terça-feira, 7 de setembro de 2021

NOSSA VIDA

 

Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes




 

Imagem: greenne.com.br acesso em 07/09/2021

INTRODUÇÃO

            A caminhada pode ser um bom momento para a meditação e a oração. É um momento em que você pode dialogar com Deus, consigo e fluir ideias em brasa. Então, o mover dos pensamentos atinge os estágios mais remotos da história para expô-los de forma didática. Nisto, consiste a reflexão sobre a vida e todas as suas nuances.

            Sempre cito a frase do escritor Igor Oliveira Ferreira: Para a criança a vida é uma descoberta; para o jovem, uma aventura. Para o adulto a vida é uma missão, e para o idoso, uma dádiva”.

            Apesar dessa sábia reflexão, a vida se apresenta de forma cíclica com raras variações. Às vezes, pesam os sacrifícios e as responsabilidades e surge a percepção de um fardo a carregar diariamente. Para alguns a vida é “matar um leão todos os dias”. Isto porque a realidade apresenta a dificuldade e a injustiça como sua face mais ardil para aqueles que perseguem os seus objetivos.

Por outro lado, não há como ficar indiferente a todas intempéries, anestesiar a consciência e ignorar a dor. Somos todos parte de um ecossistema e nossa individualidade não exclui a socialização. Somos seres sociais e nossa vida depende dessa convivência e, mesmo em momentos de conflito, podemos extrair um rico aprendizado.

I – A VIDA É UM BEM COMPARTILHADO

Há tempos acreditava que a vida era só minha e sobre ela teria total controle e responsabilidade. Mas, com o tempo, aprendi que, na maioria das vezes, “a minha vontade é a vontade dos outros”. Isto porque estamos sempre debaixo de autoridade: do patrão, das regras dos ambientes que frequentamos, etc. Há uma coerção social que delimita o alcance da liberdade e nos impõe responsabilidades. Então, a liberdade consiste em fazer tudo que é permitido, honrar a ética e os costumes. A escolha surge porque não estamos presos a um determinismo de fazer o que é moralmente bom e, por isto, muitos preferem o mal no afã da satisfação pessoal. A liberdade é uma questão ética e implica valores moralmente aceitáveis perante a sociedade ou um grupo social. Pensar a liberdade como um fator individual sem conexão com a vida social nos leva a transgressão, aos excessos, à libertinagem. Então, pensar a vida como bem exclusivo (“a vida é minha, faço o que quero”) nos conduz ao individualismo e a busca desenfreada da satisfação pessoal, baseada na razão.

Todos nós estamos entrelaçados pela história, pela política, pela cultura e pelas relações sociais. Pela história que nos concedeu a língua e a cultura e é o berço do conhecimento dos antepassados que nos é transmitido pela família, pela sociedade e pela instrução escolar. Também, não podemos negar que a nossa vida é atingida por decisões políticas que interferem em coisas tão simples como preços de alimentos. Portanto, como ser social, o homem é dependente de relacionamentos para sua sobrevivência como espécie.

Compreender a vida como um bem compartilhado é complicado. Ninguém aceita dividir sua vida com alguém que não seja de sua confiança. Seria aplicar-se em um investimento de risco de tê-la exposta por alguém moralmente suspeito. Aliás, queremos expor em varais as nossas virtudes e esconder nossos vícios em vasos. Isto justifica o amor aos elogios, a cortesia e aos afagos acima de qualquer crítica ou repreensão de um comportamento impróprio ou vícios. Quando me refiro a vícios, cito tudo que não é virtude, que nos prejudica ou aos outros, de alguma forma.

Em uma multidão, selecionamos um grupo de pessoas conhecidas. Dentre pessoas conhecidas, elegemos nossos amigos e dentre eles, adentramos poucos para o nosso círculo íntimo. Dentre várias definições de amizade, considero esta citação muito interessante: “a amizade é uma forma de expressarmos o amor, a lealdade e a confiança”. Observe, que a citação não focaliza a perfeição, a excelência das virtudes ou ausência de vícios, mas o altruísmo da lealdade e da confiança mesmo nos momentos mais difíceis. É isto que faz a diferença entre amigos e conhecidos. Às vezes, alguns conhecidos advogam o direito de declararem-se amigo de alguém para usufruto próprio ou retribuição. Isto é ilusão. Amizade implica na arte da convivência e do conhecimento recíproco e está acima dos próprios interesses.

