quinta-feira, 30 de junho de 2011

O SISTEMA DE CRENÇAS NO PÓS-MODERNISMO.

  
Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUÇÃO
A doutrina plural criada por intelectuais, artistas, jornalistas e outros formadores de opinião, tenta desconstruir o pensamento das massas populares. A forma de pensar das massas possui a riqueza mística, metafísica que traduz a herança cultural do povo, suas crenças, religião e costumes. Mas, a proposta da racionalidade localizada na areia movediça da subjetividade torna toda crença e conhecimento adquiridos uma verdade de valor duvidoso, diante do novo argumento que suplanta todas as certezas.
A SUBJETIVIDADE NO PÓS-MODERNISMO
O advento do pós-modernismo colocou em cheque todas as certezas para dar razão a todas as vozes. Nessa nova ordem, os direitos de todos e de cada um tornam-se abrangentes e alienantes pelo clamor das vozes de todas as classes, segmentos e minorias. 


Podemos considerar que o pós-modernismo trouxe o benefício do reconhecimento de direitos das crianças, dos idosos, dos deficientes, etc. Mas, também, trouxe algumas polêmicas que conflitam na orientação cristã de grande parcela da população, como alguns direitos reivindicados por homossexuais, por movimentos que defendem o reconhecimento profissional das prostitutas, a legalização e discriminação de todas as drogas, a liberação do aborto e da eutanásia.
A gritaria de certos segmentos em reclamar direitos esbarra-se na muralha das crenças da população. Ou seja, a discussão de determinação políticas de direitos coletivos deveria considerar a discussão ético-religiosa. Do ponto de vista individual, a discussão ética encontra consonância no princípio do livre-arbítrio, pois cada pessoa pode fazer o que lhe convém, desde que não seja um meio para se omitir das obrigações legais. Em uma discussão filosófica existencialista, o livre arbítrio é o exercício moral da razão que pode ser limitado por determinadas convenções, pois cada pessoa no afã de satisfazer as suas vontades até as últimas conseqüências fica atraída por seus instintos mais primitivos a agredir o próximo. Essa agressão é mais moral do que física, pois há marcos históricos cuja remoção gerará sérios conflitos ideológicos.
O povo brasileiro nasceu no berço esplêndido da orientação judaico-cristã, tendo, em sua história da educação, a escola dos jesuítas e sua doutrinação de fé. A cultura judaico-cristã que nos abraça é a nossa herança moral que norteia os valores prevalecentes na sociedade. Inclusive a Constituição Federal invoca a “Proteção de Deus”, reforçando a influência religiosa em um Estado que se proclama laico. Assim, a laicidade do Estado não é pressuposto de eliminação de crenças, mas do ordenamento do respeito a todas as suas manifestações. Por isto, estamos cercados de templos e de preceptores que reproduzem esses valores: amor, casamento, sobriedade, preservação da vida, etc. Por causa da tradição religiosa cristã, o pastor e o padre têm mais autoridade do que qualquer político e intelectual en seus ensinamentos de profissão de fé. Porém, há de lamentar como, em casos isolados, lideres utilizam a manipulação e o uso sórdido do poder em benefício próprio, tornando propícia a inútil frase de Karl Marx: “a religião é o ópio do povo”.
Contudo, a prática de fé do povo brasileiro é contraditória do que é ensinado, do que se crê e o que pratica. O sincretismo religioso revela a convivência com diferentes religiões de princípios doutrinários antagônicos que se fundem gerando uma more mística. Por isto, há quem se declare religioso não praticante, aceitando a vivência da fé da conveniência. A polarização entre católicos e evangélicos resulta da crise das instituições, resultando a convivência com novas formas de pensamento, incluindo o pós-modernismo. Disto resulta o crescente materialismo das disputas por números de adeptos numa gritante denúncia da coisificação do homem. Isto acontece até mesmo entre igrejas do mesmo segmento. Daí surge a ortodoxia doutrinária da conveniência que torna mais visível essas disputas de poder eclesiástico e político, dando tom ao movimento religioso contemporâneo.
Considero relevante a opinião de Myles Munroe de que “ninguém pode matar uma ideia, pois ela vai se multiplicar” e dá uma dica de que “para acabar com uma ideia deve combatê-la como uma ideia melhor”. Logo, o duelo de ideias torna-se uma premissa para desconstruir uma crença nascida com o povo brasileiro.
Uma das estratégias é desqualificar a crença no livro sagrado, utilizando o método crítico do texto chamado Desconstrucionismo, que julga todas as interpretações igualmente válidas ou igualmente destituídas de significado (dependendo do ponto-de-vista de quem o analisa). Isto significa desconstruir a verdade, inserindo a dialética da suspeição, mudando sua vertente para uma interpretação mais condizente como o ponto de vista de quem lê, apontando incoerências e erros.
Nesse caso, os princípios do pós-modernismo implica o individualismo, a subjetividade, o relativismo moral e o pluralismo de ideias, tornando a sociedade uma babel com muitas vozes e disputa de espaço de razão e de poder.


