quarta-feira, 29 de julho de 2015

A ECOLOGIA DA ALMA

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INTRODUÇÃO
Folgo pela oportunidade de adentrar no mundo das ideias para extrair pensamentos em brasa e lavrar com entusiasmo as palavras que imploravam vir a existência. Elas estavam guardadas dentro da consciência e não se contentavam em ser apenas abstração ou um som. Aliás, o som tende a se perder no ar como bolhas de sabão. Depois, fragmentos desses pensamentos aprisionados no inconsciente só retornam à mente na forma de lembranças. Logo, não é pertinente ser narcisista a ponto de amar os pensamentos na vã filosofia da vida. Quando divulgamos os pensamentos, eles se tornam ideias. Ideias tem a capacidade de transformar pessoas e até mesmo o mundo.
A INEVITÁVEL COMPARAÇÃO
Inevitavelmente analiso o comportamento humano a partir do meu próprio eixo moral. Mesmo não considerando um paradigma a ser seguido, minhas expectativas da reciprocidade de bondade me introduzem ao universo da comparação. Às vezes, utilizo o meu pensamento para fazer as especulações sobre o mundo ideal onde as pessoas se comportam com a educação e o respeito tão almejado. Contudo, quando expectativas são frustradas, tenho a constatação que a convivência humana é o reflexo de uma época de crises.
 
A prática da comparação é muito ingrata, pois, via de regra, estamos tendenciosos a nos considerar inferiores ou superiores a outras pessoas. Por vezes, confundimos reputação com caráter, personalidade com virtude, performance com competência. Assim, toda beleza de palavras ou gestos das pessoas ditas ilustres traem o olhar e o pensamento com relação a nossa relevância no mundo.
Outras vezes, a frustração surge quando o empenho de justiça e a referência de educação entra em conflito com a agressividade e a indelicadeza de pessoas com quem convivemos ou eventualmente encontramos. Acredito piamente no diálogo como a energia que abre as portas da alma para o afeto e a aproximação fraterna, mas quando não se vê outra coisa além reclamação de direitos, prevalece a vontade de quem se impõe no grito e na força.
Costumo dizer que a reclamação por direitos é ambígua e ao mesmo tempo particular. Essa reclamação pessoal do direito sobrepõe aos limites da lei e da ética, pois é inflamada pela razão após explosão irremediável dos impulsos e dos sentimentos mais sórdidos. A satisfação pessoal não tem limites e se fossem preenchidas todas exigências da vaidade humana ainda restaria o enfado, o tédio e a irritabilidade sem sentido. O vazio interior não se preenche com fortuna, fama e poder. O coração íntegro só pode ser alimentado de sentimentos recíprocos e verdadeiros.
O aprendizado da reciprocidade é resistível desde a tenra infância e a rebeldia é impressionante. Surge desde o momento que a criança aprende a dizer não. Percebo que o ego humano é solitário, manipulador e autoritário. É fenomenal como as crianças tem uma natureza egocêntrica para, depois, adultos se revelarem individualistas e egoístas. Adiciona ao fenômeno comportamental pitadas da ideologia capitalista de recorrente competição e de supervalorização dos melhores adaptados.  
Observo como as vozes e os gritos ecoam no ar, no absurdo protesto pela atenção. O que me impressiona é que todos querem falar, às vezes, ao mesmo tempo, ignorando a sequência e o bom senso. Falta paciência para ouvir e há grande dificuldade para entender o outro. Parece que as palavras são formas de esvaziar o excesso de informações que se acumularam no cérebro. É preciso falar para relaxar e sentir-se bem, nem que isto seja frivolidade da vergonha alheia. Essa compulsão oral é o retrato da epidemia de ansiedade que tomou conta do mundo.
Por isto, a submissão voluntária e consciente é o exercício mental mais difícil de ser aprendido. Aliás, a submissão é algo que se aprende com o coração e não com o intelecto. O amor é o sentimento mais sublime que produz a rendição do ego humano e leva alguém a se submeter voluntariamente. Traz consigo o entendimento do benevolente serviço ao próximo como a mais elevada virtude.
A CAPACIDADE DE OLHAR
Considero um dos exercícios mais fascinantes parar e olhar a natureza com a sua aparente tranquilidade. A arte da contemplação nos ensina como o silêncio dá vozes ao pensamento e à imaginação. Esse diálogo interior penetra no ecossistema da alma e revela segredos que desconhecemos. Pensamos nas coisas mais simples e saborosas que não degustamos por andarmos apressados demais. Estamos acostumados com o estilo de vida acelerado que faz o tempo parecer insuficiente para atender todas as nossas demandas.  
