sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

ALGUMAS IMPRESSÕES SOBRE O RETORNO ÀS AULAS PRESENCIAIS, MEDIDAS SANITÁRIAS E O PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO

 Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes 

INTRODUÇÃO

            O ano de 2021 trouxe consigo um farol de esperança às perspectivas de superação do caos advindo com as restrições da pandemia do novo coronavírus. A angústia da clausura e das incertezas contaminou todos os ambientes e tornou todos os seres humanos um exército de vulneráveis. Colocou todo o conhecimento dos entendidos prostrado diante um inimigo comum desconhecido: o vírus Sars-CoV-2 (Covid-19). Então, toda a voz se levantou clamando por uma solução plausível para o lastro da dor que acometeu todas as famílias, que choraram seus mortos (algo parecido com a morte dos primogênitos, relatado nos escritos bíblicos). Então, como uma flecha lançada, a esperança acerta o seu alvo com a notícia da vacina e da vacinação, mesmo em caráter experimental e emergencial. Mas, no momento, não há vacinação para todos. Apenas para os grupos prioritários e o professor não está incluso.

            Há de se considerar que a cautela e os cuidados devem ser redobrados. No momento, a morte espreita a presa desprevenida como ocorreu no momento mais agravante da pandemia do coronavírus em 2020. Diariamente são contabilizadas mais de mil mortes e novas cepas são descobertas como obstáculo a erradicação da doença. Isto indica que a praga não cessou e é aventura desprezar todos os cuidados preventivos relacionados ao contágio e sua disseminação.

            Diferente dos momentos iniciais da pandemia, as medidas de isolamento social foram afrouxadas e as pessoas se acostumaram a conviver com perigo do contágio a exemplo das comunidades sitiadas pelo tráfico. Indiferentes ao contágio, pessoas se expõem a várias situações de aglomeração e relaxamento das medidas de prevenção. Por isto, há bares cheios de pessoas conversando próximas e sem máscaras; festas em ambientes fechados onde os protocolos sanitários são ignorados, além da superlotação das praias e igrejas.

            No contraditório da indiferença de parcela da população em relação aos cuidados sanitários, surge a proposta de retorno às aulas presenciais, apesar da reclamação da categoria do magistério e parte do segmento de pais de alunos. Tal contradição fragiliza o debate sobre o retorno das aulas presenciais com segurança.

1 – O RETORNO DAS AULAS   

            Desde o ano passado, tanto o governo federal como o governo estadual discutiam propostas para o retorno das aulas presenciais e os critérios a serem observados para o retorno com a devida segurança. Por outro lado, havia divisão no segmento de pais de alunos quanto a retomada das aulas presenciais: um grupo defendia o retorno, o outro defendia o retorno após vacinação. Por sua vez, a categoria do magistério, enfraquecida pelos conflitos das lideranças sindicais, reclamava solitariamente com temor e tremor do retorno das aulas por imposição temerária, sem as devidas garantias de segurança.

            Tal insegurança é motivada pelo fracasso do monitoramento estatal da população adulta quanto aos cuidados preventivos. Quando o Estado e o Município se propuseram a intervir, cercearam liberdades de ir e vir e interromperam atividades da cadeia produtiva penalizando o pequeno empreendedor e o trabalhador de profissões de menor valor agregado em nome do forçado isolamento social.

            O discurso do isolamento social fracassou do alto das mansões da elite dos intelectuais e artistas enquanto a massa populacional se sacrificava diariamente para sobreviver na informalidade, no subemprego e no trabalho assalariado. A história da população da periferia das grandes cidades é marcada pelo sofrimento das condições sociais precárias e do sitiamento do tráfico.  Por isto, é difícil dialogar sobre cuidados profiláticos da COVID-19 com quem flerta com a morte todos os dias, com ameaças, conflitos entre gangues e risco eminente de ser atingido por uma bala perdida.