O fundamentalismo da subjetividade se contrapõe a qualquer valor que se julgue absoluto, enquadrando a objetividade nos critérios científicos e jurídicos, dando-lhe a vestimenta da imprecisão. Aliás, a única verdade objetiva é: “cada cabeça tem uma sentença” ou como Rubem Alves costuma dizer: “o que dizemos é apenas um palpite...”
A LIBERDADE E O PLURALISMO DE IDEIAS
O pós-modernismo tem também sua substância no pluralismo religioso, ético e moral. Logo, o pressuposto da suspeição dissemina a doutrina de que todas as religiões estão certas ou todas estão erradas, que cada pessoa tem a liberdade para definir o que é certo ou errado para sua vida, pois todos são constituídos de direitos sobre o seu próprio corpo, interesses e vontades. Esse perigo da inconsistência de princípios torna a sociedade contaminada por um crescente individualismo, fomentando a disputa por pontos de vista, razão e aumenta o pleito por aquilo que julga de direito, gerando a inversão de valores. Por isto, a marcha pela legalização da maconha por mais reprovável que seja, encontra substância na interpretação jurídica da liberdade de pensamento que, por sua vez, se opõe a proibição legal do comércio de drogas e à discussão ética judaico-cristã.

A liberdade e o pluralismo de ideias encontram vazão no arcabouço da democracia, que é uma das melhores formas de governos comparada com a ditadura, aristocracia e outros regimes totalitários. Mas, devemos considerar que a democracia embora seja uma das formas de governo mais aceitáveis em todo mundo tem suas fragilidades. A democracia é o braço direito do capitalismo e ajuda a capitalizar dos pobres em favor dos ricos, contribuindo para a desigualdade social. Essa desigualdade acirra a guerra de classes e segmentos, pois a sensação de perda, de precariedade frente a leniência dos governos e instituições.
A idealização imprecisa de um modelo de sociedade é construída por muitas vozes e a ideia de uma sociedade plural é a somatória de conflitos de interesses de diferentes segmentos. Não se trata apenas do antagonismo de ideias, mas de uma disputa de poder de que tem mais influência nos bastidores da política, dando as suas motivações natureza legal.
O antagonismo poder público e sociedade civil resulta da ausência de aliamento de interesses, pois a política de fachada eleitoral prevalece nas obras, projetos e programas com o pressuposto de bem comum. Assim, a via de consenso não se estabelecerá pela dialética, mas por uma nova cultura de probidade e transparência.


CONCLUSÃO
A discussão da política de direitos sem um debate moral inaugura uma guerra ideológica. É impossível remover um sistema de crenças instituída como herança cultural a um povo. A transformação do pensamento acontece no decorrer de gerações, mas preserva a sua essência; por isto, não se conseguiu mudar a disciplina dos povos orientais, mesmo com os regimes totalitários e o advento do capitalismo.
A imposição legal não resolve o problema da aceitação e do consenso a determinadas práticas, pois a criminalização não elimina um sistema de crença. Apostar na educação escolar também não poderá suplantar a essência das crenças, pois mesmo o evolucionismo não conseguir eliminar a crença no criacionismo presente na cultura judaico-cristã.


REFERÊNCIAS
Não indico referências, mas convido a ler o artigo o “Pluralismo do Pós-modernismo”, de Heber Carlos de Campos.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O IDEAL DE UM MUNDO PERFEITO

