sobre a perenidade da vida se apresenta na solidão dos nossos pensamentos. Julgamos que a vida se cansou de todas as novidades e que estamos sendo consumidos pela rotina, repetindo pela automação o ciclo de vida. Claro, a vida implora por novidade, novas emoções e expectativas no ritmo ascendente. Isto por que os nossos pensamentos são dependentes das nossas experiências sensoriais, principalmente daquilo que apreendemos pela visão.
Mas, a racionalidade impede que sejamos pessoas passionais inconstantes nas diferentes variações de humor e impulsivos na satisfação dos instintos, inclusive aqueles mais primitivos. A razão se manifesta na serenidade das nossas reflexões amparadas na ética e na moral, coadjuvada pelo bom senso. Não é a explosão reivindicatória dos direitos, de reparação de danos com expediente de insensatez e brutalidade. A razão é a decisão amparada na inteligência que impõe determinações a vontade e controla os sentimentos de justiça própria e de vingança. Ela pesa as palavras e as tempera com gentileza, retirando a amargura, mesmo em situações de extrema tensão emocional.
Por diversas vezes a experiência sensorial é ilusória. O que vimos ou ouvimos são interpretados pelos nossos sentimentos e, muitas vezes, não passam por um filtro moral da consciência nem pelas reflexões lógicas do intelecto. Então, cremos piamente naquilo que vimos e julgamos sentir. Por causa da visão e dos sentimentos recorrentes somos induzidos a ter interpretações equivocadas da realidade. Essa é a razão de muitos conflitos e mal entendidos entre pessoas. O que vimos ou ouvimos assemelha-se a imagem de um espelho embaçado e a verdade que construímos não passam de palpites na roda de amigos. Se assim entendermos teremos o ponto de partida para o exercício da tolerância e da escuta compreensiva.
Gosto de exercitar a visão quando a arte da contemplação da natureza está acompanhada do silêncio. Percebo que o mundo não parou de girar apesar do silêncio e da ociosidade. Percebo que os sons da natureza são sussurros provocados pelo vento: o agitar das folhas e a melodia dos pássaros. Consigo reunir informações que sequer havíamos pensado. Penso como a cor verde é a abundante esperança que nos convida a redescobrir a fé nas maravilhas de Deus. Então percebo que a natureza é um testemunho diário do milagre da vida desde que os mundos foram criados.
CONCLUSÃO
Acredito que é na solidão dos pensamentos que tomamos as decisões mais qualificadas com o auxílio do tribunal da consciência. Por isto, buscamos o autoexílio para conectar diretamente com os problemas e buscar pela lógica matemática chegar aos cálculos de suas soluções. Pode parecer manifestação explícita do egocentrismo, mas no primeiro momento recusamos partilhar os nossos problemas com alguém para omitir qualquer percepção de fraqueza. Mas, depois, que a solução matemática dos nossos problemas dependem da presença do outro; que a amizade pode muito em seus efeitos terapêuticos de solidariedade.
REFERÊNCIAS
Não citar referências. Apenas vou indicar as seguintes obras:
BOTTON, Alain. Ensaio de Amor, Tradução de Fábio Fernandes. São Paulo: Rocco, 2011.
______. Ensaio de Amor, Tradução de Eneida Santos. São Paulo: Rocco, 2013.
LOPES, Hernandes Dias Lopes. Voando nas alturas: dez princípios par uma vida bem sucedida. São Paulo: Editora Candeia, 1996.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

A ECOLOGIA DA ALMA

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INTRODUÇÃO
Folgo pela oportunidade de adentrar no mundo das ideias para extrair pensamentos em brasa e lavrar com entusiasmo as palavras que imploravam vir a existência. Elas estavam guardadas dentro da consciência e não se contentavam em ser apenas abstração ou um som. Aliás, o som tende a se perder no ar como bolhas de sabão. Depois, fragmentos desses pensamentos aprisionados no inconsciente só retornam à mente na forma de lembranças. Logo, não é pertinente ser narcisista a ponto de amar os pensamentos na vã filosofia da vida. Quando divulgamos os pensamentos, eles se tornam ideias. Ideias tem a capacidade de transformar pessoas e até mesmo o mundo.
