Professor
Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUÇÃO
Acredito
que cada texto é uma conversa, um diálogo, um relato das experiências
apreendidas pelos órgãos dos sentidos. Por isto, meus textos têm esse caráter
autobiográfico, fugindo do expediente burocrático da academia, que impõe ao
estudante uma compilação de citações e comentários. Logo, a fonte onde busco as abstrações são as
rodas de conversas e a observação do mundo ao redor.
Atualmente,
é inevitável a discussão sobre o avanço da pandemia do novo coronavírus no
Brasil e no mundo, falar da prevenção e das perdas de pessoas tão próximas. Inda
mais no interior da escola e das residências. Então, trago o relato das
percepções nas conversas com colegas da área da educação, com pais, alunos e
amigos. Isto proporciona uma reflexão sobre acontecimentos atuais e as
perspectivas que nos cercam. Acredito que o extrato da realidade está presente
entre nós e basta apenas um pouco de abstração para descrevê-la com o poder das
palavras.
A ESCOLA E A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Com a internet, as redes sociais e
WhatsApp ganharam impulso de consumo sem precedentes. A comunicação online
ganhou vida artificial capaz de tocar nas emoções mais profundas, até mesmo,
das pessoas antes insensíveis. O uso da tecnologia ganhou toques de necessidade
básica de sobrevivência em meio ao caótico bombardeio de informações.
O
mundo moderno é marcado pela tecnologia da informação e a geração atual tem o
uso do aparelho celular como essencial para a vida. Até as crianças são
moldadas ao consumo do entretenimento digital como distração sedentária para
que os pais possam acomodar a sua rotina sem as interrupções no cuidado
infantil. Por outro lado, a tecnologia empobreceu a verbalização do afeto entre
pessoas, inclusive dentro da própria família. Há muita conversa online e pouco
diálogo entre pais e filhos. Hoje, pessoas têm muitos seguidores e poucos
amigos. A cultura do exibicionismo da alegria artificial tem sido um
subterfúgio para esconder uma vida medíocre e fútil.
Infelizmente, esse padrão de
comportamento atual, de alguma forma, afeta a escola. Será que casos de
inquietação de estudantes na escola que tem relação com a abstinência do vício
digital? Será que a dificuldade de memorização de conceitos e informações acadêmicas
tem relação com o abusivo consumo de cultura inútil, devoradas pela internet?
Claro, é uma hipótese para investigação o porquê de uma criança saber nomes
completos de artistas, letras de música, narrar com desenvoltura casos e não
conseguir absorver conceitos básicos da gramática, da aritmética e não saber produzir
texto oral e escrito.
Há quem defenda o uso do celular na
escola como ferramenta didática. É um debate inconclusivo com opiniões favoráveis
e contrárias. Porém, tem-se observado que a utilização dessa estratégia tem
prevalecido no ensino médio, no ensino superior e em pouquíssimas escolas de
ensino fundamental II.
No
ensino fundamental público, nossa experiência atual mostra transtornos causados
por distrações em sala de aula, quando um estudante traz celular para a escola.
No caso das crianças em fase de alfabetização, quando alguma delas traz o
celular, há curiosidade e constrangimentos entre os estudantes. Por isto, a
maioria dos regimentos escolares dos estabelecimentos de ensino público proíbe
o uso do aparelho celular na escola.
As privações da pandemia, trouxe
para as escolas a vanguarda da tecnologia com as ferramentas digitais, até
então, desconhecidas pela maioria dos educadores. Por consequência, a
utilização de aplicativos e estratégias de comunicação online para reunião e
planejamento didático foi uma adaptação imposta aos professores pela cruel
realidade.
Também,
as escolas particulares e universidades tiveram que mudar suas estratégias para
oferecer a modalidade de ensino à distância aos estudantes. Sai de cena, o
confronto direto da aula expositiva e a aglomeração dos grupos de estudo
dirigido e surge a aula online com simultâneas salas de bate-papo entre
professor e estudantes. Agora, prostrados diante do computador com cadernos e
livros fazem o ritual do sacrifício acadêmico sem a presença física do
sacerdote do saber. Antes, o ápice da aferição do aprendizado era o duelo do
estudante com o papel da prova. Parecia que as questões queriam derrubar e
levar à lona o cérebro alimentado com afinco nas aulas e estudos individuais.
Agora, as provas são online com recursos digitais como o Google/Forms e outros.
Parece
que esse desafio de se adaptar ao formato de aula e atividades online, instiga
a curiosidade e autodisciplina com relação ao tempo e ao próprio aprendizado,
principalmente nos estudantes do ensino superior. Mas, a reclamação é de que
empobrece os estudos, sem a experiência das aulas práticas e interfere na
formação discente. Como um estudante de mecânica vai ter aprendizagem efetiva
sem aulas práticas? Outro problema é que os estudantes com mais dificuldade
ficam privados do atendimento individualizado, visto que presencialmente o
professor não está acessível.
