quarta-feira, 18 de novembro de 2020

OS IMPACTOS NEGATIVOS DO CORONAVÍRUS PARA A EDUCAÇÃO

 

fonte: https://canpp.com.br/histeria/

Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes

INTRODUÇÃO

            Por força das circunstâncias, fui instado a escrever sobre as consequências da pandemia viral e respiratória do novo coronavírus (COVID-19) para a educação. Esse tema tem sido recorrente em reuniões e lives da educação com extensas repetições de chavões e jargões acadêmicos que beiram o senso comum. A discussão do tema é importante porque é um fenômeno recente tão presente na vida das pessoas e traz uma explosão ardente de sentimentos, de frustração e de esperanças. Logo, uma discussão acadêmica é insuficiente para traduzir esses reflexos interiores de cada pessoa em sua complexidade.

            Esse artigo foge do rigor do padrão acadêmico com o coletivo de enumerações e citações. O texto é um relato de experiência compartilhado com os demais docentes neste momento de pandemia. Então, escolhi alguns aspectos negativos do coronavírus na educação que foram apreendidos nas escutas dos diálogos com colegas professores, pais e estudantes.

1 – OS ASPECTOS EMOCIONAIS

            A pandemia trouxe perdas de saúde e de vidas, com impactos emocionais nunca vistos. Também, acarretou perdas econômicas. Muitos perderam seus empregos e seu padrão de vida antes estabilizado. E a nossa liberdade foi minguando aos limites de um confinamento forçado em nome da ciência, às vezes, comprometendo o direito as liberdades individuais e coletivas previstas na Constituição. Passamos a viver uma realidade de guerra em todos os aspectos de “Estado de Emergência”.

            Em função da pandemia foram baixados vários atos legais e normativos em âmbito nacional, estadual e municipal que culminaram com a suspensão das aulas. O município da Serra baixou até o momento cerca de 30 atos legais entre decretos, portarias, circulares, normas técnicas e resoluções. Logo, trata-se uma situação excepcional e que exige cuidados específicos.

Li textos e postagens que o confinamento na pandemia trouxe o resgate dos valores familiares: aproximou pais de filhos, marido e esposa, etc. Mostrou o valor da solidariedade, do repartir, do dividir.... Ajudou as pessoas a redescobrirem o amor e a misericórdia.

Discordo. O argumento que resume tudo isto foi apresentado pelo filósofo Luiz Felipe Pondé em entrevista à TV Brasil no dia 31/05/2020: “A pandemia é uma doença social”. Isto porque a pandemia gera um sentimento de insegurança e desespero; um verdadeiro frenesi. As pessoas sentiram que o mundo desabou sobre as suas cabeças da noite para o dia. Ficaram sem chão, sem expectativas. Pensamentos catastróficos aterrissaram sobre suas cabeças: “o apocalipse chegou. Então vamos nos preparar para o fim do mundo”.  Inegavelmente, a histeria e o pânico dos adultos atingiram, também, as crianças. Nesse momento de histeria, pessoas idosas e pertencentes ao grupo de risco foram segregadas a uma quarentena. Os idosos foram privados do convívio com parentes, e as crianças foram consideradas vetores de transmissão do vírus com risco de morte aos avós. Lamentável, mas talvez necessário?... O tempo dirá.

            O fator emocional foi agravado pelo bombardeio de informações na mídia e nas redes sociais dia e noite. O ápice da notícia era contagem de mortos diários por COVID-19. Parece que os jornalistas estavam inculcando a seguinte frase: “A próxima vítima pode ser você! ”  E o consumo indiscriminado de notícias ruins e, até mesmo de fake News, prejudicou a saúde mental de muita gente.

            Nos momentos iniciais da pandemia, percebi o apego a fé como válvula de escape para o enfrentamento do medo e da angústia. As pessoas queriam um fio de esperança nesse universo de incertezas. Confinadas em seus apartamentos e casas, cantavam canções religiosas ou seculares com fervor no intuito de quebrarem as amarras psicológicas da desesperança.

Mas, como explicar para as crianças que um vírus que teve epicentro na China atravessou o Oceano e chegou até nós? Crianças maiores podem até entender alguma coisa. E as crianças pequenas? Como explicar para as crianças que não podem ir para a escola ou brincar na rua? Que não podem beijar e abraçar os seus avós.

