INTRODUÇÃO
Folgo
pela oportunidade de adentrar no mundo das ideias para extrair pensamentos em
brasa e lavrar com entusiasmo as palavras que imploravam vir a existência. Elas
estavam guardadas dentro da consciência e não se contentavam em ser apenas
abstração ou um som. Aliás, o som tende a se perder no ar como bolhas de sabão.
Depois, fragmentos desses pensamentos aprisionados no inconsciente só retornam
à mente na forma de lembranças. Logo, não é pertinente ser narcisista a ponto
de amar os pensamentos na vã filosofia da vida. Quando divulgamos os
pensamentos, eles se tornam ideias. Ideias tem a capacidade de transformar
pessoas e até mesmo o mundo.
A INEVITÁVEL COMPARAÇÃO
Inevitavelmente
analiso o comportamento humano a partir do meu próprio eixo moral. Mesmo não
considerando um paradigma a ser seguido, minhas expectativas da reciprocidade
de bondade me introduzem ao universo da comparação. Às vezes, utilizo o meu
pensamento para fazer as especulações sobre o mundo ideal onde as pessoas se
comportam com a educação e o respeito tão almejado. Contudo, quando
expectativas são frustradas, tenho a constatação que a convivência humana é o
reflexo de uma época de crises.
A
prática da comparação é muito ingrata, pois, via de regra, estamos tendenciosos
a nos considerar inferiores ou superiores a outras pessoas. Por vezes,
confundimos reputação com caráter, personalidade com virtude, performance com
competência. Assim, toda beleza de palavras ou gestos das pessoas ditas ilustres
traem o olhar e o pensamento com relação a nossa relevância no mundo.
Outras
vezes, a frustração surge quando o empenho de justiça e a referência de
educação entra em conflito com a agressividade e a indelicadeza de pessoas com
quem convivemos ou eventualmente encontramos. Acredito piamente no diálogo como
a energia que abre as portas da alma para o afeto e a aproximação fraterna, mas
quando não se vê outra coisa além reclamação de direitos, prevalece a vontade de
quem se impõe no grito e na força.
Costumo
dizer que a reclamação por direitos é ambígua e ao mesmo tempo particular. Essa
reclamação pessoal do direito sobrepõe aos limites da lei e da ética, pois é inflamada
pela razão após explosão irremediável dos impulsos e dos sentimentos mais
sórdidos. A satisfação pessoal não tem limites e se fossem preenchidas todas
exigências da vaidade humana ainda restaria o enfado, o tédio e a
irritabilidade sem sentido. O vazio interior não se preenche com fortuna, fama
e poder. O coração íntegro só pode ser alimentado de sentimentos recíprocos e
verdadeiros.
O
aprendizado da reciprocidade é resistível desde a tenra infância e a rebeldia é
impressionante. Surge desde o momento que a criança aprende a dizer não.
Percebo que o ego humano é solitário, manipulador e autoritário. É fenomenal
como as crianças tem uma natureza egocêntrica para, depois, adultos se
revelarem individualistas e egoístas. Adiciona ao fenômeno comportamental
pitadas da ideologia capitalista de recorrente competição e de supervalorização
dos melhores adaptados.
Observo
como as vozes e os gritos ecoam no ar, no absurdo protesto pela atenção. O que
me impressiona é que todos querem falar, às vezes, ao mesmo tempo, ignorando a
sequência e o bom senso. Falta paciência para ouvir e há grande dificuldade
para entender o outro. Parece que as palavras são formas de esvaziar o excesso
de informações que se acumularam no cérebro. É preciso falar para relaxar e
sentir-se bem, nem que isto seja frivolidade da vergonha alheia. Essa compulsão
oral é o retrato da epidemia de ansiedade que tomou conta do mundo.
Por
isto, a submissão voluntária e consciente é o exercício mental mais difícil de
ser aprendido. Aliás, a submissão é algo que se aprende com o coração e não com
o intelecto. O amor é o sentimento mais sublime que produz a rendição do ego
humano e leva alguém a se submeter voluntariamente. Traz consigo o entendimento
do benevolente serviço ao próximo como a mais elevada virtude.
A CAPACIDADE DE OLHAR
Considero
um dos exercícios mais fascinantes parar e olhar a natureza com a sua aparente
tranquilidade. A arte da contemplação nos ensina como o silêncio dá vozes ao
pensamento e à imaginação. Esse diálogo interior penetra no ecossistema da alma
e revela segredos que desconhecemos. Pensamos nas coisas mais simples e
saborosas que não degustamos por andarmos apressados demais. Estamos
acostumados com o estilo de vida acelerado que faz o tempo parecer insuficiente
para atender todas as nossas demandas.