A vida é uma via de mão dupla com o próximo. Na primeira via estão as nossas ações e na via oposta estão as consequências. Andar na via é honrar a ética e os bons costumes, por meio de boas escolhas com uma consciência livre e limpa. Tudo começa com a boa consciência, ilustrada pela correta orientação do caminho, do caminhar. Por conseguinte, outras pessoas são beneficiadas quando honramos a ética e os bons costumes e se deleitam com os seus resultados.

Isto implica em responsabilidade, pois nossas decisões podem impactar a vida de muitas pessoas com quem relacionamos e até desconhecidos. Então, principalmente nos momentos de ódio e dor, devemos vigiar as nossas palavras e atitudes, pois podem impactar negativamente a vida do próximo. Alguns arrependimentos são tardios e incapazes de reparar o mal provocado.

Logo, deve ser pensada as consequências antes de pensar: “a vida é minha e faço o que quero!” pois todas as ações geram consequências. Como exemplo: todos nós sofremos as decorrências das fatalidades da história: as guerras, a escravidão, a exclusão social, etc. O argumento do estudo da história se justifica pelas consequências dos fatos históricos e como impactaram a cultura, a política, a vida em sociedade... Enfim, a vida de todos os brasileiros.

II – A VIDA É BEM DADO AO MUNDO

Quando pensamos a vida como algo revestido de propósito, chegamos ao ponto crucial da existência. Certa vez, o conferencista Miles Munroe (1954 – 2014) disse que toda a humanidade e a ciência buscam respostas para as seguintes perguntas: “De onde vim?”; “O que posso fazer?”; “Por que existo?”; “Para onde vou?”

A primeira pergunta exige resposta sobre a origem; a segunda, sobre a capacidade; a terceira, sobre a finalidade e a quarta, sobre o destino de cada pessoa. Parece que os cientistas, contaminados pela concepção sensual empirista, não admitem respostas que não envolvam dados mensuráveis ou manipuláveis. Logo, para eles, os registros canônicos não podem ser fonte de pesquisa. Então, ficarão à mercê de hipóteses e teorias sobre o universo a partir das subjetividades de exíguos fósseis e fragmentos antigos.

Quanto a segunda e terceira pergunta, temos a seguinte resposta: “ninguém foi criado para ocupar inutilmente a Terra”. Nós temos habilidades porque a nossa vida é revestida de um propósito. Esse designo inclui habilidades e vai além dos interesses pessoais. Nada nos foi concedido para usufruto próprio ou para enobrecer o ego. Ou seja, nossas habilidades são dirigidas para comunicar a grandeza da solidariedade orgânica a pessoas conhecidas e desconhecidas. Por isto, o nosso propósito é praticar a virtude e servir ao próximo.

Nos evangelhos canônicos, Jesus disse aos discípulos: “vos nomeei, para que vades (ao mundo) e deis fruto, e o vosso fruto permaneça...” (João 15.16). Entendemos, nessa citação, que nossa vida é uma dádiva dada ao mundo para inspirar pessoas por meio da prática das virtudes mais excelentes do cristianismo. Isto implica na missão de ir ao mundo para apresentar a verdade como uma personalidade eficaz.

Quando se fala em verdade já se pensa em algo banalizado, subjetivo e de valor relativo. Hoje se fala em verdades, palpites e diferentes pontos de vista. Porém me recuso a patinar no terreno da subjetividade científica e da relatividade da razão humana. A subjetividade e a relatividade nos conduzem a insegurança, ao individualismo, corrompe a razão e leva a justificar vícios e absurdos. Eu acredito na objetividade da verdade como valor agregado a virtude, a tudo que é justo, amável, puro, e de boa fama. Logo, a verdade atende em essência a esse propósito. A verdade inspira, liberta e abre as janelas da alma e os ouvidos para ouvir a música de Deus.