A velocidade nos faz perder a riqueza dos detalhes, cansar o olhar e profanar as maravilhas de Deus. Resgatar a natureza perdida dentro de nós é renunciar o pernicioso materialismo de nossas mentes, trazer para dentro do coração a capacidade de ter a visão fantástica do universo divino. Por isto, fecho os olhos para que a alma possa entrar o mundo das ideias e comunicar todos os sonhos que plantei com esperança.
Talvez, em uma manhã gloriosa surja o inevitável tédio pela mecanização da rotina. Fazemos todos os dias as mesmas coisas, convivemos com as mesmas pessoas e reclamamos dos mesmos problemas. Ouvimos também as mesmas queixas e as críticas nos cansam. Gostamos de ser elogiados, mas também a recorrente adulação nos enfada e coloca sob prova a vaidade do nosso ego.
Entendo que o conflito interior do ser humano traz as inquietações do sucesso e das expectativas frustradas. Há o anseio de satisfação pessoal na busca pelo bem-estar físico, mental, social e espiritual. Estar bem consigo comunga a ideia de se sentir completo, sem aquele vazio existencial que aflige a alma. A busca de significados reside na pergunta: qual a razão do existir ou o propósito da vida?
Como Myles Munroe (1954 – 2014), acredito que a maior tragédia na vida não é a morte, mas viver uma vida sem propósito.  A vida não pode ser entendida como um casuísmo da natureza ou um acidente automático da história. Não somos atores encenando uma apresentação no quadro da história até encerrarmos o ciclo da nossa existência. Entramos na história, sedentos de uma existência eterna e não nos conformamos com a morte e, se possível, combateríamos contra ela até o limite das nossas forças.
Outra questão é que não estamos sozinhos no mundo. Fomos contemplados por uma história de antepassados, de pessoas com quem convivemos e têm similaridades com a nossa existência. É inegável a presunção de que todas as histórias têm suas origens em um ancestral comum. Por formação somos semelhantes em essência corporal, faculdade racional e espiritual. Seríamos os mais excelentes dos seres criados ao som da música de Deus se a irresistível liberdade não nos corrompesse a ultrapassar os seus limites. Acredito que a arquitetura do barro seria a mais bela história da origem humana, gerada pela necessidade da divindade de fazer brilhar a luz do amor entre os homens. O amor seria o culto mais belo da adoração na qual a sublimidade da vida seria enriquecida pelos contornos da eternidade. A vitalidade da existência estaria presente na recíproca confiança, no tratado da obediência por amor e pelo exercício da liberdade com a pureza do coração.
A VITALIDADE DA EXISTÊNCIA
Passo a pensar na vitalidade da existência e sua inocente felicidade sem neuras. A vida deveria ser desfrutada com simplicidade, com a alegria de quem colhe um fruto saboroso a cada dia. Parece que até as coisas simples carecem de explicação complexa. Para alguns, a certeza cria um incômodo. É preciso arranjar um pretexto para dialogar com a dúvida nem que seja para provar o néctar dos deuses: o conhecimento.
Claro, o conhecimento flerta com o divino, se apresenta como algo obscuro, inacessível, encoberto com aspectos mágicos. Surge a curiosidade de experimentar o poder como mecanismo de controle e de satisfação pessoal. Mas ao contrário, o conhecimento não é apenas o entendimento de informações reveladas. Ele descortina diante do homem o dualismo entre o bem e o mal, traz consigo o expecto da morte e traça o destino não só de uma pessoa, mas de toda a humanidade. Por consequência, a engenharia criativa do homem pode ser utilizada para salvar vidas e para a dor da destruição.
O destino de alguém é definido a partir de sua visão de mundo: o que pensa em relação a si mesmo e os outros; as expectativas que constrói para o bem social. Essa visão tenta explicar algumas perguntas básicas que o conhecimento produzido até então não conseguiu responder:
·         Quem sou eu? Pergunta sobre a identidade: o que me faz um ser distinto no universo e do que sou constituído;
·         De onde eu vim? Pergunta sobre a origem: não se trata de respostas físico-biológicas, mas de conotações metafísicas ou espirituais os quais sobrepõe as explicações científicas;
·         Por que nasci? Pergunta sobre o propósito: a visão que orientará a vocação de cada um para determinado bem;
·         O que eu posso fazer? Pergunta sobre a capacidade: é descobrir o dom a ser empregado para satisfação pessoal e em benefício do próximo;
·         Para onde eu vou? Pergunta sobre o destino que é alimentada pela sede de eternidade.