A INEVITÁVEL COMPARAÇÃO
Inevitavelmente analiso o comportamento humano a partir do meu próprio eixo moral. Mesmo não considerando um paradigma a ser seguido, minhas expectativas da reciprocidade de bondade me introduzem ao universo da comparação. Às vezes, utilizo o meu pensamento para fazer as especulações sobre o mundo ideal onde as pessoas se comportam com a educação e o respeito tão almejado. Contudo, quando expectativas são frustradas, tenho a constatação que a convivência humana é o reflexo de uma época de crises.
 
A prática da comparação é muito ingrata, pois, via de regra, estamos tendenciosos a nos considerar inferiores ou superiores a outras pessoas. Por vezes, confundimos reputação com caráter, personalidade com virtude, performance com competência. Assim, toda beleza de palavras ou gestos das pessoas ditas ilustres traem o olhar e o pensamento com relação a nossa relevância no mundo.
Outras vezes, a frustração surge quando o empenho de justiça e a referência de educação entra em conflito com a agressividade e a indelicadeza de pessoas com quem convivemos ou eventualmente encontramos. Acredito piamente no diálogo como a energia que abre as portas da alma para o afeto e a aproximação fraterna, mas quando não se vê outra coisa além reclamação de direitos, prevalece a vontade de quem se impõe no grito e na força.
Costumo dizer que a reclamação por direitos é ambígua e ao mesmo tempo particular. Essa reclamação pessoal do direito sobrepõe aos limites da lei e da ética, pois é inflamada pela razão após explosão irremediável dos impulsos e dos sentimentos mais sórdidos. A satisfação pessoal não tem limites e se fossem preenchidas todas exigências da vaidade humana ainda restaria o enfado, o tédio e a irritabilidade sem sentido. O vazio interior não se preenche com fortuna, fama e poder. O coração íntegro só pode ser alimentado de sentimentos recíprocos e verdadeiros.
O aprendizado da reciprocidade é resistível desde a tenra infância e a rebeldia é impressionante. Surge desde o momento que a criança aprende a dizer não. Percebo que o ego humano é solitário, manipulador e autoritário. É fenomenal como as crianças tem uma natureza egocêntrica para, depois, adultos se revelarem individualistas e egoístas. Adiciona ao fenômeno comportamental pitadas da ideologia capitalista de recorrente competição e de supervalorização dos melhores adaptados.  
Observo como as vozes e os gritos ecoam no ar, no absurdo protesto pela atenção. O que me impressiona é que todos querem falar, às vezes, ao mesmo tempo, ignorando a sequência e o bom senso. Falta paciência para ouvir e há grande dificuldade para entender o outro. Parece que as palavras são formas de esvaziar o excesso de informações que se acumularam no cérebro. É preciso falar para relaxar e sentir-se bem, nem que isto seja frivolidade da vergonha alheia. Essa compulsão oral é o retrato da epidemia de ansiedade que tomou conta do mundo.
Por isto, a submissão voluntária e consciente é o exercício mental mais difícil de ser aprendido. Aliás, a submissão é algo que se aprende com o coração e não com o intelecto. O amor é o sentimento mais sublime que produz a rendição do ego humano e leva alguém a se submeter voluntariamente. Traz consigo o entendimento do benevolente serviço ao próximo como a mais elevada virtude.
A CAPACIDADE DE OLHAR
Considero um dos exercícios mais fascinantes parar e olhar a natureza com a sua aparente tranquilidade. A arte da contemplação nos ensina como o silêncio dá vozes ao pensamento e à imaginação. Esse diálogo interior penetra no ecossistema da alma e revela segredos que desconhecemos. Pensamos nas coisas mais simples e saborosas que não degustamos por andarmos apressados demais. Estamos acostumados com o estilo de vida acelerado que faz o tempo parecer insuficiente para atender todas as nossas demandas.  
A velocidade nos faz perder a riqueza dos detalhes, cansar o olhar e profanar as maravilhas de Deus. Resgatar a natureza perdida dentro de nós é renunciar o pernicioso materialismo de nossas mentes, trazer para dentro do coração a capacidade de ter a visão fantástica do universo divino. Por isto, fecho os olhos para que a alma possa entrar o mundo das ideias e comunicar todos os sonhos que plantei com esperança.
