quarta-feira, 19 de julho de 2023

A GERAÇÃO DE TAGARELAS

 

Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes

 INTRODUÇÃO

            Há tempos, estou envolvido em nuvens de pensamentos que me levam a refletir sobre o bombardeio de palavras, apreendidas pelos ouvidos, que se perdem ao ar como bolinhas de sabão. São tantas palavras ditas nesta babel social. Parece que as pessoas falam a esmo como se estivessem esvaziando o acúmulo de informações recebidas pelo cérebro. Parece terapêutico, extravasam e falam sem parar uma as outras. Quando parece que estão terminando... estão começando outro assunto. Trata-se da inquietude do falatório de uma história sem fim, de um enredo raso, repleto de futilidade e espetacularização da vida alheia.

            Na busca da lucidez, enveredo no silêncio das palavras, no refúgio da paz de espírito, tendo como instrumento a meditação e a reflexão solitária. Nesse momento, percebo que todos nós estamos sendo contaminados pela ansiedade e animosidade. Parece que as pessoas estão desesperadamente buscando um sentido para a vida nesse mundo, marcado pela velocidade e pela tecnologia. Desligar da pressão das demandas diárias e da tecnologia se apresenta como uma missão impossível, mas necessária para desfrutar da essência da nossa natureza humana, mesmo que seja por alguns momentos. Como disse Charles Chaplin: “Não sois máquina! Homens é que sois!”

A FABRICA DE CULTURA INÚTIL

Vivemos na época da mundialização da cultura e da globalização. Isso é corroborado pela multiplicação da ciência e do avanço da tecnologia. Com a presença da televisão e internet, a comunicação adquiriu uma dinâmica acelerada, marcada por imagens e sons nunca vistos. Entretanto, há de se considerar que toda gama de informações atende a uma visão de mundo, de homem e de sociedade que se pretende formar. Logo, deve-se pensar que não se trata de uma diversão ingênua, pura, isenta de valores. Alguns produtos e atrações são laboratórios de verificação da tolerância social a determinados comportamentos considerados reprováveis. Essas pautas são propostas por intelectuais e grupos ideológicos como forma de firmar bandeira perante a sociedade. Por isto, a imprensa vende entretenimento, cultura e informação. Isto, não significa jornalismo independente, neutro de ideologias ou concepções políticas. Então, é necessário verificar várias fontes e diferentes versões para analisar, criticar e fazer julgamento de valor. Mas quem tem tempo para isso?

Os meios de comunicação e outras mídias investem no apelo popularesco, que satisfazem a essa acomodação intelectual. Como resultado temos o empobrecimento da linguagem oral e escrita como padrão de comunicação nas redes sociais. Os emojis, abreviações e frases desconexas com erros gritantes de ortografia revelam o baixíssimo nível cultural dos adolescentes, jovens e até mesmo adultos. As frivolidades e a especulação da vida alheia tomam espaço nos debates das rodinhas e redes sociais. Não se discutem ideias ou fatos. O interesse pelo fuxico, o voyeur e o culto as celebridades nas redes sociais, influencia comportamentos das pessoas e o conteúdo das notícias nos jornalismos online.  Neste espetáculo dantesco se perde a noção do público e do privado, do real e da fantasia. O que importa é que as pessoas acreditam, comentam e ingressam como seguidores em rede social. O que as (sub) celebridades apresentam a serem consumidos são conteúdos que exploram a sensualidade, comentários rasos de relevância insipida, discussões por futilidades e o obscuro detalhe de suas intimidades e com outros ditos famosos. Atualmente, essas personalidades celebram a ode ao amor livre de quaisquer amarras morais, em que a experiência é mais importante do que qualquer relacionamento afetivo. Aliás, o conceito de amor e relacionamento é ressignificado para atender aos preceitos do hedonismo: o prazer a qualquer custo e sem amarras morais.

