Professor Gelcimar da
Silva Pereira Nunes
INTRODUÇÃO
Por
força das circunstâncias, fui instado a escrever sobre as consequências da
pandemia viral e respiratória do novo coronavírus (COVID-19) para a educação. Esse
tema tem sido recorrente em reuniões e lives da educação com extensas
repetições de chavões e jargões acadêmicos que beiram o senso comum. A
discussão do tema é importante porque é um fenômeno recente tão presente na vida das
pessoas e traz uma explosão ardente de sentimentos, de frustração e de
esperanças. Logo, uma discussão acadêmica é insuficiente para traduzir esses
reflexos interiores de cada pessoa em sua complexidade.
Esse
artigo foge do rigor do padrão acadêmico com o coletivo de enumerações e citações.
O texto é um relato de experiência compartilhado com os demais docentes neste
momento de pandemia. Então, escolhi alguns aspectos negativos do coronavírus na
educação que foram apreendidos nas escutas dos diálogos com colegas professores,
pais e estudantes.
1 – OS ASPECTOS EMOCIONAIS
A
pandemia trouxe perdas de saúde e de vidas, com impactos emocionais nunca vistos.
Também, acarretou perdas econômicas. Muitos perderam seus empregos e seu padrão
de vida antes estabilizado. E a nossa liberdade foi minguando aos limites de um
confinamento forçado em nome da ciência, às vezes, comprometendo o direito as
liberdades individuais e coletivas previstas na Constituição. Passamos a viver
uma realidade de guerra em todos os aspectos de “Estado de Emergência”.
Em
função da pandemia foram baixados vários atos legais e normativos em âmbito
nacional, estadual e municipal que culminaram com a suspensão das aulas. O
município da Serra baixou até o momento cerca de 30 atos legais entre decretos,
portarias, circulares, normas técnicas e resoluções. Logo, trata-se uma situação
excepcional e que exige cuidados específicos.
Li textos e postagens que
o confinamento na pandemia trouxe o resgate dos valores familiares: aproximou
pais de filhos, marido e esposa, etc. Mostrou o valor da solidariedade, do
repartir, do dividir.... Ajudou as pessoas a redescobrirem o amor e a
misericórdia.
Discordo. O argumento
que resume tudo isto foi apresentado pelo filósofo Luiz Felipe Pondé em
entrevista à TV Brasil no dia 31/05/2020: “A
pandemia é uma doença social”. Isto porque a pandemia gera um sentimento de
insegurança e desespero; um verdadeiro frenesi. As pessoas sentiram que o mundo
desabou sobre as suas cabeças da noite para o dia. Ficaram sem chão, sem
expectativas. Pensamentos catastróficos aterrissaram sobre suas cabeças: “o
apocalipse chegou. Então vamos nos preparar para o fim do mundo”. Inegavelmente, a histeria e o pânico dos
adultos atingiram, também, as crianças. Nesse momento de histeria, pessoas
idosas e pertencentes ao grupo de risco foram segregadas a uma quarentena. Os
idosos foram privados do convívio com parentes, e as crianças foram
consideradas vetores de transmissão do vírus com risco de morte aos avós. Lamentável, mas talvez necessário?... O tempo dirá.
O
fator emocional foi agravado pelo bombardeio de informações na mídia e nas
redes sociais dia e noite. O ápice da notícia era contagem de mortos diários
por COVID-19. Parece que os jornalistas estavam inculcando a seguinte frase: “A próxima vítima pode ser você! ” E o consumo indiscriminado de notícias ruins
e, até mesmo de fake News, prejudicou a saúde mental de muita gente.
Nos
momentos iniciais da pandemia, percebi o apego a fé como válvula de escape para
o enfrentamento do medo e da angústia. As pessoas queriam um fio de esperança nesse
universo de incertezas. Confinadas em seus apartamentos e casas, cantavam
canções religiosas ou seculares com fervor no intuito de quebrarem as amarras
psicológicas da desesperança.
Mas, como explicar para
as crianças que um vírus que teve epicentro na China atravessou o Oceano e
chegou até nós? Crianças maiores podem até entender alguma coisa. E as crianças
pequenas? Como explicar para as crianças que não podem ir para a escola ou
brincar na rua? Que não podem beijar e abraçar os seus avós.
Lembro
de uma situação em que uma ex-aluna adolescente me encontrou na rua e no
impulso correu e me abraçou. Ela estava sem máscara e a despeito de todas as
medidas de proteção correspondi ao seu abraço. Não podia frustrar sua alegria e
entusiasmo, principalmente pela gratidão que ela apresentou nesse encontro.
