Professor
Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUÇÃO
O
ano de 2021 trouxe consigo um farol de esperança às perspectivas de superação
do caos advindo com as restrições da pandemia do novo coronavírus. A angústia
da clausura e das incertezas contaminou todos os ambientes e tornou todos os
seres humanos um exército de vulneráveis. Colocou todo o conhecimento dos
entendidos prostrado diante um inimigo comum desconhecido: o vírus Sars-CoV-2
(Covid-19). Então, toda a voz se levantou clamando por uma solução plausível
para o lastro da dor que acometeu todas as famílias, que choraram seus mortos
(algo parecido com a morte dos primogênitos, relatado nos escritos bíblicos).
Então, como uma flecha lançada, a esperança acerta o seu alvo com a notícia da
vacina e da vacinação, mesmo em caráter experimental e emergencial. Mas, no
momento, não há vacinação para todos. Apenas para os grupos prioritários e o
professor não está incluso.
Há
de se considerar que a cautela e os cuidados devem ser redobrados. No momento,
a morte espreita a presa desprevenida como ocorreu no momento mais agravante da
pandemia do coronavírus em 2020. Diariamente são contabilizadas mais de mil
mortes e novas cepas são descobertas como obstáculo a erradicação da doença.
Isto indica que a praga não cessou e é aventura desprezar todos os cuidados
preventivos relacionados ao contágio e sua disseminação.
Diferente
dos momentos iniciais da pandemia, as medidas de isolamento social foram
afrouxadas e as pessoas se acostumaram a conviver com perigo do contágio a
exemplo das comunidades sitiadas pelo tráfico. Indiferentes ao contágio,
pessoas se expõem a várias situações de aglomeração e relaxamento das medidas
de prevenção. Por isto, há bares cheios de pessoas conversando próximas e sem
máscaras; festas em ambientes fechados onde os protocolos sanitários são
ignorados, além da superlotação das praias e igrejas.
No
contraditório da indiferença de parcela da população em relação aos cuidados
sanitários, surge a proposta de retorno às aulas presenciais, apesar da reclamação
da categoria do magistério e parte do segmento de pais de alunos. Tal
contradição fragiliza o debate sobre o retorno das aulas presenciais com
segurança.
1 – O RETORNO DAS AULAS
Desde
o ano passado, tanto o governo federal como o governo estadual discutiam
propostas para o retorno das aulas presenciais e os critérios a serem
observados para o retorno com a devida segurança. Por outro lado, havia divisão
no segmento de pais de alunos quanto a retomada das aulas presenciais: um grupo
defendia o retorno, o outro defendia o retorno após vacinação. Por sua vez, a
categoria do magistério, enfraquecida pelos conflitos das lideranças sindicais,
reclamava solitariamente com temor e tremor do retorno das aulas por imposição
temerária, sem as devidas garantias de segurança.
Tal
insegurança é motivada pelo fracasso do monitoramento estatal da população
adulta quanto aos cuidados preventivos. Quando o Estado e o Município se
propuseram a intervir, cercearam liberdades de ir e vir e interromperam
atividades da cadeia produtiva penalizando o pequeno empreendedor e o
trabalhador de profissões de menor valor agregado em nome do forçado isolamento
social.
O
discurso do isolamento social fracassou do alto das mansões da elite dos
intelectuais e artistas enquanto a massa populacional se sacrificava
diariamente para sobreviver na informalidade, no subemprego e no trabalho
assalariado. A história da população da periferia das grandes cidades é marcada
pelo sofrimento das condições sociais precárias e do sitiamento do tráfico. Por isto, é difícil dialogar sobre cuidados
profiláticos da COVID-19 com quem flerta com a morte todos os dias, com
ameaças, conflitos entre gangues e risco eminente de ser atingido por uma bala
perdida.
Tal
situação não é diferente no município da Serra e é a essência do nosso
sofrimento diário, anterior a pandemia do coronavírus: a violência e a
desigualdade social. A escola torna-se um refúgio para as ansiedades e o
desaguadouro das frustrações desse universo de desesperança. Então, o desafio
da escola é comunicar a vida em um cenário de expectativas e superações.