Talvez, em uma manhã gloriosa surja o inevitável tédio pela mecanização da rotina. Fazemos todos os dias as mesmas coisas, convivemos com as mesmas pessoas e reclamamos dos mesmos problemas. Ouvimos também as mesmas queixas e as críticas nos cansam. Gostamos de ser elogiados, mas também a recorrente adulação nos enfada e coloca sob prova a vaidade do nosso ego.
Entendo que o conflito interior do ser humano traz as inquietações do sucesso e das expectativas frustradas. Há o anseio de satisfação pessoal na busca pelo bem-estar físico, mental, social e espiritual. Estar bem consigo comunga a ideia de se sentir completo, sem aquele vazio existencial que aflige a alma. A busca de significados reside na pergunta: qual a razão do existir ou o propósito da vida?
Como Myles Munroe (1954 – 2014), acredito que a maior tragédia na vida não é a morte, mas viver uma vida sem propósito.  A vida não pode ser entendida como um casuísmo da natureza ou um acidente automático da história. Não somos atores encenando uma apresentação no quadro da história até encerrarmos o ciclo da nossa existência. Entramos na história, sedentos de uma existência eterna e não nos conformamos com a morte e, se possível, combateríamos contra ela até o limite das nossas forças.
Outra questão é que não estamos sozinhos no mundo. Fomos contemplados por uma história de antepassados, de pessoas com quem convivemos e têm similaridades com a nossa existência. É inegável a presunção de que todas as histórias têm suas origens em um ancestral comum. Por formação somos semelhantes em essência corporal, faculdade racional e espiritual. Seríamos os mais excelentes dos seres criados ao som da música de Deus se a irresistível liberdade não nos corrompesse a ultrapassar os seus limites. Acredito que a arquitetura do barro seria a mais bela história da origem humana, gerada pela necessidade da divindade de fazer brilhar a luz do amor entre os homens. O amor seria o culto mais belo da adoração na qual a sublimidade da vida seria enriquecida pelos contornos da eternidade. A vitalidade da existência estaria presente na recíproca confiança, no tratado da obediência por amor e pelo exercício da liberdade com a pureza do coração.
A VITALIDADE DA EXISTÊNCIA
Passo a pensar na vitalidade da existência e sua inocente felicidade sem neuras. A vida deveria ser desfrutada com simplicidade, com a alegria de quem colhe um fruto saboroso a cada dia. Parece que até as coisas simples carecem de explicação complexa. Para alguns, a certeza cria um incômodo. É preciso arranjar um pretexto para dialogar com a dúvida nem que seja para provar o néctar dos deuses: o conhecimento.
Claro, o conhecimento flerta com o divino, se apresenta como algo obscuro, inacessível, encoberto com aspectos mágicos. Surge a curiosidade de experimentar o poder como mecanismo de controle e de satisfação pessoal. Mas ao contrário, o conhecimento não é apenas o entendimento de informações reveladas. Ele descortina diante do homem o dualismo entre o bem e o mal, traz consigo o expecto da morte e traça o destino não só de uma pessoa, mas de toda a humanidade. Por consequência, a engenharia criativa do homem pode ser utilizada para salvar vidas e para a dor da destruição.
O destino de alguém é definido a partir de sua visão de mundo: o que pensa em relação a si mesmo e os outros; as expectativas que constrói para o bem social. Essa visão tenta explicar algumas perguntas básicas que o conhecimento produzido até então não conseguiu responder:
·         Quem sou eu? Pergunta sobre a identidade: o que me faz um ser distinto no universo e do que sou constituído;
·         De onde eu vim? Pergunta sobre a origem: não se trata de respostas físico-biológicas, mas de conotações metafísicas ou espirituais os quais sobrepõe as explicações científicas;
·         Por que nasci? Pergunta sobre o propósito: a visão que orientará a vocação de cada um para determinado bem;
·         O que eu posso fazer? Pergunta sobre a capacidade: é descobrir o dom a ser empregado para satisfação pessoal e em benefício do próximo;
·         Para onde eu vou? Pergunta sobre o destino que é alimentada pela sede de eternidade.
