Professor Gelcimar da
Silva Pereira Nunes
Há
tempos, estou envolvido em nuvens de pensamentos que me levam a refletir sobre
o bombardeio de palavras, apreendidas pelos ouvidos, que se perdem ao ar como
bolinhas de sabão. São tantas palavras ditas nesta babel social. Parece que as
pessoas falam a esmo como se estivessem esvaziando o acúmulo de informações
recebidas pelo cérebro. Parece terapêutico, extravasam e falam sem parar uma as
outras. Quando parece que estão terminando... estão começando outro assunto. Trata-se
da inquietude do falatório de uma história sem fim, de um enredo raso, repleto
de futilidade e espetacularização da vida alheia.
Na
busca da lucidez, enveredo no silêncio das palavras, no refúgio da paz de
espírito, tendo como instrumento a meditação e a reflexão solitária. Nesse
momento, percebo que todos nós estamos sendo contaminados pela ansiedade e
animosidade. Parece que as pessoas estão desesperadamente buscando um sentido
para a vida nesse mundo, marcado pela velocidade e pela tecnologia. Desligar da
pressão das demandas diárias e da tecnologia se apresenta como uma missão
impossível, mas necessária para desfrutar da essência da nossa natureza humana,
mesmo que seja por alguns momentos. Como disse Charles Chaplin: “Não sois
máquina! Homens é que sois!”
A FABRICA DE CULTURA
INÚTIL
Vivemos na época da
mundialização da cultura e da globalização. Isso é corroborado pela
multiplicação da ciência e do avanço da tecnologia. Com a presença da televisão
e internet, a comunicação adquiriu uma dinâmica acelerada, marcada por imagens
e sons nunca vistos. Entretanto, há de se considerar que toda gama de
informações atende a uma visão de mundo, de homem e de sociedade que se
pretende formar. Logo, deve-se pensar que não se trata de uma diversão ingênua,
pura, isenta de valores. Alguns produtos e atrações são laboratórios de
verificação da tolerância social a determinados comportamentos considerados
reprováveis. Essas pautas são propostas por intelectuais e grupos ideológicos
como forma de firmar bandeira perante a sociedade. Por isto, a imprensa vende
entretenimento, cultura e informação. Isto, não significa jornalismo
independente, neutro de ideologias ou concepções políticas. Então, é necessário
verificar várias fontes e diferentes versões para analisar, criticar e fazer
julgamento de valor. Mas quem tem tempo para isso?
Os meios de comunicação
e outras mídias investem no apelo popularesco, que satisfazem a essa acomodação
intelectual. Como resultado temos o empobrecimento da linguagem oral e escrita
como padrão de comunicação nas redes sociais. Os emojis, abreviações e frases
desconexas com erros gritantes de ortografia revelam o baixíssimo nível
cultural dos adolescentes, jovens e até mesmo adultos. As frivolidades e a
especulação da vida alheia tomam espaço nos debates das rodinhas e redes sociais.
Não se discutem ideias ou fatos. O interesse pelo fuxico, o voyeur e o culto as
celebridades nas redes sociais, influencia comportamentos das pessoas e o conteúdo
das notícias nos jornalismos online. Neste
espetáculo dantesco se perde a noção do público e do privado, do real e da
fantasia. O que importa é que as pessoas acreditam, comentam e ingressam como
seguidores em rede social. O que as (sub) celebridades apresentam a serem
consumidos são conteúdos que exploram a sensualidade, comentários rasos de
relevância insipida, discussões por futilidades e o obscuro detalhe de suas intimidades
e com outros ditos famosos. Atualmente, essas personalidades celebram a ode ao
amor livre de quaisquer amarras morais, em que a experiência é mais importante
do que qualquer relacionamento afetivo. Aliás, o conceito de amor e
relacionamento é ressignificado para atender aos preceitos do hedonismo: o
prazer a qualquer custo e sem amarras morais.
O baixíssimo nível
cultural se reflete nos programas de televisão, nos filmes, nas notícias e na
música. Parece um enredo de emburrecimento coletivo produzido para uma plateia
domesticada e que há tempos se privou da reflexão e do julgamento moral. Aliás,
o relativismo em voga na sociedade criou a máxima de que “cada cabeça é uma
sentença”. Perdeu-se a concepção de ética, de estética e conhecimento. Isto
porque a ética e a estética estão relacionadas ao exercício da disciplina, de
regras e da relevância do próximo. Não existe disciplina sem ensino; não há
ensino sem conhecimento. Sem a herança cultural historicamente construída não
há conhecimento. A disciplina nos protege dos vícios e regula as relações
saudáveis com o próximo. Portanto, a ignorância e a falta de educação resultam
da indisciplina ou quebra de regras.