            Lembro de uma situação em que uma ex-aluna adolescente me encontrou na rua e no impulso correu e me abraçou. Ela estava sem máscara e a despeito de todas as medidas de proteção correspondi ao seu abraço. Não podia frustrar sua alegria e entusiasmo, principalmente pela gratidão que ela apresentou nesse encontro. Então pensei: “existe um vírus maior que o coronavírus: é o preconceito. Ela não está leprosa. É um ser humano e Jesus tocou em leprosos. A despeito da pandemia não posso tratá-la com indiferença, principalmente por conhecer sua história social”. Outras situações ocorreram e em todas correspondi ao afeto recebido. Depois, ouvi relato de casos de pessoas que foram vítimas de preconceito porque tiveram COVID.

            Contudo, são percebíveis a tristeza e a frustração das crianças porque as escolas estão fechadas. Alguns alunos me perguntaram: “Tio, quando voltam às aulas? ” Apesar de reproduzirem a informação recebidas por pais e a mídia, nunca vivenciaram um momento como esse. Agora todas as emoções estão colocadas à prova e não tem os pais para protege-los como outrora reclamavam da professora e da escola. É algo que está além da força da indignação dos genitores.

            Inda mais, é percebível no olhar a frustração dos professores quando comparecem à escola e sentem nostalgia, um vazio no peito pelo silêncio do prédio outrora cheio de vida pelo barulho, correria e agitação das crianças. Aquela escola cheia de vida, agora é um prédio frio, depositário de documentos, móveis e de expediente burocrático. A pandemia matou a essência da escola que é a comunhão entre estudantes, pais, professores, etc.

2. ASPECTOS SOCIAIS E ECONÔMICOS

            O isolamento social foi uma medida factível para combater o avanço da pandemia e levou os governos a fechar prédios públicos, incluindo as escolas. Então, surgiu a modalidade de trabalho home office ou teletrabalho para que os serviços públicos não fossem totalmente paralisados.

A pandemia trouxe a interrupção abrupta do processo ensino-aprendizagem na escola. Muitos alunos estão em processo de alfabetização e sequer dominam a leitura e escrita. Eles dependem da supervisão direta de um adulto tanto para a motivação como para facilitar a assimilação dos conteúdos. Como esperar que um estudante aprenda a ler sozinho ou que um pai consiga alfabetizar uma criança? É possível, mas não é usual aprender sem a presença de um profissional da educação.

            Consequentemente, os professores tiveram que se adequar ao mundo digital e tecnológico para participar de reuniões online e de lives. As mídias sociais como WhatsApp, Facebook e Youtube se tornaram mais usuais. Contudo, nem todos os profissionais são tão funcionais no mundo digital. A frieza da conversação online substituiu aquelas reuniões repletas de calor humano. Agora, até a orientação e o planejamento didático passam a ser por meio de mídias digitais.

            A pretensão de envolver os alunos nesse universo digital não atingiu as expectativas. As desigualdades sociais entre os estudantes foram apresentadas como o argumento mais pertinente para o insucesso das interfaces entre os discentes e docentes. Aliás, a escola cumpre um papel social muito importante, sendo referência para uma comunidade.

O primeiro aspecto da desigualdade é a vulnerabilidade social de muitas famílias que dependem da escola na alimentação de seus filhos, mais do que a educação em si. Também, muitos pais trabalhadores dependem da escola para cuidar de seus filhos, mesmo que seja em um turno. Portanto, não tem a educação como prioridade e, consequentemente, as crianças não são incentivadas a dar o devido valor ao estudo. Então, distante da mentoria dos mestres e sem o apoio da família, esses estudantes ficarão fadados ao fracasso escolar.

Decorrente desse aspecto, temos a exclusão digital, principalmente nas classes populares situadas nas periferias das grandes cidades. Por isso, as opções de orientação aos estudantes por aula online ou material pela internet não estão acessíveis, embora o celular seja o equipamento usual por adultos, crianças e até moradores de rua. Contudo, a internet não é um recurso universal.

Também, até as escolas não dispõem de recursos suficientes para o contato com as famílias das crianças, tal como telefone celular institucional. Um mesmo celular institucional é utilizado por vários professores e é insuficiente para atender a demanda de contato com as famílias. Logo, a orientação por mídia social é breve, precária e insuficiente. Às vezes, produz mais dúvidas do que certezas.