Talvez, esta seja a razão para as massas em condições de vulnerabilidade não
ter a prevenção com a devida prioridade.
O
retorno das aulas impõe diversos protocolos de segurança e controle. Algo
inédito na história da Educação Brasileira. O expediente da clínica médica
adentra no espaço das unidades de ensino para impor uma rotina a ser
assimilada, se possível, com a automação dos cuidados. Inclusive, é criado, em
cada unidade de ensino, o Comitê Local para monitoramento dos protocolos de
segurança sanitária a exemplo da Comissão de Infecção Hospitalar, existente em
instituições de saúde. Tal rotina foi pensada nos detalhes mais melindrosos
como o carinho e o toque. A proximidade será substituída pela distância segura
e a simplicidade das crianças dará vez a ortodoxia das regras sanitárias.
Antes, os estudantes compartilhavam bactérias com as mãos mal lavadas, de
materiais e isto era benéfico para as defesas do organismo, para a produção de
antígenos e anticorpos. Agora não pode...
As
adaptações da escola envolvem a estrutura do prédio escolar com a instalação de
lavatórios e dispenser de álcool em gel na entrada e em locais estratégicos. Também,
a higienização dos ambientes, seus objetos e móveis passam a ser expediente de
uma rotina alterada em tempo de pandemia. As restrições de espaços e utilização
de objetos afetam diretamente os estudantes, bem como as estratégias de ensino.
A interação das crianças em sala não poderá ultrapassar o espaço demarcado na
carteira. Logo, o desafio do professor é escolher práticas criativas para
demover o tédio da criança sentada quatro horas diárias na cadeira e de
máscara.
O
uso de máscara e o isolamento social é a medida mais propagada nas mídias
diversas. Contudo, o cuidado com a higienização é o aspecto mais melindroso da
prevenção e do controle. Isto porque requer uma disciplina muito apurada em
relação a todos os protocolos de segurança sanitária e, em algum momento,
poderemos negligenciar. Sabemos que todos que pegaram COVID têm hipóteses de
contágio, mas não têm uma explicação plausível de como e onde pegaram a doença.
Pode acontecer de qualquer forma e em qualquer lugar, inclusive na escola. Mas
como provar isto? Então, é necessária uma consciência sobre os cuidados que
ultrapasse os muros da escola. Claro. É possível testemunhar a saída de
estudantes de escolas estaduais aglomerados, se abraçando, beijando e sem
máscaras. Parece que os cuidados se restringem apenas ao interior do prédio
escolar onde é possível fazer o monitoramento e controle. Então, há um
contraditório entre a rigidez do interior da escola e flexibilização das ruas e
de outros ambientes.
A
questão do monitoramento da suspeita e dos casos de COVID depende da relação de
confiança entre a escola e as famílias. Como exemplo, podemos citar os casos
dos trabalhadores que sonegam informações das empresas para não expor sua
intimidade e comprometer o emprego. Há situações em que trabalhadores assintomáticos
ou com sintomas leves não se afastaram do trabalho, nem comunicaram aos
empregadores. Logo, a transparência e fidedignidade dos registros da escola e
na plataforma da Secretaria de Saúde dependem dessa relação de confiança da
escola e das famílias dos estudantes.
O
efeito “manada” não pode ser desprezado na discussão do retorno das aulas, pois
apenas um infectado é suficiente para disseminar o contágio para o grupo
inteiro. Por isto, se os cuidados higiênicos não forem eficientes qualquer
isolamento tardio após detecção torna-se medida inócua, visto que a condição de
assintomático não tem percepção visível. A detecção de febre é uma medida
limitada diante da complexidade da pandemia.
Há
possibilidade de suspensão de aulas de alguma sala ou, até mesmo, da escola
conforme o agravamento do número de casos. Os reflexos psicológicos dessa
medida não estão devidamente calculados. Variavelmente, a indiferença pode se
transformar em medo e, por sua vez, o temor pode se tornar histeria.