O conceito de qualidade
se nivela para baixo quando é abolido o conceito absoluto de certo e errado,
bom e ruim. Hoje, qualquer porcaria é considerada uma obra de arte. Atualmente,
a preferência por determinado tipo de música revela o baixo nível cultural da
população. Também, demonstra porque parcela da população não gosta de ler e
engrossa um exército de tagarelas. São repetidores de informações daquilo que
veem e ouvem, como forma de ocupar o tempo da ociosidade do seu estilo de vida
medíocre.
O problema da
ociosidade tende a ser resolvido pelo vício tecnológico. Há pessoas que não
conseguem se desligar do celular e da internet em nenhum momento. Hoje, já se
fala da monofobia: o vício no celular. Os principais sintomas da abstinência do
celular são: angustia, vazio existencial, desespero, estresse, irritabilidade,
náuseas, taquicardia, sudorese, tensão muscular, pânico, dentre outras
manifestações.
No relacionamento
virtual com as redes sociais, a amizade é traduzida pelo número de seguidores.
O diálogo pelo confronto direto das opiniões similares ou divergentes, que gera
o aprendizado pela troca de ideias e experiências, é trocado pela cultura do
exibicionismo gratuito. Essa forma de expor a privacidade a desconhecidos como
satisfação pessoal, ignora até mesmo os riscos como a própria segurança.
A FALTA DE DISCERNIMENTO
CULTURAL
Um dos exemplos mais
gritantes da falta de discernimento cultural é a música preferida pelos jovens
e parte dos adultos. É a música com ritmo frenético e alucinante, desprovido de
poesia, sem conceitos melódicos e harmônicos. É uma peça feita principalmente
para dançar, calcada nos refrãos que são repetidos exaustivamente como um
chiclete grudento na mente, inclusive daqueles que involuntariamente ouvem. O
lixo cultural tem letras cruas, apelativas ao hedonismo como: sexo, baladas e
até mesmo drogas. Algumas músicas são proibidonas devido ao conteúdo explicito
de suas letras. E essa informação seduz os incautos adolescentes e jovens na
iniciação lasciva ao culto da liberdade sexual.
As músicas seculares
mais executadas na mídia são uma exaltação ao vício como forma de alienação e
fuga da realidade com todas as contradições e conflitos. O tema balada e
pegação são recorrentes no processo de alienação social. Por isto, a música
popular e de boa qualidade é sufocada por atrações popularescas, desprovidas de
pudor e bom senso. Há música que irresponsavelmente cita o consumo de álcool à psicodélicos
ou ansiolíticos como coisa corriqueira, normal. Deve-se considerar que um dos
desafios das políticas públicas é lidar com o crescimento da população de rua,
marcado principalmente por usuários de drogas lícitas e ilícitas. Contudo, o
processo de inicialização nos vícios é contínuo nos festins licenciosos. Os
vícios variam do abuso de comidas e bebidas a dependências comportamentais como
jogos, internet, sexo, compras, etc. Tudo reflexo da busca desenfreada pelo
prazer e fuga dos problemas imediatos.
Deve-se considerar que
a música não é apenas distração. É ensino doutrinador de um “modus vivendi” de
um grupo social, abalizado por intelectuais e influenciadores. Também é um
produto a ser consumido por uma massa acéfala, desprovida de julgamento moral.
O ambiente de licenciosidade apregoado nas letras, não é refletido quanto as
suas consequências no mundo real. Claro, é mais fácil controlar pessoas por
meio dos vícios. As pessoas viciadas são impulsivas, hiperativas, vorazes,
imediatistas, não desenvolvem limites e autocontrole, não contêm seus desejos
nem adiam o prazer. Elas constituem um mercado consumidor ascendente e alimentam
um sistema corrupto e inapto para atender as demandas sociais. Logo, um sistema
político opressor e corrupto se apropria da ignorância da população e de seus
vícios para manter a massa sobre controle e se perpetuar no poder. Claro, a
sobriedade gera autonomia e permite a reflexão, a crítica e a ponderação.