Refletindo sobre os textos canônicos entendi porque o maligno pressupostamente utiliza a verdade, se apropria de textos sagrados e faz milagres. Ele utiliza a verdade como arma para constranger, ameaçar, expor, envergonhar e semear contendas. Prega para enganar e falsificar o propósito da verdade; e faz milagres para iludir as pessoas e mantê-las enganadas. Ou seja, a verdade sem ética se converte em dissolução e mentira.

Eu acredito na verdade que confronta, mas liberta, une e restaura laços. A verdade revestida de bondade e empatia pelas pessoas. A verdade que vai além das conveniências pessoais, como produto nas mãos de mercenários. A verdade é cara e precisa estar nua, porque as mentiras estão bem vestidas. Mesmo que a mentira prospere, mas ao final a verdade prevalecerá.

Logo, o propósito da criação é semear a verdade e a justiça de geração em geração. Temos consciência que o Eterno quem deu essa ética impressa na consciência humana para tribunal moral para antever as consequências de cada passo dado e levar-nos a tomar as melhores decisões. Se a nossa capacidade de julgar falha, temos a consciência alheia para nos orientar a melhor decisão. A consciência moral não cansa de julgar após o mal feito, porque nos quer levar a reflexão e reorientar nossas decisões. Contudo, no decorrer da história, o homem tem silenciado a voz da sua consciência moral para satisfação dos prazeres mais primitivos, mesmo que custe ferir o próximo.

Cada um de nós temos habilidades naturais que podem ser aprimoradas ao longo do tempo. Alguns se destacam pela liderança, outros pelo senso de organização, outros pela amplitude das ideias. Contudo, todas essas ferramentas ganham utilidade no serviço ao próximo. Por exemplo: que dá visibilidade a atividade do médico é o seu trabalho de curar pessoas, doutro modo um título acadêmico não tem relevância se o portador tiver o ofício.

III – A VIDA É COMO ÁRVORE PLANTADA

A árvore plantada às margens do rio é uma das ilustrações mais relevantes sobre a vida com propósito. A brevidade da vida é comparada à flor da erva que tem sua existência consumida em poucas horas. Nossa vida se consome ao longo do tempo, por isto deve ser administrada com cuidado. Doutro modo, teremos a desculpa de que tudo é vaidade e aflição de espírito.

Nós como árvore precisamos criar raízes, vínculos, maturidade. As raízes crescem com o tempo e resultado de um aprendizado contínuo. Criar raízes resultam em experiência de vida acumulada ao longo do tempo. A experiência nos leva a olhar para o retrovisor da história para celebrar as vitórias e lamentar os fracassos. A reflexão sobre o passado é a verificação do aprendizado de vida e nos induz a cautela, a ponderação e ao receio de cometer os mesmos erros. Com a experiência criamos um código de orientação para si e para os mais jovens. A diferença entre o jovem e o idoso é que o mancebo faz sua história e o ancião conta a história que já fez.

Gosto da ilustração da semente como o conhecimento. O conhecimento é semeado a esmo, não é plantado. Desta forma, vai alcançar diferente tipos de pessoas e o que vai determinar o sucesso da semente é a disposição em abraçar o conhecimento. Aí que está o problema: os indivíduos são seletivos e consumidores. Buscam aquilo que atendam suas conveniências.

Hoje, temos a expectativa de surgimento de árvores inúteis, sem fruto. Isto, porque vivemos na era do conhecimento..., mas quanta gente ignorante! A geração atual tem confundido informações inúteis com conhecimento. Tem se deleitado com futilidades e tem se entediado com coisas que exigem um esforço mental mais apurado como a leitura de um livro ou aplicar-se em atividades escolares. Por outro, temos genitores superprotetores e refém da satisfação dos caprichos de seus infantes. Desde a infância aprendem que não devem ser confrontados com firmeza; qualquer crítica dos mestres deve ter o eufemismo das palavras bem colocadas, sob pena da reprovação dos pais.  