Para
o monitoramento dos protocolos de segurança, há indicativo da criação do Comitê
Local de Prevenção em cada unidade de ensino, com diversas representações.
Contudo, a maior responsabilidade recai sobre os gestores escolares por
vivenciar a experiência do chão da escola com todos os seus dilemas e
contradições. O sucesso do Comitê Local é proporcional à eficiência do Conselho
de Escola e seu histórico de atuação na unidade de ensino. Mas, o maior desafio
será o monitoramento da obediência irrestrita a todos os protocolos de
segurança diante de recursos materiais e humanos limitados. Adiciona-se como
ingrediente arrebatador o stress pelo controle de situações e de comportamentos
que não foram mecanicamente assimilados. Claro, pessoas não são como as
máquinas que seguem uma programação de um software e podem ser reprogramadas
por upgrade para obedecerem a comandos indicados em um manual. Então, a
reiterada conscientização em diversos espaços e momentos é uma das estratégias
coercitivas de natureza pacífica sem a necessidade da imposição punitiva.
2 – O PLANEJAMENTO DO ENSINO
Devido
a pandemia do coronavírus, estados e os municípios do pais decretaram a
suspensão das aulas presenciais como medida para conter a contágio e
disseminação do vírus Sars-CoV-2 (Covid-19). Como alternativa de ensino à
distância, foram oferecidas as Atividades Pedagógicas Não Presenciais – APNPs
aos estudantes das escolas públicas. Apesar da boa intencionalidade, as APNPs
tem sua limitação, pois não houve a supervisão direta do docente no processo
ensino aprendizagem. Aliás, é impossível pensar o processo de alfabetização sem
a mediação do professor. Agora, imagine que resultados trouxeram as APNPs para
os estudantes das turmas do ciclo de alfabetização (1º ao 3º ano). Também, os
estudantes do 4º e 5º ano avançaram sem dominar os conhecimentos básicos para o
ano que cursaram como a leitura, a escrita e o cálculo. Aliás, essa é uma
deficiência histórica dos estudantes brasileiros do ensino fundamental ao
ensino médio. Isto explica porque o Brasil desponta com os piores índices nos
ranking mundiais de educação.
Pensar
nos objetivos de aprendizagem é voltar para o ensino das proficiências
relacionadas à alfabetização do 1º ao 5º ano, ampliando, assim, o Ciclo de
Alfabetização. Podemos pensar esse Ciclo em duas partes: do 1º ao 3º ano e do
4º ao 5º ano. Então, o ensino deve ter foco na oralidade, na leitura, na
escrita e produção de textos e no cálculo. A alfabetização deve estar
contextualizada com a realidade da criança para além da decodificação de
códigos e signos. A contextualização a partir da realidade da escola e da
comunidade pode ser um caminho para um ensino produtivo. Com o retorno das
aulas, toda a escola estará sinalizada e com cartazes sobre os protocolos de
segurança para a prevenção da COVID-19 e esse material não pode passar
despercebido na aprendizagem e na assimilação das regras.
A
Língua Portuguesa a exemplo de outras línguas latinas tem uma estrutura
silábica tanto na escrita como na pronúncia. Contudo, no dia a dia, as crianças
já convivem com as palavras e reconhecem nomes de produtos e diferentes sinais
necessários a convivência social. Esse conhecimento pode ser ponto de partida
para a alfabetização das crianças e o ensino contextualizado para além do
formalismo acadêmico dos exercícios de fixação.
A leitura do mundo
pode acontecer pela contextualização dos textos do prédio escolar (cartazes, sinalização,
folders, objetos, etc.). Mas como reunir as crianças no entorno do prédio
escolar se elas têm o espaço e os momentos demarcados por imposição do
distanciamento social? Também, a proximidade e o toque do professor ferem os
protocolos de segurança e expõe as dificuldades da orientação e correção direta
no processo ensino aprendizagem. Claro, há diversas situações como a criança
que tem dificuldade em pegar no lápis para escrever e àquelas que dependem da
supervisão tão próxima para manterem-se concentradas como os estudantes
público-alvo da educação especial.