No entanto, a utilização da internet
e das redes sociais pelas escolas públicas é repleta de timidez e cuidados. Por
anos, os gestores dessas escolas veem com cautela o uso da tecnologia da
informação para interagir com a comunidade escolar e local. Isto porque o caminhar
no mundo digital e tecnológico obriga a escola a cercar-se de registros e
documentos no tocante ao uso de imagens de pessoas, direitos autorais e
possíveis implicações administrativas e jurídicas. Lamentavelmente, muita
produção rica de conhecimentos é desperdiçada no ostracismo por mera precaução.
A abusiva formalidade privou os profissionais da educação de ousarem na
interação online com os estudantes e suas famílias, pois tudo deve ser
documentado e arquivado na escola. Inclusive, até um recado a pais, por
telefone, deve ter registro de data, horário e de quem atendeu. Para um
professor com atividade intensa na escola, isso beira o excesso de zelo.
Ora, a tecnologia da informação é um
fenômeno recente para as escolas públicas bem como a inclusão digital de
crianças e adolescentes. Para muitos professores, a informática se restringe ao
uso do computador para editar textos e planilhas. Isto confronta com o
aprendizado de muitos estudantes que utilizam aplicativos e ferramentas
digitais. Para as crianças e adolescentes, baixar músicas, jogos e vídeos é
mais cômodo do que comprar CD/DVD ou até mesmo a leitura de um livro. Logo,
entender essa demanda é um desafio para os educadores que não são versáteis no
mundo digital. Por outro lado, a escola não tem os recursos da tecnologia
educacional que vá em direção a essa demanda.
Na pandemia, a utilização das redes
sociais como Facebook, Instagram e outros se restringiu a mensagem de otimismo
de professores aos alunos, sem o aspecto de metodologia didática. Outro
argumento restritivo, foi a denúncia de que a maioria dos estudantes não dispõe
de internet e dos conhecimentos necessários para dominar a tecnologia da
informação. Logo, o discurso da equidade soou no horizonte escolar em
conformidade com o zelo docente. Seria, então, esse motivo porque parcela
ínfima de pais de estudantes solicitou o envio de atividades online para os
seus filhos?
Em
tempo de pandemia, as escolas ofereceram Atividades Pedagógicas Não Presenciais
– APNPs. No início, alguns professores disponibilizaram telefone para contato
com as famílias. A orientação era que os pais e alunos dialogariam com os
regentes em horário do teletrabalho. Porém, a orientação pedagógica não fluiu
como o esperado, causando dúvidas e insatisfação entre os docentes e discentes.
Isto, porque o contato inesperado à noite e até final de semana passou a
interferir na rotina privada do professor. Então, a partir do relato de
colegas, os professores de outras escolas abandonaram essa estratégia,
inclusive com o uso do WhatsApp como metodologia de ensino.
Na
entrega das Atividades Pedagógicas Não Presenciais – APNPs eram percebíveis a
nostalgia e a insegurança no rosto dos pais de estudantes. Para eles, a
distância afetiva da escola era maior do que o percurso da locomoção. Era um
sentimento de perda, de abandono de propósito ver uma escola vazia, sem vida,
em minutos intensos de silêncio. É compreensível os cuidados da frieza da
formalidade sanitária, mas é difícil aceitar essa realidade de ruptura da
cultura do ensino escolar. Para os pais, a escola se tornara um santuário
despido dos rituais do saber para ter um expediente de orientações e
instruções.
A ESCOLA E A SUBJETIVIDADE DAS RELAÇÕES
HUMANAS
Quisera
expressar com mais fidedignidade toda percepção sensorial quanto rompimento
abrupto do contato diário da escola com as famílias. Daquele momento em que
pais ou mãe abordavam os professores na entrada das turmas para obter
informações sobre seus filhos. Às vezes, o professor queria se desvencilhar
daquela abordagem tão incisiva para acompanhar os educandos na fila e
adentrá-los na sala de aula. Era o confronto direto da comunicação no qual a
dialética da opinião divergente se manifestava espontaneamente. E, nessa troca
de informações, os sentimentos de ambos (docentes e família) fluíam
reflexivamente em prol do estudante. Mas, o interessante é que a ignorância
sobre a nuance da personalidade da criança se manifestava diante da
intelectualidade do professor e o senso comum do pais de alunos. Tal
complexidade do ser humano desde a tenra infância intriga a todos, pois a
educação da criança não obedece ao padrão de fábrica. Envolve sentimentos,
intelectualidade e motivação.