O baixíssimo nível cultural se reflete nos programas de televisão, nos filmes, nas notícias e na música. Parece um enredo de emburrecimento coletivo produzido para uma plateia domesticada e que há tempos se privou da reflexão e do julgamento moral. Aliás, o relativismo em voga na sociedade criou a máxima de que “cada cabeça é uma sentença”. Perdeu-se a concepção de ética, de estética e conhecimento. Isto porque a ética e a estética estão relacionadas ao exercício da disciplina, de regras e da relevância do próximo. Não existe disciplina sem ensino; não há ensino sem conhecimento. Sem a herança cultural historicamente construída não há conhecimento. A disciplina nos protege dos vícios e regula as relações saudáveis com o próximo. Portanto, a ignorância e a falta de educação resultam da indisciplina ou quebra de regras.

O conceito de qualidade se nivela para baixo quando é abolido o conceito absoluto de certo e errado, bom e ruim. Hoje, qualquer porcaria é considerada uma obra de arte. Atualmente, a preferência por determinado tipo de música revela o baixo nível cultural da população. Também, demonstra porque parcela da população não gosta de ler e engrossa um exército de tagarelas. São repetidores de informações daquilo que veem e ouvem, como forma de ocupar o tempo da ociosidade do seu estilo de vida medíocre.

O problema da ociosidade tende a ser resolvido pelo vício tecnológico. Há pessoas que não conseguem se desligar do celular e da internet em nenhum momento. Hoje, já se fala da monofobia: o vício no celular. Os principais sintomas da abstinência do celular são: angustia, vazio existencial, desespero, estresse, irritabilidade, náuseas, taquicardia, sudorese, tensão muscular, pânico, dentre outras manifestações.

No relacionamento virtual com as redes sociais, a amizade é traduzida pelo número de seguidores. O diálogo pelo confronto direto das opiniões similares ou divergentes, que gera o aprendizado pela troca de ideias e experiências, é trocado pela cultura do exibicionismo gratuito. Essa forma de expor a privacidade a desconhecidos como satisfação pessoal, ignora até mesmo os riscos como a própria segurança.

A FALTA DE DISCERNIMENTO CULTURAL

Um dos exemplos mais gritantes da falta de discernimento cultural é a música preferida pelos jovens e parte dos adultos. É a música com ritmo frenético e alucinante, desprovido de poesia, sem conceitos melódicos e harmônicos. É uma peça feita principalmente para dançar, calcada nos refrãos que são repetidos exaustivamente como um chiclete grudento na mente, inclusive daqueles que involuntariamente ouvem. O lixo cultural tem letras cruas, apelativas ao hedonismo como: sexo, baladas e até mesmo drogas. Algumas músicas são proibidonas devido ao conteúdo explicito de suas letras. E essa informação seduz os incautos adolescentes e jovens na iniciação lasciva ao culto da liberdade sexual.

As músicas seculares mais executadas na mídia são uma exaltação ao vício como forma de alienação e fuga da realidade com todas as contradições e conflitos. O tema balada e pegação são recorrentes no processo de alienação social. Por isto, a música popular e de boa qualidade é sufocada por atrações popularescas, desprovidas de pudor e bom senso. Há música que irresponsavelmente cita o consumo de álcool à psicodélicos ou ansiolíticos como coisa corriqueira, normal. Deve-se considerar que um dos desafios das políticas públicas é lidar com o crescimento da população de rua, marcado principalmente por usuários de drogas lícitas e ilícitas. Contudo, o processo de inicialização nos vícios é contínuo nos festins licenciosos. Os vícios variam do abuso de comidas e bebidas a dependências comportamentais como jogos, internet, sexo, compras, etc. Tudo reflexo da busca desenfreada pelo prazer e fuga dos problemas imediatos.

Deve-se considerar que a música não é apenas distração. É ensino doutrinador de um “modus vivendi” de um grupo social, abalizado por intelectuais e influenciadores. Também é um produto a ser consumido por uma massa acéfala, desprovida de julgamento moral. O ambiente de licenciosidade apregoado nas letras, não é refletido quanto as suas consequências no mundo real. Claro, é mais fácil controlar pessoas por meio dos vícios. As pessoas viciadas são impulsivas, hiperativas, vorazes, imediatistas, não desenvolvem limites e autocontrole, não contêm seus desejos nem adiam o prazer. Elas constituem um mercado consumidor ascendente e alimentam um sistema corrupto e inapto para atender as demandas sociais. Logo, um sistema político opressor e corrupto se apropria da ignorância da população e de seus vícios para manter a massa sobre controle e se perpetuar no poder. Claro, a sobriedade gera autonomia e permite a reflexão, a crítica e a ponderação. Doutro modo, nenhum político deseja se desfazer do seu “curral eleitoral” que tem sob sua tutela.

