Professor Gelcimar da
Silva Pereira Nunes
Imagem: greenne.com.br acesso em 07/09/2021
INTRODUÇÃO
A
caminhada pode ser um bom momento para a meditação e a oração. É um momento em
que você pode dialogar com Deus, consigo e fluir ideias em brasa. Então, o mover dos pensamentos
atinge os estágios mais remotos da história para expô-los de forma didática.
Nisto, consiste a reflexão sobre a vida e todas as suas nuances.
Sempre
cito a frase do escritor Igor Oliveira Ferreira: “Para a criança a vida é uma
descoberta; para o jovem, uma aventura. Para o adulto a vida é uma missão, e
para o idoso, uma dádiva”.
Apesar
dessa sábia reflexão, a vida se apresenta de forma cíclica com raras variações.
Às vezes, pesam os sacrifícios e as responsabilidades e surge a percepção de um
fardo a carregar diariamente. Para alguns a vida é “matar um leão todos
os dias”. Isto porque a realidade apresenta a dificuldade e a
injustiça como sua face mais ardil para aqueles que perseguem os seus
objetivos.
Por outro lado, não há como ficar indiferente a
todas intempéries, anestesiar a consciência e ignorar a dor. Somos todos parte
de um ecossistema e nossa individualidade não exclui a socialização. Somos
seres sociais e nossa vida depende dessa convivência e, mesmo em momentos de
conflito, podemos extrair um rico aprendizado.
I – A VIDA É UM BEM COMPARTILHADO
Há tempos acreditava que a vida era só minha e
sobre ela teria total controle e responsabilidade. Mas, com o tempo, aprendi
que, na maioria das vezes, “a minha vontade é a vontade dos outros”.
Isto porque estamos sempre debaixo de autoridade: do patrão, das regras dos
ambientes que frequentamos, etc. Há uma coerção social que delimita o alcance
da liberdade e nos impõe responsabilidades. Então, a liberdade consiste em
fazer tudo que é permitido, honrar a ética e os costumes. A escolha surge
porque não estamos presos a um determinismo de fazer o que é moralmente bom e,
por isto, muitos preferem o mal no afã da satisfação pessoal. A liberdade é uma
questão ética e implica valores moralmente aceitáveis perante a sociedade ou um
grupo social. Pensar a liberdade como um fator individual sem conexão com a
vida social nos leva a transgressão, aos excessos, à libertinagem. Então, pensar
a vida como bem exclusivo (“a vida é minha, faço o que quero”) nos conduz ao
individualismo e a busca desenfreada da satisfação pessoal, baseada na razão.
Todos nós estamos entrelaçados pela história,
pela política, pela cultura e pelas relações sociais. Pela história que nos
concedeu a língua e a cultura e é o berço do conhecimento dos antepassados que
nos é transmitido pela família, pela sociedade e pela instrução escolar.
Também, não podemos negar que a nossa vida é atingida por decisões políticas
que interferem em coisas tão simples como preços de alimentos. Portanto, como
ser social, o homem é dependente de relacionamentos para sua sobrevivência como
espécie.
Compreender a vida como um bem compartilhado é complicado.
Ninguém aceita dividir sua vida com alguém que não seja de sua confiança. Seria
aplicar-se em um investimento de risco de tê-la exposta por alguém moralmente
suspeito. Aliás, queremos expor em varais as nossas virtudes e esconder nossos
vícios em vasos. Isto justifica o amor aos elogios, a cortesia e aos afagos
acima de qualquer crítica ou repreensão de um comportamento impróprio ou vícios.
Quando me refiro a vícios, cito tudo que não é virtude, que nos prejudica ou
aos outros, de alguma forma.
Em uma multidão, selecionamos um grupo de
pessoas conhecidas. Dentre pessoas conhecidas, elegemos nossos amigos e dentre
eles, adentramos poucos para o nosso círculo íntimo. Dentre várias definições
de amizade, considero esta citação muito interessante: “a amizade é uma
forma de expressarmos o amor, a lealdade e a confiança”. Observe, que a
citação não focaliza a perfeição, a excelência das virtudes ou ausência de
vícios, mas o altruísmo da lealdade e da confiança mesmo nos momentos mais
difíceis. É isto que faz a diferença entre amigos e conhecidos. Às vezes,
alguns conhecidos advogam o direito de declararem-se amigo de alguém para
usufruto próprio ou retribuição. Isto é ilusão. Amizade implica na arte da
convivência e do conhecimento recíproco e está acima dos próprios interesses.
