segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

PANDEMIA: COMUNICAÇÃO ENTRE ESCOLA E FAMÍLIAS

 

Fonte: google.com.br/imagens

Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes

INTRODUÇÃO

Acredito que cada texto é uma conversa, um diálogo, um relato das experiências apreendidas pelos órgãos dos sentidos. Por isto, meus textos têm esse caráter autobiográfico, fugindo do expediente burocrático da academia, que impõe ao estudante uma compilação de citações e comentários.  Logo, a fonte onde busco as abstrações são as rodas de conversas e a observação do mundo ao redor.

Atualmente, é inevitável a discussão sobre o avanço da pandemia do novo coronavírus no Brasil e no mundo, falar da prevenção e das perdas de pessoas tão próximas. Inda mais no interior da escola e das residências. Então, trago o relato das percepções nas conversas com colegas da área da educação, com pais, alunos e amigos. Isto proporciona uma reflexão sobre acontecimentos atuais e as perspectivas que nos cercam. Acredito que o extrato da realidade está presente entre nós e basta apenas um pouco de abstração para descrevê-la com o poder das palavras.

A ESCOLA E A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO

            Com a internet, as redes sociais e WhatsApp ganharam impulso de consumo sem precedentes. A comunicação online ganhou vida artificial capaz de tocar nas emoções mais profundas, até mesmo, das pessoas antes insensíveis. O uso da tecnologia ganhou toques de necessidade básica de sobrevivência em meio ao caótico bombardeio de informações.

O mundo moderno é marcado pela tecnologia da informação e a geração atual tem o uso do aparelho celular como essencial para a vida. Até as crianças são moldadas ao consumo do entretenimento digital como distração sedentária para que os pais possam acomodar a sua rotina sem as interrupções no cuidado infantil. Por outro lado, a tecnologia empobreceu a verbalização do afeto entre pessoas, inclusive dentro da própria família. Há muita conversa online e pouco diálogo entre pais e filhos. Hoje, pessoas têm muitos seguidores e poucos amigos. A cultura do exibicionismo da alegria artificial tem sido um subterfúgio para esconder uma vida medíocre e fútil.  

            Infelizmente, esse padrão de comportamento atual, de alguma forma, afeta a escola. Será que casos de inquietação de estudantes na escola que tem relação com a abstinência do vício digital? Será que a dificuldade de memorização de conceitos e informações acadêmicas tem relação com o abusivo consumo de cultura inútil, devoradas pela internet? Claro, é uma hipótese para investigação o porquê de uma criança saber nomes completos de artistas, letras de música, narrar com desenvoltura casos e não conseguir absorver conceitos básicos da gramática, da aritmética e não saber produzir texto oral e escrito.

            Há quem defenda o uso do celular na escola como ferramenta didática. É um debate inconclusivo com opiniões favoráveis e contrárias. Porém, tem-se observado que a utilização dessa estratégia tem prevalecido no ensino médio, no ensino superior e em pouquíssimas escolas de ensino fundamental II. 

No ensino fundamental público, nossa experiência atual mostra transtornos causados por distrações em sala de aula, quando um estudante traz celular para a escola. No caso das crianças em fase de alfabetização, quando alguma delas traz o celular, há curiosidade e constrangimentos entre os estudantes. Por isto, a maioria dos regimentos escolares dos estabelecimentos de ensino público proíbe o uso do aparelho celular na escola.

            As privações da pandemia, trouxe para as escolas a vanguarda da tecnologia com as ferramentas digitais, até então, desconhecidas pela maioria dos educadores. Por consequência, a utilização de aplicativos e estratégias de comunicação online para reunião e planejamento didático foi uma adaptação imposta aos professores pela cruel realidade.

Também, as escolas particulares e universidades tiveram que mudar suas estratégias para oferecer a modalidade de ensino à distância aos estudantes. Sai de cena, o confronto direto da aula expositiva e a aglomeração dos grupos de estudo dirigido e surge a aula online com simultâneas salas de bate-papo entre professor e estudantes. Agora, prostrados diante do computador com cadernos e livros fazem o ritual do sacrifício acadêmico sem a presença física do sacerdote do saber. Antes, o ápice da aferição do aprendizado era o duelo do estudante com o papel da prova. Parecia que as questões queriam derrubar e levar à lona o cérebro alimentado com afinco nas aulas e estudos individuais. Agora, as provas são online com recursos digitais como o Google/Forms e outros.