A alienação surge da lei do mínimo esforço e da acomodação. Via de regra, os jovens têm preferência por um lazer plastificado e desidratado de conteúdos significativos como as redes sociais e a internet. São poucos que labutam pelas sementes sagradas do conhecimento com expectativa de fruto.

Se houver uma reorientação, surgirá uma geração de alienados, incapazes de lidar com as frustrações, ansiosos e deprimidos, incapazes de tomar as próprias decisões. Então, não discutem ideias, mas brigam por opiniões tuteladas por mentores ideólogos e maus intencionados. São repetidores de chavões, jargões acadêmicos e rótulos, sem profundidade da reflexão de significados. Aliás, título acadêmico, por si só, não sanitariza a ignorância, antes a estabelece se a ideologia for abraçada como um sistema de crenças. Isto explica a policiamento nas redes sociais e a políticas de cancelamento por pessoas e grupos militantes. Qualquer opinião contrária ao politicamente correto é alvo de massacre na internet.

Com a ignorância é impossível cultivar virtudes e ser árvore frutífera. A sabedoria está na prudência, na moderação e no bom senso. Como o filósofo Luiz Pondé acredito que a igreja evangélica tem contribuído com “uma política de contenção” a via de excessos existente na sociedade. Os excessos levam ao sexo e gravidez precoce. Uma menina com 14 e 15 anos já é mãe e se não houver uma política de contenção, vai ter filho aos 17 e aos 20 anos. Por isto, o filósofo destaca que o papel social da Igreja é muito importante. Além disso, a ignorância leva a outras mazelas sociais como as drogas e a violência.

A sociedade clama por bons exemplos porque a mídia está repleta de futilidades de celebridades e há pessoas entediadas com tantas banalidades. Os bons exemplos estão do nosso lado, com as pessoas simples, humildes e, até mesmo, sem muita instrução acadêmica. Essas pessoas simples exalam sabedoria nas palavras e atos, mas são tratadas com indiferença. Exatamente, porque a sabedoria é discreta e silenciosa, sem a eloquência das palavras, mas com simplicidade e firmeza. Logo, a sabedoria não é graça barata é o resultado de uma vida de renúncia as futilidades e excessos. A sabedoria habita em quem que sabe que a felicidade é o estado de satisfação, de se sentir completo, na abundância e na escassez e aprendeu a valorizar cada vitória diária.

A árvore é o nosso caráter, aquilo que somos. Não basta ter apenas amplitude, beleza e folhas. É preciso ter fruto. É preciso cultivar as virtudes como fruto, mas antes é preciso criar raízes que são os vínculos com as pessoas, constituir uma identidade. A expectativa das pessoas é deleitar-se nos frutos das nossas virtudes e abrigar-se na sombra da nossa reputação.

CONCLUSÃO

             Cristo nos dá o maior exemplo ao “dar sua vida como único resgate por muitos” (Mateus 20.28). A nossa vida é maior instrumento de serviço à humanidade. A sensação de utilidade nos dá significado de vida com propósito. Como garçons devemos atender as demandas da comunicação e da solidariedade, com verdade e justiça.

            A liberdade não está relacionada ao salvo conduto para fazer o que desejar. A busca desenfreada pelo prazer, gera descontrole e escravidão viciosa. A liberdade está no plano da consciência moral, da capacidade de fazer as melhores escolhas, desprezando a opção pelo mal. Aliás, a opção pelo mal gera escravidão, pois um abismo chama outro abismo.

REFERÊNCIAS

BOTTON, Alain. Desejo de Status. Tradução de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

CURY. Augusto. Os segredos do Pai-Nosso. A solidão de Deus: um estudo psicológico da oração mais conhecida no mundo. Rio de Janeiro: Sextante, 2006.