Então pensei: “existe um vírus maior que
o coronavírus: é o preconceito. Ela não está leprosa. É um ser humano e Jesus
tocou em leprosos. A despeito da pandemia não posso tratá-la com indiferença,
principalmente por conhecer sua história social”. Outras situações ocorreram
e em todas correspondi ao afeto recebido. Depois, ouvi relato de casos de
pessoas que foram vítimas de preconceito porque tiveram COVID.
Contudo,
são percebíveis a tristeza e a frustração das crianças porque as escolas estão
fechadas. Alguns alunos me perguntaram: “Tio, quando voltam às aulas? ” Apesar
de reproduzirem a informação recebidas por pais e a mídia, nunca vivenciaram um
momento como esse. Agora todas as emoções estão colocadas à prova e não tem os
pais para protege-los como outrora reclamavam da professora e da escola. É algo
que está além da força da indignação dos genitores.
Inda
mais, é percebível no olhar a frustração dos professores quando comparecem à
escola e sentem nostalgia, um vazio no peito pelo silêncio do prédio outrora
cheio de vida pelo barulho, correria e agitação das crianças. Aquela escola
cheia de vida, agora é um prédio frio, depositário de documentos, móveis e de
expediente burocrático. A pandemia matou a essência da escola que é a comunhão
entre estudantes, pais, professores, etc.
2. ASPECTOS SOCIAIS E ECONÔMICOS
O
isolamento social foi uma medida factível para combater o avanço da pandemia e
levou os governos a fechar prédios públicos, incluindo as escolas. Então,
surgiu a modalidade de trabalho home office ou teletrabalho para que os
serviços públicos não fossem totalmente paralisados.
A pandemia trouxe a
interrupção abrupta do processo ensino-aprendizagem na escola. Muitos alunos
estão em processo de alfabetização e sequer dominam a leitura e escrita. Eles
dependem da supervisão direta de um adulto tanto para a motivação como para
facilitar a assimilação dos conteúdos. Como esperar que um estudante aprenda a
ler sozinho ou que um pai consiga alfabetizar uma criança? É possível, mas não
é usual aprender sem a presença de um profissional da educação.
Consequentemente,
os professores tiveram que se adequar ao mundo digital e tecnológico para
participar de reuniões online e de lives. As mídias sociais como WhatsApp,
Facebook e Youtube se tornaram mais usuais. Contudo, nem todos os profissionais
são tão funcionais no mundo digital. A frieza da conversação online substituiu
aquelas reuniões repletas de calor humano. Agora, até a orientação e o
planejamento didático passam a ser por meio de mídias digitais.
A
pretensão de envolver os alunos nesse universo digital não atingiu as
expectativas. As desigualdades sociais entre os estudantes foram apresentadas
como o argumento mais pertinente para o insucesso das interfaces entre os
discentes e docentes. Aliás, a escola cumpre um papel social muito importante,
sendo referência para uma comunidade.
O primeiro aspecto da
desigualdade é a vulnerabilidade social de muitas famílias que dependem da
escola na alimentação de seus filhos, mais do que a educação em si. Também, muitos
pais trabalhadores dependem da escola para cuidar de seus filhos, mesmo que
seja em um turno. Portanto, não tem a educação como prioridade e, consequentemente,
as crianças não são incentivadas a dar o devido valor ao estudo. Então,
distante da mentoria dos mestres e sem o apoio da família, esses estudantes ficarão
fadados ao fracasso escolar.
Decorrente desse
aspecto, temos a exclusão digital, principalmente nas classes populares
situadas nas periferias das grandes cidades. Por isso, as opções de orientação
aos estudantes por aula online ou material pela internet não estão acessíveis,
embora o celular seja o equipamento usual por adultos, crianças e até moradores
de rua. Contudo, a internet não é um recurso universal.
Também, até as escolas
não dispõem de recursos suficientes para o contato com as famílias das crianças,
tal como telefone celular institucional. Um mesmo celular institucional é
utilizado por vários professores e é insuficiente para atender a demanda de
contato com as famílias. Logo, a orientação por mídia social é breve, precária
e insuficiente. Às vezes, produz mais dúvidas do que certezas.