As
estratégias da leitura não devem se descuidar da imaginação da criança que,
aliás, pode ser bem explorada nas atividades de interpretação de texto. A
imaginação deve ser incentivada para além da imagem presente nos textos. Por
exemplo: no texto “Caçador de Borboletas”, podemos perguntar o que não está na
história e que requer imaginação: “Como
era o caçador de borboletas, era jovem ou velho?” “Ele era alto ou baixo?” “Como
ele estava vestido?” “Onde ele
morava?” Uma das maiores dificuldades na interpretação do texto reside na
imaginação. A criança precisa entrar no mundo da história como expectador por
meio da imaginação para entendê-la.
Como
adulto faço sempre uso da imaginação na leitura dos textos com o argumento da
leitura autobiográfica. Tenho cada texto como um diálogo onde me identifico com
cada palavra, frase ou situação para analisar, criticar e me posicionar. Se
alguém não entende um texto é porque não se reconhece na informação.
Outro
argumento é que o texto não se restringe ao material escrito. Precisamos
valorizar a oralidade como uma produção de texto. Em um diálogo sobejam
palavras e frases articuladas como um texto oral com todos os ingredientes
gramaticais. Toda a organização lógica de uma conversa obedece a uma sequência
coesa. Isto pode ser explorado na escrita de palavras e frases sem a pressão
ortográfica. As correções acontecem no decorrer do processo de aprendizagem
pela mediação do professor. Nenhuma produção será eficiente sem a liberdade da
imaginação. Por isto, ao estudante deve ser revelado que os pensamentos são
ideias e ideias são palavras, frases, textos.... Portanto, damos vida às ideias
por meio da nossa voz e da escrita. A produção de texto é uma forma de dar vida
as nossas ideias. Aliás, devemos considerar as respostas às atividades escritas
como produção de texto e, inclusive, devem exploradas aquelas que levem as
crianças a pensar e expor com liberdade as suas ideias. Por isto, os estudantes
travam quando são solicitados a fazer uma produção de texto por não ter esse
entendimento.
CONCLUSÃO
O retorno das aulas
presenciais requer paciência do professor para não ficar refém de expectativas
e frustrações. Não basta ficar lamentando as perdas e dificuldades, mas semear
o conhecimento com serenidade, pois os resultados não serão imediatos. Também,
o Plano de Ensino deverá ser mais enxuto de acordo com a necessidade da turma,
sem pressa de avançar de um conteúdo para outro. Por consequência, o professor
terá de elaborar os planejamentos das atividades não presenciais, das
atividades presenciais, para os estudantes como necessidade especial, além das
situações daqueles em fase de letramento.
Finalmente, expõe-se
a dura realidade da sobrecarga do professor no ensino, no cuidado e
monitoramento do protocolo de segurança com pitada de ansiedade e stress diante
de uma realidade inédita na história da educação brasileira. Estamos diante de
uma aposta de uma realidade desenhada para administração de riscos calculados.
Mas para quem é leigo, devido as implicações legais e administrativas, é como
acondicionar explosivos. Todo cuidado é pouco.
REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem. Um céu numa flor silvestre: a beleza em todas as coisas. Campinas
(SP): Verus Editora, 2005.
PORTARIA Nº
002-R, DE 09 DE JANEIRO DE 2021. Estabelece e divulga o mapeamento de risco,
instituído pelo Decreto nº 4636-R, de 19 de abril de 2020, na forma da Portaria
nº 171-R, de 29 de agosto de 2020, e dá outras providências.
SECRETARIA
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Diretrizes gerais de retorno às atividades letivas
presenciais nas Escolas Municipais de Ensino Fundamental da Rede Municipal de
Ensino de Serra. Serra, 2020.