KOYZIS, David T. Visões e ilusões políticas: uma análise e crítica cristã das ideologias contemporâneas. São Paulo: Editora Vida Nova, 2014.

LOPES, Hernandes Dias. Voando nas alturas. São Paulo: Hagnos, 2015.

LUCADO, Max. Viver sem Medo: redescobrindo uma vida de tranquilidade e paz interior. Tradução de Bárbara Coutinho e Leonardo Barroso. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2009.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

ALGUMAS IMPRESSÕES SOBRE O RETORNO ÀS AULAS PRESENCIAIS, MEDIDAS SANITÁRIAS E O PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO

 Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes 

INTRODUÇÃO

            O ano de 2021 trouxe consigo um farol de esperança às perspectivas de superação do caos advindo com as restrições da pandemia do novo coronavírus. A angústia da clausura e das incertezas contaminou todos os ambientes e tornou todos os seres humanos um exército de vulneráveis. Colocou todo o conhecimento dos entendidos prostrado diante um inimigo comum desconhecido: o vírus Sars-CoV-2 (Covid-19). Então, toda a voz se levantou clamando por uma solução plausível para o lastro da dor que acometeu todas as famílias, que choraram seus mortos (algo parecido com a morte dos primogênitos, relatado nos escritos bíblicos). Então, como uma flecha lançada, a esperança acerta o seu alvo com a notícia da vacina e da vacinação, mesmo em caráter experimental e emergencial. Mas, no momento, não há vacinação para todos. Apenas para os grupos prioritários e o professor não está incluso.

            Há de se considerar que a cautela e os cuidados devem ser redobrados. No momento, a morte espreita a presa desprevenida como ocorreu no momento mais agravante da pandemia do coronavírus em 2020. Diariamente são contabilizadas mais de mil mortes e novas cepas são descobertas como obstáculo a erradicação da doença. Isto indica que a praga não cessou e é aventura desprezar todos os cuidados preventivos relacionados ao contágio e sua disseminação.

            Diferente dos momentos iniciais da pandemia, as medidas de isolamento social foram afrouxadas e as pessoas se acostumaram a conviver com perigo do contágio a exemplo das comunidades sitiadas pelo tráfico. Indiferentes ao contágio, pessoas se expõem a várias situações de aglomeração e relaxamento das medidas de prevenção. Por isto, há bares cheios de pessoas conversando próximas e sem máscaras; festas em ambientes fechados onde os protocolos sanitários são ignorados, além da superlotação das praias e igrejas.

            No contraditório da indiferença de parcela da população em relação aos cuidados sanitários, surge a proposta de retorno às aulas presenciais, apesar da reclamação da categoria do magistério e parte do segmento de pais de alunos. Tal contradição fragiliza o debate sobre o retorno das aulas presenciais com segurança.

1 – O RETORNO DAS AULAS   

            Desde o ano passado, tanto o governo federal como o governo estadual discutiam propostas para o retorno das aulas presenciais e os critérios a serem observados para o retorno com a devida segurança. Por outro lado, havia divisão no segmento de pais de alunos quanto a retomada das aulas presenciais: um grupo defendia o retorno, o outro defendia o retorno após vacinação. Por sua vez, a categoria do magistério, enfraquecida pelos conflitos das lideranças sindicais, reclamava solitariamente com temor e tremor do retorno das aulas por imposição temerária, sem as devidas garantias de segurança.

            Tal insegurança é motivada pelo fracasso do monitoramento estatal da população adulta quanto aos cuidados preventivos. Quando o Estado e o Município se propuseram a intervir, cercearam liberdades de ir e vir e interromperam atividades da cadeia produtiva penalizando o pequeno empreendedor e o trabalhador de profissões de menor valor agregado em nome do forçado isolamento social.

            O discurso do isolamento social fracassou do alto das mansões da elite dos intelectuais e artistas enquanto a massa populacional se sacrificava diariamente para sobreviver na informalidade, no subemprego e no trabalho assalariado. A história da população da periferia das grandes cidades é marcada pelo sofrimento das condições sociais precárias e do sitiamento do tráfico.  Por isto, é difícil dialogar sobre cuidados profiláticos da COVID-19 com quem flerta com a morte todos os dias, com ameaças, conflitos entre gangues e risco eminente de ser atingido por uma bala perdida.