            Tal situação não é diferente no município da Serra e é a essência do nosso sofrimento diário, anterior a pandemia do coronavírus: a violência e a desigualdade social. A escola torna-se um refúgio para as ansiedades e o desaguadouro das frustrações desse universo de desesperança. Então, o desafio da escola é comunicar a vida em um cenário de expectativas e superações. Talvez, esta seja a razão para as massas em condições de vulnerabilidade não ter a prevenção com a devida prioridade.

            O retorno das aulas impõe diversos protocolos de segurança e controle. Algo inédito na história da Educação Brasileira. O expediente da clínica médica adentra no espaço das unidades de ensino para impor uma rotina a ser assimilada, se possível, com a automação dos cuidados. Inclusive, é criado, em cada unidade de ensino, o Comitê Local para monitoramento dos protocolos de segurança sanitária a exemplo da Comissão de Infecção Hospitalar, existente em instituições de saúde. Tal rotina foi pensada nos detalhes mais melindrosos como o carinho e o toque. A proximidade será substituída pela distância segura e a simplicidade das crianças dará vez a ortodoxia das regras sanitárias. Antes, os estudantes compartilhavam bactérias com as mãos mal lavadas, de materiais e isto era benéfico para as defesas do organismo, para a produção de antígenos e anticorpos. Agora não pode...  

            As adaptações da escola envolvem a estrutura do prédio escolar com a instalação de lavatórios e dispenser de álcool em gel na entrada e em locais estratégicos. Também, a higienização dos ambientes, seus objetos e móveis passam a ser expediente de uma rotina alterada em tempo de pandemia. As restrições de espaços e utilização de objetos afetam diretamente os estudantes, bem como as estratégias de ensino. A interação das crianças em sala não poderá ultrapassar o espaço demarcado na carteira. Logo, o desafio do professor é escolher práticas criativas para demover o tédio da criança sentada quatro horas diárias na cadeira e de máscara.        

            O uso de máscara e o isolamento social é a medida mais propagada nas mídias diversas. Contudo, o cuidado com a higienização é o aspecto mais melindroso da prevenção e do controle. Isto porque requer uma disciplina muito apurada em relação a todos os protocolos de segurança sanitária e, em algum momento, poderemos negligenciar. Sabemos que todos que pegaram COVID têm hipóteses de contágio, mas não têm uma explicação plausível de como e onde pegaram a doença. Pode acontecer de qualquer forma e em qualquer lugar, inclusive na escola. Mas como provar isto? Então, é necessária uma consciência sobre os cuidados que ultrapasse os muros da escola. Claro. É possível testemunhar a saída de estudantes de escolas estaduais aglomerados, se abraçando, beijando e sem máscaras. Parece que os cuidados se restringem apenas ao interior do prédio escolar onde é possível fazer o monitoramento e controle. Então, há um contraditório entre a rigidez do interior da escola e flexibilização das ruas e de outros ambientes.

            A questão do monitoramento da suspeita e dos casos de COVID depende da relação de confiança entre a escola e as famílias. Como exemplo, podemos citar os casos dos trabalhadores que sonegam informações das empresas para não expor sua intimidade e comprometer o emprego. Há situações em que trabalhadores assintomáticos ou com sintomas leves não se afastaram do trabalho, nem comunicaram aos empregadores. Logo, a transparência e fidedignidade dos registros da escola e na plataforma da Secretaria de Saúde dependem dessa relação de confiança da escola e das famílias dos estudantes.

            O efeito “manada” não pode ser desprezado na discussão do retorno das aulas, pois apenas um infectado é suficiente para disseminar o contágio para o grupo inteiro. Por isto, se os cuidados higiênicos não forem eficientes qualquer isolamento tardio após detecção torna-se medida inócua, visto que a condição de assintomático não tem percepção visível. A detecção de febre é uma medida limitada diante da complexidade da pandemia.