O ser humano é forjado a partir de uma ideologia, presente em um sistema de crenças herdado culturalmente e pela convivência em diferentes grupos sociais. O sistema de crenças é influenciado pela leitura do mundo. Essa leitura está para além da contemplação da natureza e dos ângulos das edificações. É a própria dinâmica das relações humanas, conflituosa, com o sabor da solidariedade orgânica, o amargo da violência e suas múltiplas facetas.
Como se percebe olhar para o mundo não é contemplar a fauna e flora da natureza. Hoje o ecossistema das almas está desprovido de profundidade moral desde a base familiar, entregue a superficialidade do saber, do conforto de quem não admite ser confrontado. A ecologia da alma mostra como o homem, maior natureza de Deus, destrói sua vida diariamente, sobretudo no aspecto moral.
A pedagogia do olhar está presente nas crianças com a sua natural curiosidade e simplicidade do jogo simbólico das cores dos objetos. Ela consegue extrair o belo nas coisas mais insignificantes da natureza e do que é produzido a partir dela. As coisas inanimadas estão repletas de vida e produzem sons que enlevam a alma. Não somente as crianças, mas também pessoas embriagadas pelo contagiante otimismo são capazes de ver o belo mesmo diante das dificuldades. Mostram que é possível fazer a leitura do mundo a partir do universo das possibilidades e colocar-se como agente da transformação para que a influência da agenda positiva possa cobrir as deformidades moral, social e espiritual da sociedade.
Logo, a forma como olhamos o mundo pode revestir-se pelo entusiasmo ou de um pessimismo antes as incertezas do futuro. Esse olhar é a própria nuance do contraditório, da insegurança, da relatividade sobre os valores e o próprio pensamento. As diferentes visões do mundo deveriam encaminhar-se para um diálogo cognoscente sobre as oportunidades. Há pessoas que preferem as desculpas para se omitir e aceitar a ruína com fato consumado ou, então, produzir um dossiê das responsabilidades nos casuísmos da desordem.
O olhar otimista da realidade apresenta o desenho do futuro segundo as nossas expectativas de felicidade, desprovido do hedonismo irresponsável de que teremos a realização do sonho com todas as suas belezas e cores. O otimismo só pode ser produzido a partir da semente da fé. A manifestação da fé acontece nos momentos de contrastes e de conflitos. Nesse momento, alguém descobre a esperança e se compromete em mudar a sua realidade. Logo olhar não é fotografar as imagens e cores, processar os seus significados no cérebro. Olhar é uma experiência emocionante do aprendizado pelo qual fazemos a construção, desconstrução e reconstrução do mundo a partir da fé e da esperança.
Tem gente que não faz a leitura do mundo porque perdeu a capacidade de sonhar, imaginar. Por isso, ficaram refém do fatalismo, pois as trevas da realidade contêm crueldade, insegurança e ilusão. Mas também, julgo ardiloso apegar-se a um idealismo ingênuo e delirante como se a fé e a esperança fossem a energia cósmica do absurdo. A vida é feita de etapas compreendidas em cada lapso temporal de cada evento e das oportunidades que se apresentam. Logo, a fé se manifesta no plano da ação e não pela maravilha do divino diante da estática do homem. Somos agentes participantes do milagre diário da vida e revelamos a natureza de Deus quando comunicamos com a vida os nossos sonhos.
CONCLUSÃO
Os elementos espirituais sonhos, pensamentos e palavras são testemunhos da existência da alma. Não podemos ver a alma nem tocar o espírito, pois o mundo espiritual se comunica por meio dos sentimentos, dos pensamentos e da vontade. Essas sensações são manifestadas por meio do nosso corpo: os olhos ardem, o coração palpita e acelera e a pele se aquece. Penso que as palavras nos dão algumas impressões sobre a alma humana a medida que com convivemos com as pessoas. Assim nos tornamos participantes dos seus sonhos quando empregamos a fé e a esperança.
REFERÊNCIAS:
BOTTON, Alain. Arquitetura da Felicidade. Tradução de Talita M. Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
BOTTON, Alain. Desejo de Status. Tradução de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.
LUCADO, Max. Viver sem Medo: redescobrindo uma vida de tranquilidade e paz interior. Tradução de Bárbara Coutinho e Leonardo Barroso. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2009.