            Tal situação não é diferente no município da Serra e é a essência do nosso sofrimento diário, anterior a pandemia do coronavírus: a violência e a desigualdade social. A escola torna-se um refúgio para as ansiedades e o desaguadouro das frustrações desse universo de desesperança. Então, o desafio da escola é comunicar a vida em um cenário de expectativas e superações. Talvez, esta seja a razão para as massas em condições de vulnerabilidade não ter a prevenção com a devida prioridade.

            O retorno das aulas impõe diversos protocolos de segurança e controle. Algo inédito na história da Educação Brasileira. O expediente da clínica médica adentra no espaço das unidades de ensino para impor uma rotina a ser assimilada, se possível, com a automação dos cuidados. Inclusive, é criado, em cada unidade de ensino, o Comitê Local para monitoramento dos protocolos de segurança sanitária a exemplo da Comissão de Infecção Hospitalar, existente em instituições de saúde. Tal rotina foi pensada nos detalhes mais melindrosos como o carinho e o toque. A proximidade será substituída pela distância segura e a simplicidade das crianças dará vez a ortodoxia das regras sanitárias. Antes, os estudantes compartilhavam bactérias com as mãos mal lavadas, de materiais e isto era benéfico para as defesas do organismo, para a produção de antígenos e anticorpos. Agora não pode...  

            As adaptações da escola envolvem a estrutura do prédio escolar com a instalação de lavatórios e dispenser de álcool em gel na entrada e em locais estratégicos. Também, a higienização dos ambientes, seus objetos e móveis passam a ser expediente de uma rotina alterada em tempo de pandemia. As restrições de espaços e utilização de objetos afetam diretamente os estudantes, bem como as estratégias de ensino. A interação das crianças em sala não poderá ultrapassar o espaço demarcado na carteira. Logo, o desafio do professor é escolher práticas criativas para demover o tédio da criança sentada quatro horas diárias na cadeira e de máscara.        

            O uso de máscara e o isolamento social é a medida mais propagada nas mídias diversas. Contudo, o cuidado com a higienização é o aspecto mais melindroso da prevenção e do controle. Isto porque requer uma disciplina muito apurada em relação a todos os protocolos de segurança sanitária e, em algum momento, poderemos negligenciar. Sabemos que todos que pegaram COVID têm hipóteses de contágio, mas não têm uma explicação plausível de como e onde pegaram a doença. Pode acontecer de qualquer forma e em qualquer lugar, inclusive na escola. Mas como provar isto? Então, é necessária uma consciência sobre os cuidados que ultrapasse os muros da escola. Claro. É possível testemunhar a saída de estudantes de escolas estaduais aglomerados, se abraçando, beijando e sem máscaras. Parece que os cuidados se restringem apenas ao interior do prédio escolar onde é possível fazer o monitoramento e controle. Então, há um contraditório entre a rigidez do interior da escola e flexibilização das ruas e de outros ambientes.

            A questão do monitoramento da suspeita e dos casos de COVID depende da relação de confiança entre a escola e as famílias. Como exemplo, podemos citar os casos dos trabalhadores que sonegam informações das empresas para não expor sua intimidade e comprometer o emprego. Há situações em que trabalhadores assintomáticos ou com sintomas leves não se afastaram do trabalho, nem comunicaram aos empregadores. Logo, a transparência e fidedignidade dos registros da escola e na plataforma da Secretaria de Saúde dependem dessa relação de confiança da escola e das famílias dos estudantes.

            O efeito “manada” não pode ser desprezado na discussão do retorno das aulas, pois apenas um infectado é suficiente para disseminar o contágio para o grupo inteiro. Por isto, se os cuidados higiênicos não forem eficientes qualquer isolamento tardio após detecção torna-se medida inócua, visto que a condição de assintomático não tem percepção visível. A detecção de febre é uma medida limitada diante da complexidade da pandemia.