Parece que esse desafio de se adaptar ao formato de aula e atividades online, instiga a curiosidade e autodisciplina com relação ao tempo e ao próprio aprendizado, principalmente nos estudantes do ensino superior. Mas, a reclamação é de que empobrece os estudos, sem a experiência das aulas práticas e interfere na formação discente. Como um estudante de mecânica vai ter aprendizagem efetiva sem aulas práticas? Outro problema é que os estudantes com mais dificuldade ficam privados do atendimento individualizado, visto que presencialmente o professor não está acessível.

            No entanto, a utilização da internet e das redes sociais pelas escolas públicas é repleta de timidez e cuidados. Por anos, os gestores dessas escolas veem com cautela o uso da tecnologia da informação para interagir com a comunidade escolar e local. Isto porque o caminhar no mundo digital e tecnológico obriga a escola a cercar-se de registros e documentos no tocante ao uso de imagens de pessoas, direitos autorais e possíveis implicações administrativas e jurídicas. Lamentavelmente, muita produção rica de conhecimentos é desperdiçada no ostracismo por mera precaução. A abusiva formalidade privou os profissionais da educação de ousarem na interação online com os estudantes e suas famílias, pois tudo deve ser documentado e arquivado na escola. Inclusive, até um recado a pais, por telefone, deve ter registro de data, horário e de quem atendeu. Para um professor com atividade intensa na escola, isso beira o excesso de zelo.

            Ora, a tecnologia da informação é um fenômeno recente para as escolas públicas bem como a inclusão digital de crianças e adolescentes. Para muitos professores, a informática se restringe ao uso do computador para editar textos e planilhas. Isto confronta com o aprendizado de muitos estudantes que utilizam aplicativos e ferramentas digitais. Para as crianças e adolescentes, baixar músicas, jogos e vídeos é mais cômodo do que comprar CD/DVD ou até mesmo a leitura de um livro. Logo, entender essa demanda é um desafio para os educadores que não são versáteis no mundo digital. Por outro lado, a escola não tem os recursos da tecnologia educacional que vá em direção a essa demanda.

            Na pandemia, a utilização das redes sociais como Facebook, Instagram e outros se restringiu a mensagem de otimismo de professores aos alunos, sem o aspecto de metodologia didática. Outro argumento restritivo, foi a denúncia de que a maioria dos estudantes não dispõe de internet e dos conhecimentos necessários para dominar a tecnologia da informação. Logo, o discurso da equidade soou no horizonte escolar em conformidade com o zelo docente. Seria, então, esse motivo porque parcela ínfima de pais de estudantes solicitou o envio de atividades online para os seus filhos?

Em tempo de pandemia, as escolas ofereceram Atividades Pedagógicas Não Presenciais – APNPs. No início, alguns professores disponibilizaram telefone para contato com as famílias. A orientação era que os pais e alunos dialogariam com os regentes em horário do teletrabalho. Porém, a orientação pedagógica não fluiu como o esperado, causando dúvidas e insatisfação entre os docentes e discentes. Isto, porque o contato inesperado à noite e até final de semana passou a interferir na rotina privada do professor. Então, a partir do relato de colegas, os professores de outras escolas abandonaram essa estratégia, inclusive com o uso do WhatsApp como metodologia de ensino.

Na entrega das Atividades Pedagógicas Não Presenciais – APNPs eram percebíveis a nostalgia e a insegurança no rosto dos pais de estudantes. Para eles, a distância afetiva da escola era maior do que o percurso da locomoção. Era um sentimento de perda, de abandono de propósito ver uma escola vazia, sem vida, em minutos intensos de silêncio. É compreensível os cuidados da frieza da formalidade sanitária, mas é difícil aceitar essa realidade de ruptura da cultura do ensino escolar. Para os pais, a escola se tornara um santuário despido dos rituais do saber para ter um expediente de orientações e instruções.

A ESCOLA E A SUBJETIVIDADE DAS RELAÇÕES HUMANAS 

Quisera expressar com mais fidedignidade toda percepção sensorial quanto rompimento abrupto do contato diário da escola com as famílias. Daquele momento em que pais ou mãe abordavam os professores na entrada das turmas para obter informações sobre seus filhos. Às vezes, o professor queria se desvencilhar daquela abordagem tão incisiva para acompanhar os educandos na fila e adentrá-los na sala de aula. Era o confronto direto da comunicação no qual a dialética da opinião divergente se manifestava espontaneamente. E, nessa troca de informações, os sentimentos de ambos (docentes e família) fluíam reflexivamente em prol do estudante. Mas, o interessante é que a ignorância sobre a nuance da personalidade da criança se manifestava diante da intelectualidade do professor e o senso comum do pais de alunos. Tal complexidade do ser humano desde a tenra infância intriga a todos, pois a educação da criança não obedece ao padrão de fábrica. Envolve sentimentos, intelectualidade e motivação.