            Há possibilidade de suspensão de aulas de alguma sala ou, até mesmo, da escola conforme o agravamento do número de casos. Os reflexos psicológicos dessa medida não estão devidamente calculados. Variavelmente, a indiferença pode se transformar em medo e, por sua vez, o temor pode se tornar histeria.

            Para o monitoramento dos protocolos de segurança, há indicativo da criação do Comitê Local de Prevenção em cada unidade de ensino, com diversas representações. Contudo, a maior responsabilidade recai sobre os gestores escolares por vivenciar a experiência do chão da escola com todos os seus dilemas e contradições. O sucesso do Comitê Local é proporcional à eficiência do Conselho de Escola e seu histórico de atuação na unidade de ensino. Mas, o maior desafio será o monitoramento da obediência irrestrita a todos os protocolos de segurança diante de recursos materiais e humanos limitados. Adiciona-se como ingrediente arrebatador o stress pelo controle de situações e de comportamentos que não foram mecanicamente assimilados. Claro, pessoas não são como as máquinas que seguem uma programação de um software e podem ser reprogramadas por upgrade para obedecerem a comandos indicados em um manual. Então, a reiterada conscientização em diversos espaços e momentos é uma das estratégias coercitivas de natureza pacífica sem a necessidade da imposição punitiva.

2 – O PLANEJAMENTO DO ENSINO

            Devido a pandemia do coronavírus, estados e os municípios do pais decretaram a suspensão das aulas presenciais como medida para conter a contágio e disseminação do vírus Sars-CoV-2 (Covid-19). Como alternativa de ensino à distância, foram oferecidas as Atividades Pedagógicas Não Presenciais – APNPs aos estudantes das escolas públicas. Apesar da boa intencionalidade, as APNPs tem sua limitação, pois não houve a supervisão direta do docente no processo ensino aprendizagem. Aliás, é impossível pensar o processo de alfabetização sem a mediação do professor. Agora, imagine que resultados trouxeram as APNPs para os estudantes das turmas do ciclo de alfabetização (1º ao 3º ano). Também, os estudantes do 4º e 5º ano avançaram sem dominar os conhecimentos básicos para o ano que cursaram como a leitura, a escrita e o cálculo. Aliás, essa é uma deficiência histórica dos estudantes brasileiros do ensino fundamental ao ensino médio. Isto explica porque o Brasil desponta com os piores índices nos ranking mundiais de educação.  

            Pensar nos objetivos de aprendizagem é voltar para o ensino das proficiências relacionadas à alfabetização do 1º ao 5º ano, ampliando, assim, o Ciclo de Alfabetização. Podemos pensar esse Ciclo em duas partes: do 1º ao 3º ano e do 4º ao 5º ano. Então, o ensino deve ter foco na oralidade, na leitura, na escrita e produção de textos e no cálculo. A alfabetização deve estar contextualizada com a realidade da criança para além da decodificação de códigos e signos. A contextualização a partir da realidade da escola e da comunidade pode ser um caminho para um ensino produtivo. Com o retorno das aulas, toda a escola estará sinalizada e com cartazes sobre os protocolos de segurança para a prevenção da COVID-19 e esse material não pode passar despercebido na aprendizagem e na assimilação das regras.

            A Língua Portuguesa a exemplo de outras línguas latinas tem uma estrutura silábica tanto na escrita como na pronúncia. Contudo, no dia a dia, as crianças já convivem com as palavras e reconhecem nomes de produtos e diferentes sinais necessários a convivência social. Esse conhecimento pode ser ponto de partida para a alfabetização das crianças e o ensino contextualizado para além do formalismo acadêmico dos exercícios de fixação.

A leitura do mundo pode acontecer pela contextualização dos textos do prédio escolar (cartazes, sinalização, folders, objetos, etc.). Mas como reunir as crianças no entorno do prédio escolar se elas têm o espaço e os momentos demarcados por imposição do distanciamento social? Também, a proximidade e o toque do professor ferem os protocolos de segurança e expõe as dificuldades da orientação e correção direta no processo ensino aprendizagem. Claro, há diversas situações como a criança que tem dificuldade em pegar no lápis para escrever e àquelas que dependem da supervisão tão próxima para manterem-se concentradas como os estudantes público-alvo da educação especial.