A vida é uma via de mão dupla com o próximo. Na
primeira via estão as nossas ações e na via oposta estão as consequências.
Andar na via é honrar a ética e os bons costumes, por meio de boas escolhas com
uma consciência livre e limpa. Tudo começa com a boa consciência, ilustrada pela
correta orientação do caminho, do caminhar. Por conseguinte, outras pessoas são
beneficiadas quando honramos a ética e os bons costumes e se deleitam com os
seus resultados.
Isto implica em responsabilidade, pois nossas
decisões podem impactar a vida de muitas pessoas com quem relacionamos e até
desconhecidos. Então, principalmente nos momentos de ódio e dor, devemos vigiar
as nossas palavras e atitudes, pois podem impactar negativamente a vida do
próximo. Alguns arrependimentos são tardios e incapazes de reparar o mal
provocado.
Logo, deve ser pensada as consequências antes de
pensar: “a vida é minha e faço o que quero!” pois todas as ações geram
consequências. Como exemplo: todos nós sofremos as decorrências das
fatalidades da história: as guerras, a escravidão, a exclusão social, etc. O
argumento do estudo da história se justifica pelas consequências dos fatos
históricos e como impactaram a cultura, a política, a vida em sociedade...
Enfim, a vida de todos os brasileiros.
II – A VIDA É BEM DADO AO MUNDO
Quando pensamos a vida como algo revestido de
propósito, chegamos ao ponto crucial da existência. Certa vez, o conferencista
Miles Munroe (1954 – 2014) disse que toda a humanidade e a ciência buscam
respostas para as seguintes perguntas: “De onde vim?”; “O que posso
fazer?”; “Por que existo?”; “Para onde vou?”
A primeira pergunta exige resposta sobre a
origem; a segunda, sobre a capacidade; a terceira, sobre a finalidade e a
quarta, sobre o destino de cada pessoa. Parece que os cientistas, contaminados
pela concepção sensual empirista, não admitem respostas que não envolvam dados
mensuráveis ou manipuláveis. Logo, para eles, os registros canônicos não podem
ser fonte de pesquisa. Então, ficarão à mercê de hipóteses e teorias sobre o
universo a partir das subjetividades de exíguos fósseis e fragmentos antigos.
Quanto a segunda e terceira pergunta, temos a
seguinte resposta: “ninguém foi criado para ocupar inutilmente a Terra”.
Nós temos habilidades porque a nossa vida é revestida de um propósito. Esse
designo inclui habilidades e vai além dos interesses pessoais. Nada nos foi
concedido para usufruto próprio ou para enobrecer o ego. Ou seja, nossas
habilidades são dirigidas para comunicar a grandeza da solidariedade orgânica a
pessoas conhecidas e desconhecidas. Por isto, o nosso propósito é praticar a
virtude e servir ao próximo.
Nos evangelhos canônicos, Jesus disse aos
discípulos: “vos nomeei, para que vades (ao mundo) e deis fruto, e o
vosso fruto permaneça...” (João 15.16). Entendemos, nessa citação, que
nossa vida é uma dádiva dada ao mundo para inspirar pessoas por meio da prática
das virtudes mais excelentes do cristianismo. Isto implica na missão de ir ao
mundo para apresentar a verdade como uma personalidade eficaz.
Quando se fala em verdade já se pensa em algo
banalizado, subjetivo e de valor relativo. Hoje se fala em verdades, palpites e
diferentes pontos de vista. Porém me recuso a patinar no terreno da
subjetividade científica e da relatividade da razão humana. A subjetividade e a
relatividade nos conduzem a insegurança, ao individualismo, corrompe a razão e leva
a justificar vícios e absurdos. Eu acredito na objetividade da verdade como
valor agregado a virtude, a tudo que é justo, amável, puro, e de boa fama.
Logo, a verdade atende em essência a esse propósito. A verdade inspira, liberta
e abre as janelas da alma e os ouvidos para ouvir a música de Deus.