O ser humano é forjado a partir de uma ideologia, presente em um sistema de crenças herdado culturalmente e pela convivência em diferentes grupos sociais. O sistema de crenças é influenciado pela leitura do mundo. Essa leitura está para além da contemplação da natureza e dos ângulos das edificações. É a própria dinâmica das relações humanas, conflituosa, com o sabor da solidariedade orgânica, o amargo da violência e suas múltiplas facetas.
Como se percebe olhar para o mundo não é contemplar a fauna e flora da natureza. Hoje o ecossistema das almas está desprovido de profundidade moral desde a base familiar, entregue a superficialidade do saber, do conforto de quem não admite ser confrontado. A ecologia da alma mostra como o homem, maior natureza de Deus, destrói sua vida diariamente, sobretudo no aspecto moral.
A pedagogia do olhar está presente nas crianças com a sua natural curiosidade e simplicidade do jogo simbólico das cores dos objetos. Ela consegue extrair o belo nas coisas mais insignificantes da natureza e do que é produzido a partir dela. As coisas inanimadas estão repletas de vida e produzem sons que enlevam a alma. Não somente as crianças, mas também pessoas embriagadas pelo contagiante otimismo são capazes de ver o belo mesmo diante das dificuldades. Mostram que é possível fazer a leitura do mundo a partir do universo das possibilidades e colocar-se como agente da transformação para que a influência da agenda positiva possa cobrir as deformidades moral, social e espiritual da sociedade.
Logo, a forma como olhamos o mundo pode revestir-se pelo entusiasmo ou de um pessimismo antes as incertezas do futuro. Esse olhar é a própria nuance do contraditório, da insegurança, da relatividade sobre os valores e o próprio pensamento. As diferentes visões do mundo deveriam encaminhar-se para um diálogo cognoscente sobre as oportunidades. Há pessoas que preferem as desculpas para se omitir e aceitar a ruína com fato consumado ou, então, produzir um dossiê das responsabilidades nos casuísmos da desordem.
O olhar otimista da realidade apresenta o desenho do futuro segundo as nossas expectativas de felicidade, desprovido do hedonismo irresponsável de que teremos a realização do sonho com todas as suas belezas e cores. O otimismo só pode ser produzido a partir da semente da fé. A manifestação da fé acontece nos momentos de contrastes e de conflitos. Nesse momento, alguém descobre a esperança e se compromete em mudar a sua realidade. Logo olhar não é fotografar as imagens e cores, processar os seus significados no cérebro. Olhar é uma experiência emocionante do aprendizado pelo qual fazemos a construção, desconstrução e reconstrução do mundo a partir da fé e da esperança.
Tem gente que não faz a leitura do mundo porque perdeu a capacidade de sonhar, imaginar. Por isso, ficaram refém do fatalismo, pois as trevas da realidade contêm crueldade, insegurança e ilusão. Mas também, julgo ardiloso apegar-se a um idealismo ingênuo e delirante como se a fé e a esperança fossem a energia cósmica do absurdo. A vida é feita de etapas compreendidas em cada lapso temporal de cada evento e das oportunidades que se apresentam. Logo, a fé se manifesta no plano da ação e não pela maravilha do divino diante da estática do homem. Somos agentes participantes do milagre diário da vida e revelamos a natureza de Deus quando comunicamos com a vida os nossos sonhos.
CONCLUSÃO
Os elementos espirituais sonhos, pensamentos e palavras são testemunhos da existência da alma. Não podemos ver a alma nem tocar o espírito, pois o mundo espiritual se comunica por meio dos sentimentos, dos pensamentos e da vontade. Essas sensações são manifestadas por meio do nosso corpo: os olhos ardem, o coração palpita e acelera e a pele se aquece. Penso que as palavras nos dão algumas impressões sobre a alma humana a medida que com convivemos com as pessoas. Assim nos tornamos participantes dos seus sonhos quando empregamos a fé e a esperança.
REFERÊNCIAS:
BOTTON, Alain. Arquitetura da Felicidade. Tradução de Talita M. Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
BOTTON, Alain. Desejo de Status. Tradução de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.
LUCADO, Max. Viver sem Medo: redescobrindo uma vida de tranquilidade e paz interior. Tradução de Bárbara Coutinho e Leonardo Barroso. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2009.