 
professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUÇÃO
Lembro-me quando ouvi pela primeira vez a música “Perfeição”, da banda Legião Urbana, composta por Renato Russo (1960 – 1996), que trazia um protesto contra a infâmia da nossa sociedade, citando a estupidez humana, a injustiça e o descaso dos governos. Sua ironia em celebrar "com os idiotas" as desgraças ocorridas todos os anos revelava um desejo enrustido de um mundo melhor. Assim, convidava todos a fazer uma auto-crítica daquilo que vimos em nossa sociedade e preferimos ignorar.
Para o poeta Fernando Pessoa (1888 – 1935), “adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos, se a tivéssemos. O perfeito é desumano, porque o humano é imperfeito”. Aliás, amamos a perfeição com um ideal inatingível, por isto, criticamos os outros, cobrando os impostos das nossas expectativas não atendidas. Assim, esperamos granjear servos das nossas convicções para que o jardim do coração se ilumine das flores da vaidade do ego.
O DIÁLOGO DA PERFEIÇÃO COM A IMPERFEIÇÃO
A imperfeição é marca constitutiva do ser humano e revela a incompletude do conhecimento sobre si mesmo e do mundo ao redor. Diferente de Adão que foi um adulto instantâneo, surgimos crianças em um corpo nu, com memória rasa, tendo que aprender desde o estímulo da sucção aos valores da cultura e da educação até o final dos nossos dias. Ainda, persiste a sensação de incompletude que nos leva a buscar o conhecimento como a última novidade da vida.
O mundo perfeito navega no ideal de felicidade do homem; deságua no oceano dos sonhos de um ambiente sem tristeza, justo e com conforto. Por isto, entendo porque o capitalismo universaliza o sonho de aquisição de bens, fama e poder como um meio de se alcançar a felicidade. Aliás, a desigualdade social torna mais desejável a realização do sonho, porém a crueza da realidade do pobre gera autocomiseração pela incapacidade de ascensão social no horizonte mágico do sonho.
O filósofo das frustrações, Lucius Aneu Sêneca (4 a.C – 65 d.C), conhecia um homem rico chamado Védio Póllio, amigo do imperador Otávio Augusto, cujo escravo deixou cair uma bandeja com copos de vidro durante uma festa. Esse homem ficou tão furioso com o som dos vidros se quebrando que mandou matar o escravo, de forma cruel, atirando-o num fosso cheio de lampreias. Ao comentar sobre esse episódio, Alain de Botton ironiza dizendo que Védio Póllio acreditava em um mundo em que os copos não se quebravam.
Nesse caso, uma das manifestações de quadro clínico de delírio é ira, descontrolável, impulsiva na sessão de descarrego brutal da insanidade.
Nas reportagens de grandes tragédias, ouvi algumas vezes o assassino dizer que estava cego que não podia ouvir a voz da sensata razão. Porém, fico escandalizado como o agressor se apresenta vítima da situação, como tivesse o direito de não ser contrariado. Ou seja, no mundo ideal compreende a satisfação dos seus desejos mais mesquinhos, que não podem ser negados, como, por exemplo, o amor de uma mulher.
Nas relações de poder, a cobrança pela perfeição manifesta os instintos mais primitivos de dominação sobre seres humanos. É a forma caprichosa de alguém se deleitar nas fragilidades do outro, impondo-lhe o sentimento de incapacidade e limitação.
Podemos entender que ao adquirir o poder, riqueza e influência, alguém pode julgar que reúne condições para superar o advento das frustrações, pois caprichosamente terá capital para comprar quem possa atender aos seus desejos. Também, pode se iludir, crendo que o dinheiro é o meio de satisfação e prazer, podendo alcançar a almejada felicidade.
Há pessoas como folhas secas a voar sem saber onde chegar, influenciadas pelo que vêem e pelo que sentem. A vida pode ser uma linda flor, mas suas pétalas se derramam pelo chão a cada estação. Assim, o desenho da felicidade anunciado no romantismo da novela  se apaga no fim de cada capítulo.
Para alguns em seu mundo perfeito  não pode faltar a bajulação e o elogio por mais reprovável que seja o seu comportamento. Nas asas do poder, a sensação de segurança encontra substância na quantidade de apoiadores, mesmo que inconstantes e interesseiros. O espelho transparente da crítica, por mais dolorosa que seja, mostra as nossas imperfeições e nos convida a banhar nas águas límpidas da reflexão das motivações dos nossos atos.
A imperfeição do mundo se manifesta nos contrastes das motivações humanas que vão além da situação posicional de alguém. As concepções de poder e de razão se manifesta na classificação das pessoas: ricos e pobres, intelectuais e leigos, aristocratas e servos, dentre outros exemplos. Daí pode-se inferir como surgiu a ideia de eugenia, de raça superior e as concepções do homem perfeito.