Refletindo sobre os textos canônicos entendi porque
o maligno pressupostamente utiliza a verdade, se apropria de textos sagrados e
faz milagres. Ele utiliza a verdade como arma para constranger, ameaçar, expor,
envergonhar e semear contendas. Prega para enganar e falsificar o propósito da
verdade; e faz milagres para iludir as pessoas e mantê-las enganadas. Ou seja,
a verdade sem ética se converte em dissolução e mentira.
Eu acredito na verdade que confronta, mas
liberta, une e restaura laços. A verdade revestida de bondade e empatia pelas
pessoas. A verdade que vai além das conveniências pessoais, como produto nas
mãos de mercenários. A verdade é cara e precisa estar nua, porque as mentiras estão
bem vestidas. Mesmo que a mentira prospere, mas ao final a verdade prevalecerá.
Logo, o propósito da criação é semear a verdade
e a justiça de geração em geração. Temos consciência que o Eterno quem deu essa
ética impressa na consciência humana para tribunal moral para antever as
consequências de cada passo dado e levar-nos a tomar as melhores decisões. Se a
nossa capacidade de julgar falha, temos a consciência alheia para nos orientar
a melhor decisão. A consciência moral não cansa de julgar após o mal feito,
porque nos quer levar a reflexão e reorientar nossas decisões. Contudo, no
decorrer da história, o homem tem silenciado a voz da sua consciência moral
para satisfação dos prazeres mais primitivos, mesmo que custe ferir o próximo.
Cada um de nós temos habilidades naturais que
podem ser aprimoradas ao longo do tempo. Alguns se destacam pela liderança,
outros pelo senso de organização, outros pela amplitude das ideias. Contudo,
todas essas ferramentas ganham utilidade no serviço ao próximo. Por exemplo:
que dá visibilidade a atividade do médico é o seu trabalho de curar pessoas,
doutro modo um título acadêmico não tem relevância se o portador tiver o
ofício.
III – A VIDA É COMO ÁRVORE PLANTADA
A árvore plantada às margens do rio é uma das
ilustrações mais relevantes sobre a vida com propósito. A brevidade da vida é
comparada à flor da erva que tem sua existência consumida em poucas horas.
Nossa vida se consome ao longo do tempo, por isto deve ser administrada com
cuidado. Doutro modo, teremos a desculpa de que tudo é vaidade e aflição de
espírito.
Nós como árvore precisamos criar raízes,
vínculos, maturidade. As raízes crescem com o tempo e resultado de um
aprendizado contínuo. Criar raízes resultam em experiência de vida acumulada ao
longo do tempo. A experiência nos leva a olhar para o retrovisor da história
para celebrar as vitórias e lamentar os fracassos. A reflexão sobre o passado é
a verificação do aprendizado de vida e nos induz a cautela, a ponderação e ao
receio de cometer os mesmos erros. Com a experiência criamos um código de
orientação para si e para os mais jovens. A diferença entre o jovem e o idoso é
que o mancebo faz sua história e o ancião conta a história que já fez.
Gosto da ilustração da semente como o
conhecimento. O conhecimento é semeado a esmo, não é plantado. Desta forma, vai
alcançar diferente tipos de pessoas e o que vai determinar o sucesso da semente
é a disposição em abraçar o conhecimento. Aí que está o problema: os indivíduos
são seletivos e consumidores. Buscam aquilo que atendam suas conveniências.
Hoje, temos a expectativa de surgimento de
árvores inúteis, sem fruto. Isto, porque vivemos na era do conhecimento..., mas
quanta gente ignorante! A geração atual tem confundido informações inúteis com
conhecimento. Tem se deleitado com futilidades e tem se entediado com coisas
que exigem um esforço mental mais apurado como a leitura de um livro ou
aplicar-se em atividades escolares. Por outro, temos genitores superprotetores
e refém da satisfação dos caprichos de seus infantes. Desde a infância aprendem
que não devem ser confrontados com firmeza; qualquer crítica dos mestres deve
ter o eufemismo das palavras bem colocadas, sob pena da reprovação dos pais.