As atividades
pedagógicas não presenciais – APNPs foram apresentadas como estratégia
atenuante para a aprendizagem perdida nesse mar de incertezas. Mas cadê o
professor? Como avaliar o esforço e o desamino por não dominar as proficiências
das questões apresentadas? Claro, as APNPs nivelaram os estudantes ao mesmo
patamar meritocrático. Ficaram entregues a sorte de sua aspiração acadêmica,
mesmo diante da estrutura prometida que ficou comprometida ao longo do percurso
acadêmico.
Por outro lado,
professores ficaram receosos até mesmo com a simples manipulação de papéis,
mesmo cercando-se de cuidados. Além disso, sucumbiram à angústia quanto ao
retorno das aulas sem a devida garantia de segurança sanitária. Um dos fatos
que corrobora para esse sofrimento é o bombardeio de notícias na mídia e fake
news. Sim, algumas discussões em rede social acusam os professores de leniência
ideológica e desinteresse, ignorando suas reais motivações. Por outro lado, há pais que consideram
imprudente enviar seus filhos para escola sem as devidas garantias.
Li vários artigos e algumas
lives sobre o tema “A educação na pandemia”. Algumas palestras com argumentos
bem repetitivos e repletos de frases genéricas como: “Precisamos nos adequar ao novo normal”. Sim, e daí?
De todas as palestras,
quero destacar a exposição do cientista político Daniel Tojeira Cara, na Assembleia
Municipal de Educação da Serra – AMED, realizada no 30/09/2020. Em sua palestra
disse que a pandemia causou impactos irreversíveis na área da educação,
impactando sua qualidade do ensino, estrutura e financiamento. Isto porque a
pandemia não representou o incremento de recursos na educação, pois o foco
agora dos governos é o investimento na saúde e nos atenuantes da crise
econômica.
Concordo com o Daniel
Cara, quando ele diz, que a pandemia do coronavírus inevitavelmente compromete
ainda mais a qualidade da educação, pois o investimento público vem caindo ao
longo dos anos, impactando na formação docente, na estrutura e outros insumos
básicos. O investimento é fundamental, pois a educação é cara e o investimento
em pessoas demanda tempo e recursos ao longo dos anos. Isto, porque o ser
humano não é forjado como ferramenta de fábrica, mas em sua personalidade que é
desenvolvida por meio da instrução e das interações sociais durante seu ciclo
de vida.
CONCLUSÃO
Tenho opinião é de que
o ano de 2020 trouxe resultado inócuo para a aprendizagem das crianças. Tal
opinião é corroborada ao saber que alguns pais contrataram aulas particulares
para seus filhos. Mas quem não pode, como fica?
Diante da persistência
da enfermidade com a 2ª onda, urge necessidade de buscar alternativas para o
próximo ano letivo, pois a praga ainda não cessou. Há expectativa de vacina,
mas sua aplicação depende da conclusão da fase de testes, como aprovação pela
Anvisa e Ministério da Saúde. Então, é precipitado, falar em vacinação em
massa, sem existência regular de uma vacina.
A realidade desenhada
para educação que todos seriam vacinados antes do início do ano letivo seguinte
não se concretizará, porque a aprovação de uma vacina é processo complexo e
demorado. Logo, persiste a recomendação da higienização e dos cuidados
sanitários, pois estamos rodeados de uma circunstância inevitável e
imprevisível que é a pandemia do novo coronavírus. Contudo, ainda há uma esperança
para essa geração se incumbirmos da responsabilidade de superar o problema com
disciplina e fé.
REFERÊNCIAS
BOTTON, Alain de. As consolações da Filosofia. São Paulo:
Saraiva, 2012.
CARA, Daniel Tojeira. Palestra proferida
no dia 31/09/2020. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=5AtJ7wrzAy0
CURY.
Augusto. O Semeador de Ideias: que atitudes tomaria se o mundo desabasse sobre
você? São Paulo: Editora Academia de Inteligência, 2010.
PONDÉ, Luiz Felipe. Entrevista
na TV Brasil no dia 31/05/2020. Disponível em https://tvbrasil.ebc.com.br/impressoes/2020/05/epidemia-e-uma-doenca-social-diz-o-filosofo-luiz-felipe-ponde
acesso em 18/11/2020.
SERRA, Secretaria
Municipal de. Documento de Orientações
às Escolas Municipais de Ensino Fundamental para fins de Teletrabalho,
2020.
________ Portaria nº 008/2020. Autoriza a
realização e distribuição (impressas ou online) de atividades pedagógicas não
presenciais – APNP nas unidades de ensino por meio do regime de teletrabalho e
dá outras providências em razão da epidemia de doença infecciosa viral e
respiratória – COVID 19 (novo coronavírus).