Agora com a suspensão das aulas
presenciais nas escolas, percebo a melancolia no rosto dos professores e das
famílias quando encontram a escola vazia, sem aquela agitação habitual causada pela
aglomeração dos estudantes em diferentes momentos no prédio escolar. Os
professores sentem falta daquele pedido insistente de silêncio ou até da
repreensão dada àqueles estudantes mais afoitos em sua imaturidade infantil
que, por vezes, causavam conflitos na aula e com colegas.
Com
nostalgia, os mestres trazem à lembrança a adrenalina aflorada em momento de
tensão quando esgotava os esforços de ajustamento de alguns discípulos à
escola, bem como o conhecimento do educador e as estratégias do educandário.
Então, o professor era desafiado a ser um pesquisador do seu próprio insucesso
e do fracasso escolar do educando. Formava-se a rede de informações entre os
professores com relatos de experiência, sugestões e solidariedade entre
docentes. Também, a conversa com os pais das crianças não era apenas um balcão
de reclamações e reivindicações, mas, também, era uma fonte de pesquisa para o
educador sobre as metodologias do ensino que não foram contempladas na
academia.
Por
isto, trago à memória o calor humano presente nas conversas da sala do
professor, onde a espontaneidade do riso proporcionava ideias em flor. Não era
apenas pela oralidade espontânea, mas pelo companheirismo solidário que
confortava uns aos outros em seus conflitos pessoais e no resgaste da autoestima
do colega. Logo, a sala do professor rompia aquela formalidade, fria e vazia e
trazia aquela conversa amistosa e intimista.
A
sala de professores é ambiente de estudo e planejamento que traz a sensação de
leveza, equilíbrio e flexibilidade nas relações humanas para celebrar a alegria
de ser educador, mesmo nos dias de adversidade. Então, percebo que esse
ambiente é o diagnóstico do relacionamento interpessoal no ambiente escolar
como todo, pois, se não houver harmonia entre os educadores, isto refletirá na
escola como um todo.
Nos
tempos de pandemia, foi-se a glória das conversas nas salas da pedagogia e da
direção onde o aprendizado da criança era colocado no centro do debate escolar.
Nessa sala eram organizadas ideias e esperanças de aprendizado escolar como o
desenho de uma paisagem de sucesso. Ali os pais entretecidos pela ansiedade, com
cobranças e reclamações aguardavam respostas segundo a natureza do seu coração.
Agora,
a aproximação entre escola e famílias tem a máscara da frieza do distanciamento
social e das recomendações sanitárias. Como todas as instituições a escola
aboliu a liberdade do calor do abraço e a energia do aperto de mãos. A ousadia
do encontro e do confronto direto foi substituída pelo temor em receber a
visita do intruso bichinho invisível. E, agora refém do medo, todas as pessoas
são suspeitas de contaminação como se fossem leprosas: tem de ficar a distância
e não pode tocar para não contaminar alguém.
CONCLUSÃO
Então,
passo a defender a retirada de todas as máscaras: a máscara do medo, a máscara
da indiferença, a máscara da hipocrisia, a máscara da manipulação política, a
máscara do preconceito, etc. Claro, a pandemia nos obrigou a usar todos os
tipos de máscaras de pano ou cirúrgica, mas deveria ser a oportunidade para
arrancar as máscaras invisíveis. Embora, depois de algum tempo, essas máscaras
encharquem e caem, revelando o verdadeiro caráter de muitas pessoas. Claro,
todos nós usamos máscaras para não revelarmos a nossa verdadeira identidade e
nos proteger do massacre do julgamento alheio. A escola não se isenta da regra
quanto ao fracasso escolar, mascarado na promoção de estudantes que não dominam
as proficiências básica.
REFERÊNCIAS:
Vou citar
algumas obras que me inspiraram na escrita do texto.
ALVES, Rubem. Um
Céu Numa Flor Silvestre: a Beleza Em Todas as Coisas. Campinas: Verus,
2009.
BOTTON,
Alain de. Desejo de Status. Tradução de Ryta Vinagre. Rio de
Janeiro: Rocco, 2005.
CHALITA, Gabriel. Educação: A
solução está no afeto. Rio de Janeiro: Editora da Gente, 2001.
CURY.
Augusto. O Semeador de Ideias: que atitudes tomaria se o mundo desabasse sobre
você? São Paulo: Editora Academia de Inteligência, 2010.
LUCADO,
Max. Viver sem Medo:
redescobrindo uma vida de tranquilidade e paz interior. Tradução de Bárbara
Coutinho e Leonardo Barroso. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2009.
WOOD, John
Keith. Abordagem centrada na pessoa.
3ª ed., Vitória: Edufes, 2008