            Há possibilidade de suspensão de aulas de alguma sala ou, até mesmo, da escola conforme o agravamento do número de casos. Os reflexos psicológicos dessa medida não estão devidamente calculados. Variavelmente, a indiferença pode se transformar em medo e, por sua vez, o temor pode se tornar histeria.

            Para o monitoramento dos protocolos de segurança, há indicativo da criação do Comitê Local de Prevenção em cada unidade de ensino, com diversas representações. Contudo, a maior responsabilidade recai sobre os gestores escolares por vivenciar a experiência do chão da escola com todos os seus dilemas e contradições. O sucesso do Comitê Local é proporcional à eficiência do Conselho de Escola e seu histórico de atuação na unidade de ensino. Mas, o maior desafio será o monitoramento da obediência irrestrita a todos os protocolos de segurança diante de recursos materiais e humanos limitados. Adiciona-se como ingrediente arrebatador o stress pelo controle de situações e de comportamentos que não foram mecanicamente assimilados. Claro, pessoas não são como as máquinas que seguem uma programação de um software e podem ser reprogramadas por upgrade para obedecerem a comandos indicados em um manual. Então, a reiterada conscientização em diversos espaços e momentos é uma das estratégias coercitivas de natureza pacífica sem a necessidade da imposição punitiva.

2 – O PLANEJAMENTO DO ENSINO

            Devido a pandemia do coronavírus, estados e os municípios do pais decretaram a suspensão das aulas presenciais como medida para conter a contágio e disseminação do vírus Sars-CoV-2 (Covid-19). Como alternativa de ensino à distância, foram oferecidas as Atividades Pedagógicas Não Presenciais – APNPs aos estudantes das escolas públicas. Apesar da boa intencionalidade, as APNPs tem sua limitação, pois não houve a supervisão direta do docente no processo ensino aprendizagem. Aliás, é impossível pensar o processo de alfabetização sem a mediação do professor. Agora, imagine que resultados trouxeram as APNPs para os estudantes das turmas do ciclo de alfabetização (1º ao 3º ano). Também, os estudantes do 4º e 5º ano avançaram sem dominar os conhecimentos básicos para o ano que cursaram como a leitura, a escrita e o cálculo. Aliás, essa é uma deficiência histórica dos estudantes brasileiros do ensino fundamental ao ensino médio. Isto explica porque o Brasil desponta com os piores índices nos ranking mundiais de educação.  

            Pensar nos objetivos de aprendizagem é voltar para o ensino das proficiências relacionadas à alfabetização do 1º ao 5º ano, ampliando, assim, o Ciclo de Alfabetização. Podemos pensar esse Ciclo em duas partes: do 1º ao 3º ano e do 4º ao 5º ano. Então, o ensino deve ter foco na oralidade, na leitura, na escrita e produção de textos e no cálculo. A alfabetização deve estar contextualizada com a realidade da criança para além da decodificação de códigos e signos. A contextualização a partir da realidade da escola e da comunidade pode ser um caminho para um ensino produtivo. Com o retorno das aulas, toda a escola estará sinalizada e com cartazes sobre os protocolos de segurança para a prevenção da COVID-19 e esse material não pode passar despercebido na aprendizagem e na assimilação das regras.

            A Língua Portuguesa a exemplo de outras línguas latinas tem uma estrutura silábica tanto na escrita como na pronúncia. Contudo, no dia a dia, as crianças já convivem com as palavras e reconhecem nomes de produtos e diferentes sinais necessários a convivência social. Esse conhecimento pode ser ponto de partida para a alfabetização das crianças e o ensino contextualizado para além do formalismo acadêmico dos exercícios de fixação.