Doutro modo, nenhum político deseja se desfazer do seu “curral eleitoral” que
tem sob sua tutela.
O fastio do bombardeio
diário de informações, de entretenimento e a busca desesperada pelo prazer é o
dano colateral do antropocentrismo cultuado na sociedade. As palavras mais
usuais na mídia são: direitos humanos, tolerância, amor, respeito, etc. Tudo
repetido exaustivamente como uma pauta, uma narrativa dentro de uma política de
correção de comportamentos considerados inadequados pelos mentores da
informação. Inclusive, com know haw dos influenciadores digitais, surge a
cartilha da linguagem politicamente correta: palavras que se deve falar e evitar,
sob a ótica do patrulhamento ideológico e a política de cancelamento. Porém, o
excesso de informação e doutrinação ideológica não está produzindo a equidade
social. Está atiçando a confusão, o conflito pois tenta unificar o padrão ético
e estético da sociedade. Não resolve o problema do individualismo. Como
consequência temos o aumento da intolerância, do egoísmo e da fragilidade emocional.
Está gerando receptores passivos de cultura inútil, de material vil e de
deleites ilusórios. Por isto, o excesso de informação, sem o devido discernimento, não
está produzindo pessoas inteligentes.
Convém citar um estudo
do neurocientista francês Michel Desmurget, replicado pelo site www.bbc.com/portuguese/geral-5473651
em 30 de outubro de 2020, o qual revela que, pela 1ª vez, os filhos tem o QI
inferior à dos seus pais. Esse estudo revela com “dados concretos e de forma
conclusiva, como os dispositivos digitais estão afetando seriamente – e para o
mal - o desenvolvimento neural de crianças e jovens”. Isso demonstra que a
geração digital é menos inteligente que as anteriores. Por quê? Porque está
perdendo a capacidade de pensar, de parar e solucionar problemas simples para
procurar soluções prontas que não requerem esforço mental. Portanto, é a
explicação mais plausível porque as crianças não gostam de ler e escrever. Não
conseguem entender uma sentença ou localizar as informações básicas de um
texto. Nem conseguem desenvolver uma ideia na forma de texto. Pior,
acostumaram-se com naturalidade a essa situação, sem ambição para aprender.
Sempre haverá alguém para sustentar a “lei da acomodação e do mínimo
esforço” no sistema educacional. Para os estudantes, ler causa a incômoda
dor de cabeça e ouvir uma preleção causa o desconforto orgânico que afeta o
sistema excretor e os estudantes costumam pedir para ir ao banheiro no momento
da explicação do conteúdo.
CONCLUSÃO
Vivemos os tempos
trabalhosos em que a fragilidade mental do indivíduo se revela pelo culto ao
ego, sob o pretexto do amor e da tolerância. Aliás, o amor parece ser o
passaporte para alguém viver sua vida isenta de mores, e não aceitar o conselho
ou a repreensão ao seu estilo de vida destrutivo. No amor sem disciplina
prevalece o individualismo e o egocentrismo. É um engodo pensar que, por causa
do amor, deve-se aceitar tudo.
A religião dos tempos
modernos é o amor erotizado, sem amarras morais e em que prevalecem as vontades
pessoais. Isto já ensinado na infância quando as crianças são tratadas como
reizinhos em formação, tendo os pais como súditos para satisfazerem suas
vontades. São seres superprotegidos pelos pais em uma redonda de amor
acovardado, que proíbe seus filhos de experimentar o confronto, a indiferença,
a decepção e outras formas de frustrações, tão presentes no mundo real.
REFERÊNCIAS:
Vou citar algumas fontes de consultas a
quem interessar:
BOTTON, Alain de. Desejo de Status.
Tradução de Ryta Vinagre. São Paulo: L&PM Editores,2013.
CAMPOS, Helder Carlos de. O Pluralismo do Pós-Modernismo. Fides Reformata, 1997.
CHALITA, Gabriel. Educação: A solução está no afeto. Rio de Janeiro: Editora da Gente, 2001.
PONDÉ, Luiz. Geração Mimimi. Disponível
em https://www.youtube.com/watch?v=Q8mvcEAYCHo
TADEU, Regis. Péssimo ensino gera músicas ruins. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=fQJfxZRiVRM