A
velocidade nos faz perder a riqueza dos detalhes, cansar o olhar e profanar as
maravilhas de Deus. Resgatar a natureza perdida dentro de nós é renunciar o pernicioso
materialismo de nossas mentes, trazer para dentro do coração a capacidade de
ter a visão fantástica do universo divino. Por isto, fecho os olhos para que a
alma possa entrar o mundo das ideias e comunicar todos os sonhos que plantei com
esperança.
Talvez,
em uma manhã gloriosa surja o inevitável tédio pela mecanização da rotina.
Fazemos todos os dias as mesmas coisas, convivemos com as mesmas pessoas e
reclamamos dos mesmos problemas. Ouvimos também as mesmas queixas e as críticas
nos cansam. Gostamos de ser elogiados, mas também a recorrente adulação nos
enfada e coloca sob prova a vaidade do nosso ego.
Entendo
que o conflito interior do ser humano traz as inquietações do sucesso e das
expectativas frustradas. Há o anseio de satisfação pessoal na busca pelo
bem-estar físico, mental, social e espiritual. Estar bem consigo comunga a
ideia de se sentir completo, sem aquele vazio existencial que aflige a alma. A
busca de significados reside na pergunta: qual a razão do existir ou o
propósito da vida?
Como
Myles Munroe (1954 – 2014), acredito que a maior tragédia na vida não é a morte, mas viver uma vida
sem propósito. A
vida não pode ser entendida como um casuísmo da natureza ou um acidente
automático da história. Não somos atores encenando uma apresentação no quadro
da história até encerrarmos o ciclo da nossa existência. Entramos na história,
sedentos de uma existência eterna e não nos conformamos com a morte e, se
possível, combateríamos contra ela até o limite das nossas forças.
Outra
questão é que não estamos sozinhos no mundo. Fomos contemplados por uma
história de antepassados, de pessoas com quem convivemos e têm similaridades
com a nossa existência. É inegável a presunção de que todas as histórias têm
suas origens em um ancestral comum. Por formação somos semelhantes em essência
corporal, faculdade racional e espiritual. Seríamos os mais excelentes dos
seres criados ao som da música de Deus se a irresistível liberdade não nos
corrompesse a ultrapassar os seus limites. Acredito que a arquitetura do barro
seria a mais bela história da origem humana, gerada pela necessidade da
divindade de fazer brilhar a luz do amor entre os homens. O amor seria o culto
mais belo da adoração na qual a sublimidade da vida seria enriquecida pelos
contornos da eternidade. A vitalidade da existência estaria presente na
recíproca confiança, no tratado da obediência por amor e pelo exercício da
liberdade com a pureza do coração.
A VITALIDADE DA EXISTÊNCIA
Passo
a pensar na vitalidade da existência e sua inocente felicidade sem neuras. A
vida deveria ser desfrutada com simplicidade, com a alegria de quem colhe um
fruto saboroso a cada dia. Parece que até as coisas simples carecem de
explicação complexa. Para alguns, a certeza cria um incômodo. É preciso arranjar
um pretexto para dialogar com a dúvida nem que seja para provar o néctar dos
deuses: o conhecimento.
Claro,
o conhecimento flerta com o divino, se apresenta como algo obscuro, inacessível,
encoberto com aspectos mágicos. Surge a curiosidade de experimentar o poder
como mecanismo de controle e de satisfação pessoal. Mas ao contrário, o conhecimento
não é apenas o entendimento de informações reveladas. Ele descortina diante do
homem o dualismo entre o bem e o mal, traz consigo o expecto da morte e traça o
destino não só de uma pessoa, mas de toda a humanidade. Por consequência, a
engenharia criativa do homem pode ser utilizada para salvar vidas e para a dor
da destruição.
O destino de alguém é definido a partir
de sua visão de mundo: o que pensa em relação a si mesmo e os outros; as
expectativas que constrói para o bem social. Essa visão tenta explicar algumas
perguntas básicas que o conhecimento produzido até então não conseguiu
responder:
·
Quem
sou eu? Pergunta sobre a identidade: o que me faz um
ser distinto no universo e do que sou constituído;
·
De
onde eu vim? Pergunta sobre a origem: não se trata de
respostas físico-biológicas, mas de conotações metafísicas ou espirituais os
quais sobrepõe as explicações científicas;
·
Por
que nasci? Pergunta sobre o propósito: a visão que
orientará a vocação de cada um para determinado bem;
·
O
que eu posso fazer? Pergunta sobre a capacidade: é
descobrir o dom a ser empregado para satisfação pessoal e em benefício do
próximo;
·
Para
onde eu vou? Pergunta sobre o destino que é alimentada
pela sede de eternidade.