A leitura do mundo pode acontecer pela contextualização dos textos do prédio escolar (cartazes, sinalização, folders, objetos, etc.). Mas como reunir as crianças no entorno do prédio escolar se elas têm o espaço e os momentos demarcados por imposição do distanciamento social? Também, a proximidade e o toque do professor ferem os protocolos de segurança e expõe as dificuldades da orientação e correção direta no processo ensino aprendizagem. Claro, há diversas situações como a criança que tem dificuldade em pegar no lápis para escrever e àquelas que dependem da supervisão tão próxima para manterem-se concentradas como os estudantes público-alvo da educação especial.

            As estratégias da leitura não devem se descuidar da imaginação da criança que, aliás, pode ser bem explorada nas atividades de interpretação de texto. A imaginação deve ser incentivada para além da imagem presente nos textos. Por exemplo: no texto “Caçador de Borboletas”, podemos perguntar o que não está na história e que requer imaginação: “Como era o caçador de borboletas, era jovem ou velho?” “Ele era alto ou baixo?” “Como ele estava vestido?” “Onde ele morava?” Uma das maiores dificuldades na interpretação do texto reside na imaginação. A criança precisa entrar no mundo da história como expectador por meio da imaginação para entendê-la. 

            Como adulto faço sempre uso da imaginação na leitura dos textos com o argumento da leitura autobiográfica. Tenho cada texto como um diálogo onde me identifico com cada palavra, frase ou situação para analisar, criticar e me posicionar. Se alguém não entende um texto é porque não se reconhece na informação.

            Outro argumento é que o texto não se restringe ao material escrito. Precisamos valorizar a oralidade como uma produção de texto. Em um diálogo sobejam palavras e frases articuladas como um texto oral com todos os ingredientes gramaticais. Toda a organização lógica de uma conversa obedece a uma sequência coesa. Isto pode ser explorado na escrita de palavras e frases sem a pressão ortográfica. As correções acontecem no decorrer do processo de aprendizagem pela mediação do professor. Nenhuma produção será eficiente sem a liberdade da imaginação. Por isto, ao estudante deve ser revelado que os pensamentos são ideias e ideias são palavras, frases, textos.... Portanto, damos vida às ideias por meio da nossa voz e da escrita. A produção de texto é uma forma de dar vida as nossas ideias. Aliás, devemos considerar as respostas às atividades escritas como produção de texto e, inclusive, devem exploradas aquelas que levem as crianças a pensar e expor com liberdade as suas ideias. Por isto, os estudantes travam quando são solicitados a fazer uma produção de texto por não ter esse entendimento.

CONCLUSÃO

O retorno das aulas presenciais requer paciência do professor para não ficar refém de expectativas e frustrações. Não basta ficar lamentando as perdas e dificuldades, mas semear o conhecimento com serenidade, pois os resultados não serão imediatos. Também, o Plano de Ensino deverá ser mais enxuto de acordo com a necessidade da turma, sem pressa de avançar de um conteúdo para outro. Por consequência, o professor terá de elaborar os planejamentos das atividades não presenciais, das atividades presenciais, para os estudantes como necessidade especial, além das situações daqueles em fase de letramento.

Finalmente, expõe-se a dura realidade da sobrecarga do professor no ensino, no cuidado e monitoramento do protocolo de segurança com pitada de ansiedade e stress diante de uma realidade inédita na história da educação brasileira. Estamos diante de uma aposta de uma realidade desenhada para administração de riscos calculados. Mas para quem é leigo, devido as implicações legais e administrativas, é como acondicionar explosivos. Todo cuidado é pouco.

REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. Um céu numa flor silvestre: a beleza em todas as coisas. Campinas (SP): Verus Editora, 2005.

PORTARIA Nº 002-R, DE 09 DE JANEIRO DE 2021. Estabelece e divulga o mapeamento de risco, instituído pelo Decreto nº 4636-R, de 19 de abril de 2020, na forma da Portaria nº 171-R, de 29 de agosto de 2020, e dá outras providências.

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Diretrizes gerais de retorno às atividades letivas presenciais nas Escolas Municipais de Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Serra. Serra, 2020.

_________ Objetivos de Aprendizagem: Ensino Fundamental Educação de Jovens e Adultos. Serra, 2020.