Os duelos de palavras são manifestações inconscientes do desejo que o mundo atenda as nossas expectativas. Nesse caso, as pessoas seriam perfeitas e não iriam cometer falhas, erros, pecados ou desatinos reprováveis aos nossos olhos. Talvez, essa seja a forma mais confortável de nos abrigarmos na caverna da indiferença dos nossos próprios tropeços. A trave que nos cega foi construída por nós para proteger a nossa própria verdade, sagrada na convicção de que não somos mais excelentes.
A roda que gira o mundo está manchada do sangue dos mártires que defendiam suas verdades até as últimas conseqüências. A honra dos mártires não se degeneraliza, pois essas vítimas da intolerância são testemunha da história contra aqueles que mão admitiam a coexistência de ideias divergentes, de pessoas diferentes à frente do seu tempo.
As frustrações são inerentes ao ser humano, pois são resultantes dessas expectativas não atendidas. Nos relacionamentos pessoais e profissionais podemos ser induzidos ao erro de não poderemos nos decepcionar com alguém que estamos intimamente ligados. Mesmo conscientes da imperfeição humana, cremos no ideal de que há relações perfeitas até mesmos nos níveis mais íntimos de amizade. Contudo, aprendi que se conhecermos as imperfeições da cada pessoa, poderemos compreendê-la, respeitar suas limitações e não teremos ocasião para reclamar da imperfeição. Ou seja, só podemos reclamar decepção daquilo que não conhecemos e não estávamos preparados para conviver em um momento oportuno. Por exemplo, se você convive com alguém que é chocalheiro (“sem papas na língua”) não será novidade se ele em determinado momento for traído pelos defeitos da sua natureza. Então, qual o motivo para você se decepcionar com ele, se sabia de suas deficiências. O máximo é ter uma ira momentânea, porém estéril em suas conseqüências.
A BUSCA DA FELICIDADE
A busca da felicidade rima com os anseios de um mundo perfeito, que não será encontrada enquanto perdurar o vazio existencial do ser humano. É como uma casa bela por fora, adornada com móveis por dentro, porém sem moradores. Torna-se uma morada dos sentimentos que se comunicam com imprecisão com a razão, dando arbítrio para a vontade se manifestar ao sabor das paixões. Segundo o filósofo italiano Remo Bodei, as paixões podem ser benignas ou perigosas, dependendo da lógica e do delírio de cada um.  
Tenho aprendido que o caminho da perfeição está perfumado pelas flores do amor. Por isto, as sábias epístolas paulinas apontam o vínculo da perfeição enraizado na rocha firme do amor. Por isto, acredito que o amor é o remédio sem contra indicações para solucionar os males relacionados ao ciúme, à inveja e a soberba, pois o amor é benigno.
O amor embeleza amizade e supera todos os defeitos, tornando cada pessoa um sacerdote na tarefa de perfumar o ambiente pela satisfação da presença do outro. As palavras tornam-se instrumentos na construção de relações sólidas, edificadas com pedras vivas da confiança e da lealdade. Acredito que o amor é uma floresta que ajuda a despoluir os nossos corações do mal.
Por isto, gosto da concepção teológica do “Reino dos Céus” como uma experiência inerente a transformação do caráter do ser humano, pela inauguração de uma nova ética, no respeito ao próximo, inspirada nas palavras de Cristo. A ética do Sermão da Montanha é um divisor de águas entre a tradição histórica de disputas mesquinhas e o ecossistema benigno da fraternidade. O mundo perfeito é fraterno tal como a comunidade apostólica onde todos tinham tudo em comum e celebravam as festas da caridade com alegria e simplicidade.
A felicidade é simples e não precisa do enfeite da riqueza, da fama e do poder. Ela não tem dono, pois sua existência e morada são eternas. É um bem tão precioso que ninguém pode reclamar propriedade exclusiva, porque é contagiosa, em sua influência, e desejável pelo ser humano. A tristeza é o hospede mais indesejável do coração humano e flerta com a morte. Por outro lado, a felicidade anuncia a abertura das portas da alma para a vida.
CONCLUSÃO
Um mundo perfeito pressupõe a existência de pessoas perfeitas, que não podem falhar nem decepcionar alguém. São pessoas que existem no jardim do coração, compartilhadas no universo do desejo, do prazer e da complacência da satisfação egocêntrica, mesquinha e fratricida. Mas do ponto de diversidade do gênero humano, cada ser humano é imperfeito para que ao se completar com outra pessoa possa superar as suas limitações.
REFERÊNCIAS
BOTTON, Alain de. Filosofia um guia para a felicidade. Série de documentários para a TV, 2009.
RUSSO, Renato. Perfeição in Descobrimento do Brasil. Gravadora EMI, 1993.
CONEXÃO ROBERTO D’AVILA. Entrevista com o filósofo Remo Bodei. TVE Brasil, 07 de março de 2007.