            Agora com a suspensão das aulas presenciais nas escolas, percebo a melancolia no rosto dos professores e das famílias quando encontram a escola vazia, sem aquela agitação habitual causada pela aglomeração dos estudantes em diferentes momentos no prédio escolar. Os professores sentem falta daquele pedido insistente de silêncio ou até da repreensão dada àqueles estudantes mais afoitos em sua imaturidade infantil que, por vezes, causavam conflitos na aula e com colegas.

Com nostalgia, os mestres trazem à lembrança a adrenalina aflorada em momento de tensão quando esgotava os esforços de ajustamento de alguns discípulos à escola, bem como o conhecimento do educador e as estratégias do educandário. Então, o professor era desafiado a ser um pesquisador do seu próprio insucesso e do fracasso escolar do educando. Formava-se a rede de informações entre os professores com relatos de experiência, sugestões e solidariedade entre docentes. Também, a conversa com os pais das crianças não era apenas um balcão de reclamações e reivindicações, mas, também, era uma fonte de pesquisa para o educador sobre as metodologias do ensino que não foram contempladas na academia.

Por isto, trago à memória o calor humano presente nas conversas da sala do professor, onde a espontaneidade do riso proporcionava ideias em flor. Não era apenas pela oralidade espontânea, mas pelo companheirismo solidário que confortava uns aos outros em seus conflitos pessoais e no resgaste da autoestima do colega. Logo, a sala do professor rompia aquela formalidade, fria e vazia e trazia aquela conversa amistosa e intimista.

A sala de professores é ambiente de estudo e planejamento que traz a sensação de leveza, equilíbrio e flexibilidade nas relações humanas para celebrar a alegria de ser educador, mesmo nos dias de adversidade. Então, percebo que esse ambiente é o diagnóstico do relacionamento interpessoal no ambiente escolar como todo, pois, se não houver harmonia entre os educadores, isto refletirá na escola como um todo.

Nos tempos de pandemia, foi-se a glória das conversas nas salas da pedagogia e da direção onde o aprendizado da criança era colocado no centro do debate escolar. Nessa sala eram organizadas ideias e esperanças de aprendizado escolar como o desenho de uma paisagem de sucesso. Ali os pais entretecidos pela ansiedade, com cobranças e reclamações aguardavam respostas segundo a natureza do seu coração.

Agora, a aproximação entre escola e famílias tem a máscara da frieza do distanciamento social e das recomendações sanitárias. Como todas as instituições a escola aboliu a liberdade do calor do abraço e a energia do aperto de mãos. A ousadia do encontro e do confronto direto foi substituída pelo temor em receber a visita do intruso bichinho invisível. E, agora refém do medo, todas as pessoas são suspeitas de contaminação como se fossem leprosas: tem de ficar a distância e não pode tocar para não contaminar alguém.

CONCLUSÃO

Então, passo a defender a retirada de todas as máscaras: a máscara do medo, a máscara da indiferença, a máscara da hipocrisia, a máscara da manipulação política, a máscara do preconceito, etc. Claro, a pandemia nos obrigou a usar todos os tipos de máscaras de pano ou cirúrgica, mas deveria ser a oportunidade para arrancar as máscaras invisíveis. Embora, depois de algum tempo, essas máscaras encharquem e caem, revelando o verdadeiro caráter de muitas pessoas. Claro, todos nós usamos máscaras para não revelarmos a nossa verdadeira identidade e nos proteger do massacre do julgamento alheio. A escola não se isenta da regra quanto ao fracasso escolar, mascarado na promoção de estudantes que não dominam as proficiências básica.

 

REFERÊNCIAS:

Vou citar algumas obras que me inspiraram na escrita do texto.

ALVES, Rubem. Um Céu Numa Flor Silvestre: a Beleza Em Todas as Coisas. Campinas: Verus, 2009.

BOTTON, Alain de. Desejo de Status. Tradução de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

CHALITA, Gabriel. Educação: A solução está no afeto. Rio de Janeiro: Editora da Gente, 2001.

CURY. Augusto. O Semeador de Ideias: que atitudes tomaria se o mundo desabasse sobre você? São Paulo: Editora Academia de Inteligência, 2010.

LUCADO, Max. Viver sem Medo: redescobrindo uma vida de tranquilidade e paz interior. Tradução de Bárbara Coutinho e Leonardo Barroso. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2009.

WOOD, John Keith. Abordagem centrada na pessoa. 3ª ed., Vitória: Edufes, 2008