            As estratégias da leitura não devem se descuidar da imaginação da criança que, aliás, pode ser bem explorada nas atividades de interpretação de texto. A imaginação deve ser incentivada para além da imagem presente nos textos. Por exemplo: no texto “Caçador de Borboletas”, podemos perguntar o que não está na história e que requer imaginação: “Como era o caçador de borboletas, era jovem ou velho?” “Ele era alto ou baixo?” “Como ele estava vestido?” “Onde ele morava?” Uma das maiores dificuldades na interpretação do texto reside na imaginação. A criança precisa entrar no mundo da história como expectador por meio da imaginação para entendê-la. 

            Como adulto faço sempre uso da imaginação na leitura dos textos com o argumento da leitura autobiográfica. Tenho cada texto como um diálogo onde me identifico com cada palavra, frase ou situação para analisar, criticar e me posicionar. Se alguém não entende um texto é porque não se reconhece na informação.

            Outro argumento é que o texto não se restringe ao material escrito. Precisamos valorizar a oralidade como uma produção de texto. Em um diálogo sobejam palavras e frases articuladas como um texto oral com todos os ingredientes gramaticais. Toda a organização lógica de uma conversa obedece a uma sequência coesa. Isto pode ser explorado na escrita de palavras e frases sem a pressão ortográfica. As correções acontecem no decorrer do processo de aprendizagem pela mediação do professor. Nenhuma produção será eficiente sem a liberdade da imaginação. Por isto, ao estudante deve ser revelado que os pensamentos são ideias e ideias são palavras, frases, textos.... Portanto, damos vida às ideias por meio da nossa voz e da escrita. A produção de texto é uma forma de dar vida as nossas ideias. Aliás, devemos considerar as respostas às atividades escritas como produção de texto e, inclusive, devem exploradas aquelas que levem as crianças a pensar e expor com liberdade as suas ideias. Por isto, os estudantes travam quando são solicitados a fazer uma produção de texto por não ter esse entendimento.

CONCLUSÃO

O retorno das aulas presenciais requer paciência do professor para não ficar refém de expectativas e frustrações. Não basta ficar lamentando as perdas e dificuldades, mas semear o conhecimento com serenidade, pois os resultados não serão imediatos. Também, o Plano de Ensino deverá ser mais enxuto de acordo com a necessidade da turma, sem pressa de avançar de um conteúdo para outro. Por consequência, o professor terá de elaborar os planejamentos das atividades não presenciais, das atividades presenciais, para os estudantes como necessidade especial, além das situações daqueles em fase de letramento.

Finalmente, expõe-se a dura realidade da sobrecarga do professor no ensino, no cuidado e monitoramento do protocolo de segurança com pitada de ansiedade e stress diante de uma realidade inédita na história da educação brasileira. Estamos diante de uma aposta de uma realidade desenhada para administração de riscos calculados. Mas para quem é leigo, devido as implicações legais e administrativas, é como acondicionar explosivos. Todo cuidado é pouco.

REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. Um céu numa flor silvestre: a beleza em todas as coisas. Campinas (SP): Verus Editora, 2005.

PORTARIA Nº 002-R, DE 09 DE JANEIRO DE 2021. Estabelece e divulga o mapeamento de risco, instituído pelo Decreto nº 4636-R, de 19 de abril de 2020, na forma da Portaria nº 171-R, de 29 de agosto de 2020, e dá outras providências.

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. Diretrizes gerais de retorno às atividades letivas presenciais nas Escolas Municipais de Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino de Serra. Serra, 2020.

_________ Objetivos de Aprendizagem: Ensino Fundamental Educação de Jovens e Adultos. Serra, 2020.