A alienação surge da lei do mínimo esforço e da
acomodação. Via de regra, os jovens têm preferência por um lazer plastificado e
desidratado de conteúdos significativos como as redes sociais e a internet. São
poucos que labutam pelas sementes sagradas do conhecimento com expectativa de
fruto.
Se houver uma reorientação, surgirá uma geração
de alienados, incapazes de lidar com as frustrações, ansiosos e deprimidos, incapazes
de tomar as próprias decisões. Então, não discutem ideias, mas brigam por
opiniões tuteladas por mentores ideólogos e maus intencionados. São repetidores
de chavões, jargões acadêmicos e rótulos, sem profundidade da reflexão de
significados. Aliás, título acadêmico, por si só, não sanitariza a ignorância,
antes a estabelece se a ideologia for abraçada como um sistema de crenças. Isto
explica a policiamento nas redes sociais e a políticas de cancelamento por
pessoas e grupos militantes. Qualquer opinião contrária ao politicamente
correto é alvo de massacre na internet.
Com a ignorância é impossível cultivar virtudes
e ser árvore frutífera. A sabedoria está na prudência, na moderação e no bom
senso. Como o filósofo Luiz Pondé acredito que a igreja evangélica tem
contribuído com “uma política de contenção” a via de excessos existente na
sociedade. Os excessos levam ao sexo e gravidez precoce. Uma menina com 14 e 15
anos já é mãe e se não houver uma política de contenção, vai ter filho aos 17 e
aos 20 anos. Por isto, o filósofo destaca que o papel social da Igreja é muito
importante. Além disso, a ignorância leva a outras mazelas sociais como as drogas
e a violência.
A sociedade clama por bons exemplos porque a
mídia está repleta de futilidades de celebridades e há pessoas entediadas com
tantas banalidades. Os bons exemplos estão do nosso lado, com as pessoas
simples, humildes e, até mesmo, sem muita instrução acadêmica. Essas pessoas simples
exalam sabedoria nas palavras e atos, mas são tratadas com indiferença.
Exatamente, porque a sabedoria é discreta e silenciosa, sem a eloquência das
palavras, mas com simplicidade e firmeza. Logo, a sabedoria não é graça barata
é o resultado de uma vida de renúncia as futilidades e excessos. A sabedoria
habita em quem que sabe que a felicidade é o estado de satisfação, de se sentir
completo, na abundância e na escassez e aprendeu a valorizar cada vitória
diária.
A árvore é o nosso caráter, aquilo que somos.
Não basta ter apenas amplitude, beleza e folhas. É preciso ter fruto. É preciso
cultivar as virtudes como fruto, mas antes é preciso criar raízes que são os vínculos
com as pessoas, constituir uma identidade. A expectativa das pessoas é
deleitar-se nos frutos das nossas virtudes e abrigar-se na sombra da nossa
reputação.
CONCLUSÃO
Cristo nos dá o maior exemplo ao “dar sua vida como único
resgate por muitos” (Mateus 20.28). A nossa vida é maior instrumento de
serviço à humanidade. A sensação de utilidade nos dá significado de vida com
propósito. Como garçons devemos atender as demandas da comunicação e da
solidariedade, com verdade e justiça.
A
liberdade não está relacionada ao salvo conduto para fazer o que desejar. A
busca desenfreada pelo prazer, gera descontrole e escravidão viciosa. A
liberdade está no plano da consciência moral, da capacidade de fazer as
melhores escolhas, desprezando a opção pelo mal. Aliás, a opção pelo mal gera escravidão,
pois um abismo chama outro abismo.
REFERÊNCIAS
BOTTON, Alain. Desejo de Status. Tradução de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.
CURY. Augusto. Os segredos do Pai-Nosso. A solidão de Deus: um
estudo psicológico da oração mais conhecida no mundo. Rio de Janeiro: Sextante,
2006.
KOYZIS, David T. Visões e ilusões políticas: uma análise e crítica cristã das ideologias
contemporâneas. São Paulo: Editora Vida Nova, 2014.
LOPES, Hernandes Dias. Voando nas
alturas. São Paulo: Hagnos, 2015.
LUCADO, Max. Viver sem Medo:
redescobrindo uma vida de tranquilidade e paz interior. Tradução de Bárbara
Coutinho e Leonardo Barroso. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2009.