O fastio do bombardeio diário de informações, de entretenimento e a busca desesperada pelo prazer é o dano colateral do antropocentrismo cultuado na sociedade. As palavras mais usuais na mídia são: direitos humanos, tolerância, amor, respeito, etc. Tudo repetido exaustivamente como uma pauta, uma narrativa dentro de uma política de correção de comportamentos considerados inadequados pelos mentores da informação. Inclusive, com know haw dos influenciadores digitais, surge a cartilha da linguagem politicamente correta: palavras que se deve falar e evitar, sob a ótica do patrulhamento ideológico e a política de cancelamento. Porém, o excesso de informação e doutrinação ideológica não está produzindo a equidade social. Está atiçando a confusão, o conflito pois tenta unificar o padrão ético e estético da sociedade. Não resolve o problema do individualismo. Como consequência temos o aumento da intolerância, do egoísmo e da fragilidade emocional. Está gerando receptores passivos de cultura inútil, de material vil e de deleites ilusórios. Por isto, o excesso de informação, sem o devido discernimento, não está produzindo pessoas inteligentes.

Convém citar um estudo do neurocientista francês Michel Desmurget, replicado pelo site www.bbc.com/portuguese/geral-5473651 em 30 de outubro de 2020, o qual revela que, pela 1ª vez, os filhos tem o QI inferior à dos seus pais. Esse estudo revela com “dados concretos e de forma conclusiva, como os dispositivos digitais estão afetando seriamente – e para o mal - o desenvolvimento neural de crianças e jovens”. Isso demonstra que a geração digital é menos inteligente que as anteriores. Por quê? Porque está perdendo a capacidade de pensar, de parar e solucionar problemas simples para procurar soluções prontas que não requerem esforço mental. Portanto, é a explicação mais plausível porque as crianças não gostam de ler e escrever. Não conseguem entender uma sentença ou localizar as informações básicas de um texto. Nem conseguem desenvolver uma ideia na forma de texto. Pior, acostumaram-se com naturalidade a essa situação, sem ambição para aprender. Sempre haverá alguém para sustentar a “lei da acomodação e do mínimo esforço” no sistema educacional. Para os estudantes, ler causa a incômoda dor de cabeça e ouvir uma preleção causa o desconforto orgânico que afeta o sistema excretor e os estudantes costumam pedir para ir ao banheiro no momento da explicação do conteúdo.

CONCLUSÃO

Vivemos os tempos trabalhosos em que a fragilidade mental do indivíduo se revela pelo culto ao ego, sob o pretexto do amor e da tolerância. Aliás, o amor parece ser o passaporte para alguém viver sua vida isenta de mores, e não aceitar o conselho ou a repreensão ao seu estilo de vida destrutivo. No amor sem disciplina prevalece o individualismo e o egocentrismo. É um engodo pensar que, por causa do amor, deve-se aceitar tudo.  

A religião dos tempos modernos é o amor erotizado, sem amarras morais e em que prevalecem as vontades pessoais. Isto já ensinado na infância quando as crianças são tratadas como reizinhos em formação, tendo os pais como súditos para satisfazerem suas vontades. São seres superprotegidos pelos pais em uma redonda de amor acovardado, que proíbe seus filhos de experimentar o confronto, a indiferença, a decepção e outras formas de frustrações, tão presentes no mundo real.

REFERÊNCIAS:

Vou citar algumas fontes de consultas a quem interessar:

BOTTON, Alain de. Desejo de Status. Tradução de Ryta Vinagre. São Paulo: L&PM Editores,2013.

CAMPOS, Helder Carlos de. O Pluralismo do Pós-Modernismo. Fides Reformata, 1997.

CHALITA, Gabriel. Educação: A solução está no afeto. Rio de Janeiro: Editora da Gente, 2001.

PONDÉ, Luiz. Geração Mimimi. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Q8mvcEAYCHo

TADEU, Regis. Péssimo ensino gera músicas ruins. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=fQJfxZRiVRM