As atividades pedagógicas não presenciais – APNPs foram apresentadas como estratégia atenuante para a aprendizagem perdida nesse mar de incertezas. Mas cadê o professor? Como avaliar o esforço e o desamino por não dominar as proficiências das questões apresentadas? Claro, as APNPs nivelaram os estudantes ao mesmo patamar meritocrático. Ficaram entregues a sorte de sua aspiração acadêmica, mesmo diante da estrutura prometida que ficou comprometida ao longo do percurso acadêmico.

Por outro lado, professores ficaram receosos até mesmo com a simples manipulação de papéis, mesmo cercando-se de cuidados. Além disso, sucumbiram à angústia quanto ao retorno das aulas sem a devida garantia de segurança sanitária. Um dos fatos que corrobora para esse sofrimento é o bombardeio de notícias na mídia e fake news. Sim, algumas discussões em rede social acusam os professores de leniência ideológica e desinteresse, ignorando suas reais motivações.  Por outro lado, há pais que consideram imprudente enviar seus filhos para escola sem as devidas garantias.

Li vários artigos e algumas lives sobre o tema “A educação na pandemia”. Algumas palestras com argumentos bem repetitivos e repletos de frases genéricas como: “Precisamos nos adequar ao novo normal”. Sim, e daí?

De todas as palestras, quero destacar a exposição do cientista político Daniel Tojeira Cara, na Assembleia Municipal de Educação da Serra – AMED, realizada no 30/09/2020. Em sua palestra disse que a pandemia causou impactos irreversíveis na área da educação, impactando sua qualidade do ensino, estrutura e financiamento. Isto porque a pandemia não representou o incremento de recursos na educação, pois o foco agora dos governos é o investimento na saúde e nos atenuantes da crise econômica.

Concordo com o Daniel Cara, quando ele diz, que a pandemia do coronavírus inevitavelmente compromete ainda mais a qualidade da educação, pois o investimento público vem caindo ao longo dos anos, impactando na formação docente, na estrutura e outros insumos básicos. O investimento é fundamental, pois a educação é cara e o investimento em pessoas demanda tempo e recursos ao longo dos anos. Isto, porque o ser humano não é forjado como ferramenta de fábrica, mas em sua personalidade que é desenvolvida por meio da instrução e das interações sociais durante seu ciclo de vida.

CONCLUSÃO

Tenho opinião é de que o ano de 2020 trouxe resultado inócuo para a aprendizagem das crianças. Tal opinião é corroborada ao saber que alguns pais contrataram aulas particulares para seus filhos. Mas quem não pode, como fica?

Diante da persistência da enfermidade com a 2ª onda, urge necessidade de buscar alternativas para o próximo ano letivo, pois a praga ainda não cessou. Há expectativa de vacina, mas sua aplicação depende da conclusão da fase de testes, como aprovação pela Anvisa e Ministério da Saúde. Então, é precipitado, falar em vacinação em massa, sem existência regular de uma vacina.

A realidade desenhada para educação que todos seriam vacinados antes do início do ano letivo seguinte não se concretizará, porque a aprovação de uma vacina é processo complexo e demorado. Logo, persiste a recomendação da higienização e dos cuidados sanitários, pois estamos rodeados de uma circunstância inevitável e imprevisível que é a pandemia do novo coronavírus. Contudo, ainda há uma esperança para essa geração se incumbirmos da responsabilidade de superar o problema com disciplina e fé.

REFERÊNCIAS

BOTTON, Alain de. As consolações da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2012.

CARA, Daniel Tojeira. Palestra proferida no dia 31/09/2020. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=5AtJ7wrzAy0

CURY. Augusto. O Semeador de Ideias: que atitudes tomaria se o mundo desabasse sobre você? São Paulo: Editora Academia de Inteligência, 2010.

PONDÉ, Luiz Felipe. Entrevista na TV Brasil no dia 31/05/2020. Disponível em https://tvbrasil.ebc.com.br/impressoes/2020/05/epidemia-e-uma-doenca-social-diz-o-filosofo-luiz-felipe-ponde acesso em 18/11/2020.

SERRA, Secretaria Municipal de. Documento de Orientações às Escolas Municipais de Ensino Fundamental para fins de Teletrabalho, 2020.

________ Portaria nº 008/2020. Autoriza a realização e distribuição (impressas ou online) de atividades pedagógicas não presenciais – APNP nas unidades de ensino por meio do regime de teletrabalho e dá outras providências em razão da epidemia de doença infecciosa viral e respiratória – COVID 19 (novo coronavírus).