O
ser humano é forjado a partir de uma ideologia, presente em um sistema de
crenças herdado culturalmente e pela convivência em diferentes grupos sociais. O
sistema de crenças é influenciado pela leitura do mundo. Essa leitura está para
além da contemplação da natureza e dos ângulos das edificações. É a própria
dinâmica das relações humanas, conflituosa, com o sabor da solidariedade
orgânica, o amargo da violência e suas múltiplas facetas.
Como
se percebe olhar para o mundo não é contemplar a fauna e flora da natureza. Hoje
o ecossistema das almas está desprovido de profundidade moral desde a base
familiar, entregue a superficialidade do saber, do conforto de quem não admite
ser confrontado. A ecologia da alma mostra como o homem, maior natureza de Deus,
destrói sua vida diariamente, sobretudo no aspecto moral.
A
pedagogia do olhar está presente nas crianças com a sua natural curiosidade e
simplicidade do jogo simbólico das cores dos objetos. Ela consegue extrair o
belo nas coisas mais insignificantes da natureza e do que é produzido a partir
dela. As coisas inanimadas estão repletas de vida e produzem sons que enlevam a
alma. Não somente as crianças, mas também pessoas embriagadas pelo contagiante
otimismo são capazes de ver o belo mesmo diante das dificuldades. Mostram que é
possível fazer a leitura do mundo a partir do universo das possibilidades e
colocar-se como agente da transformação para que a influência da agenda
positiva possa cobrir as deformidades moral, social e espiritual da sociedade.
Logo,
a forma como olhamos o mundo pode revestir-se pelo entusiasmo ou de um
pessimismo antes as incertezas do futuro. Esse olhar é a própria nuance do
contraditório, da insegurança, da relatividade sobre os valores e o próprio
pensamento. As diferentes visões do mundo deveriam encaminhar-se para um
diálogo cognoscente sobre as oportunidades. Há pessoas que preferem as
desculpas para se omitir e aceitar a ruína com fato consumado ou, então,
produzir um dossiê das responsabilidades nos casuísmos da desordem.
O
olhar otimista da realidade apresenta o desenho do futuro segundo as nossas
expectativas de felicidade, desprovido do hedonismo irresponsável de que
teremos a realização do sonho com todas as suas belezas e cores. O otimismo só
pode ser produzido a partir da semente da fé. A manifestação da fé acontece nos
momentos de contrastes e de conflitos. Nesse momento, alguém descobre a
esperança e se compromete em mudar a sua realidade. Logo olhar não é fotografar
as imagens e cores, processar os seus significados no cérebro. Olhar é uma
experiência emocionante do aprendizado pelo qual fazemos a construção,
desconstrução e reconstrução do mundo a partir da fé e da esperança.
Tem
gente que não faz a leitura do mundo porque perdeu a capacidade de sonhar,
imaginar. Por isso, ficaram refém do fatalismo, pois as trevas da realidade contêm
crueldade, insegurança e ilusão. Mas também, julgo ardiloso apegar-se a um
idealismo ingênuo e delirante como se a fé e a esperança fossem a energia
cósmica do absurdo. A vida é feita de etapas compreendidas em cada lapso
temporal de cada evento e das oportunidades que se apresentam. Logo, a fé se
manifesta no plano da ação e não pela maravilha do divino diante da estática do
homem. Somos agentes participantes do milagre diário da vida e revelamos a
natureza de Deus quando comunicamos com a vida os nossos sonhos.
CONCLUSÃO
Os
elementos espirituais sonhos, pensamentos e palavras são testemunhos da
existência da alma. Não podemos ver a alma nem tocar o espírito, pois o mundo
espiritual se comunica por meio dos sentimentos, dos pensamentos e da vontade.
Essas sensações são manifestadas por meio do nosso corpo: os olhos ardem, o
coração palpita e acelera e a pele se aquece. Penso que as palavras nos dão
algumas impressões sobre a alma humana a medida que com convivemos com as
pessoas. Assim nos tornamos participantes dos seus sonhos quando empregamos a
fé e a esperança.
REFERÊNCIAS:
BOTTON,
Alain. Arquitetura da Felicidade.
Tradução de Talita M. Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
BOTTON, Alain. Desejo de Status. Tradução de
Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.
LUCADO,
Max. Viver sem Medo:
redescobrindo uma vida de tranquilidade e paz interior. Tradução de Bárbara
Coutinho e Leonardo Barroso. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2009.