terça-feira, 7 de dezembro de 2010

É PRECISO DESACELERAR

É PRECISO DESACELERAR
Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUÇÃO
Fico impressionado com a valorização excessiva do imediato como se tudo na vida estivesse enquadrado em uma reengenharia gerencial para a eficácia dos resultados. Desta forma, a pregação contra o desperdício do tempo não é antagônica ao valor dado as futilidades, mas um combate ferrenho ao ócio agradável. Aliás, a apreensão do mundo com os detalhes e significados é tão marginalizada que alguns são classificados de loucos e alienados.
A leitura do mundo, apregoada por Paulo Freire (1921 – 1997), exige uma meditação progressiva das diferentes formas e cores que nos cercam; é construir relações e estabelecer significados entre o homem, a natureza, os sentimentos e novas formas de pensamento. Essa leitura exige considerar o homem parte integrante da natureza e agente da comunicação. Vale ressaltar que há muitos diálogos, discussões, mas pouca comunicação, visto que as pessoas não aprenderam a escutar. A arte de escutar leva ao entendimento e a compreensão do sentimento do outro, firmando convenções de parcerias para atender a um bem comum. Lamentavelmente, há pessoas que se preparam para confrontar com as idéias e derrubar a tese do outro e, se possível, vencer no grito e pelo cansaço. Em uma verdadeira escuta não há perdedores, não há abatidos nem constrangimentos, pois ouvir é uma atitude de autoconhecimento na perspectiva do outro. Assim, as nossas virtudes e defeitos aparecem quando nos relacionamos com as pessoas.
Por isto, a pressa é um obstáculo à comunicação, que é um meio de aproximar pessoas. Parece que é mais fácil utilizar coisas para se comunicar, sem o contato com alguém, atribuindo personalidade aos papéis e documentos que recebem prerrogativas de fé, superiores as de qualquer indivíduo. Em tempos passados, bastava uma palavra e aperto de mãos para firmar compromisso. Hoje são necessários inúmeros papéis, assinaturas e testemunhas e, quando isto não vale, exige-se registro em cartório. Ou seja, o ser humano está se despojando de argumento moral e solicitando como fiador inúmeros documentos.
É PRECISO DESACELERAR A ANSIEDADE PELO IMEDIATO
A cultura do imediato busca remediar e queimar etapas, valorizando o resultado e ignorando a essência presente na análise cuidadosa do processo. Claro, a vivência de cada etapa assemelha a torrente da vida e revela um crescimento sadio do aprendizado. Nesse arremedo de fases, o tempo não pode ser incriminado como inimigo das ambições e traidor das aspirações ardentes das pessoas presentes na arena de poder. Essa imputação de culpa é um álibi para a ansiedade resultante das expectativas frustradas.
Gosto de observar a natureza, sem pressa. Parece que somente o tempo passa enquanto as árvores dançam ao murmúrio do vento, os animais vivem cada momento sem capitular a insegurança do alimento diário. A ausente preocupação da natureza forja a máxima de que somente o ser humano vive seu momento como se desfrutasse do último manjar do dia. Nesse caso, o amanhã é tão presente que suas tarefas estão determinadas na agenda.  Por isto, é desejoso que os dias e horas atrasem para o bem-estar dos homens e mulheres de negócios, estressados com o feitio de carregar seguidores de instruções e recomendações. Costumo lembrar de um pensamento do filósofo Rubem Alves de que os dias são longos para as crianças e curtos para os adultos. Por quê? As crianças resolvem seus problemas de forma lúdica enquanto que os adultos são causadores de crises e tentam resolver seus problemas por meio de discussões, documentos, instituições e instâncias de juízo.
Fico na expectativa de ouvir os anciãos, pois a vida deles desacelerou. São eles contadores de histórias, vacilantes no relato das tristezas, mas vigorosos no retrato das vitórias da vida.  O sorriso dos idosos mostra que há erros possíveis de serem atravessados e chegar com vitalidade no final da vida para contar histórias. Assim, é possível acreditar que a ansiedade dura um momento, pois a experiência mostra que há esperança de superar as tribulações, oriundas dos embaraços que nos cercam.
É PRECISO DESACELERAR A AGITAÇÃO DO TRABALHO
As doenças mais relacionadas ao trabalho são: o stress, a estafa, tendo como sintomas a irritabilidade, a insônia e perturbação mental. O argumento mais utilizado é o senso de responsabilidade. Deste modo, a alegação de escravo do trabalho faz a distância da família e, até mesmo, dos problemas pessoais pela substituição de uma alienação por outra.
A agenda de trabalho é o mote para ilustrar carga de responsabilidade: reuniões, compromissos e representações. Aliás, preencher os espaços de mobilização política não é questão de visibilidade, mas de status, de presença e de identificação com pessoas e contextos, tanto do ponto da convergência como da divergência.
Já ouvi relatos de pessoas que alegam necessidade de trabalhar dia e noite para ganhar dinheiro com o propósito de sustentar a família ou ter um razoável conforto. Via de regra, esse esforço não proporcionou resultados imediatos nem duradouros. Há aqueles entram pelo caminho da bajulação como meio de chamar a atenção e conseguir atalhos para o sucesso profissional. Assim, quem faz essa opção é tentado a transigir com o erro, a negar princípios e a própria identidade, passando a representar um papel da submissão cega. Em todos os casos que conheço, no final persistiu o sentimento de traição, de ter sido usado até perder a importância para o esquema de poder. A sensação de conforto da bajulação é alienante o que torna a frustração mais dolorosa.
Talvez, a inveja seja uma das causa de maior ansiedade no trabalho. Segundo definição, a inveja faz a pessoa desejar ardorosamente estar no lugar do outro. Por isto, em uma escala progressiva, os invejosos são capazes até de matar por causa da sua pequenez e sua noção de incapacidade.
É preciso desacelerar no trabalho as sensações de incapacidade, os pretextos do assédio moral e busca constante da eficiência até as últimas conseqüências.  É preciso humanizar o trabalho, privilegiar as relações entre as pessoas e não a frieza das obrigações. Hoje, fala-se da coisificação do homem e a humanização das coisas, principalmente por causa da substituição do homem pela máquina e pela forma como ela torna vida quase autônoma. O homem acaba ficando dependente da máquina. Imagine como ficaria o trabalho sem o computador e outros equipamentos de mídia e da eletrônica? A máquina acelerou o trabalho e curvou o homem a todos os caprichos.
É PRECISO DESACELERAR A MILITÂNCIA
Fico impressionado com tantos movimentos por direitos tanto na área da educação, da assistência social, da criança e do adolescente, das pessoas com deficiência, etc. Se fosse atender a todos os convites teria que abdicar do meu trabalho e da família. Também, a cada encontro vejo estante de livros à venda, além daqueles que recebo como bonificação. As informações que recebo me sensibilizam, mas não consigo me ver envolvido de forma apaixonante nas causas que me são apresentadas. O envolvimento afetivo com essas causas reclama por paixão ou militância. Costumo dizer que ter paixão é buscar uma razão para sofrer ou uma causa para, se possível, morrer por ela. Isto implica em renúncia aos momentos de lazer com a família, o descanso e incorporar uma crença.
Creio que todos nós somos resultados de um conjunto de ideias; que, por sua vez, constituem filosofia de vida e orientam condutas e estilo de vida. Por isto, envolver-se com uma causa é ser despertado por uma vocação, motivado por uma paixão que se destina a um propósito. A visão do propósito é que dá consciência do lugar onde se pretende chegar.
Percebo que a militância é exclusiva para poucos, devido a acomodação de muitos. Assim, há pessoas que se ocupam de vários papeis ao mesmo tempo como quisessem suprir a ausência de engajamento dos outros. A tese de ocupar todos os espaços porque os outros não querem é trágica e ridícula.
É preciso desacelerar para que a vida tenha sabor para além da sensação de purgar a culpa de abandono ao próximo e ser compadecente com as tragédias dos outros. É preciso desacelerar para usufruir da prática da bondade na medida certa; da busca da justiça com a equidade da saúde do corpo e da mente.
CONCLUSÃO
Não vou concluir a tese, mas convidar a todos a pensar os dias trabalhosos e sua aflição de espírito. Convido a refletir sobre a brevidade da vida e pensar a filosofia do carpie dien: “Viver intensamente cada dia como se estivesse colhendo um fruto saboroso”.

REFERÊNCIAS
Recomendo as leituras dos textos de Rubem Alves: http://www.rubemalves.com.br/ 

Um comentário:

  1. Muitas vezes não prestamos a atenção no que e em quem está ao nosso redor e nem em nós mesmos. Vivenciamos um corre-corre diário.
    Excelente texto, é realmente bastante reflexivo e atualíssimo.

    Grande abraço!

    Flavia Soeiro - Vitória/ES

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