
Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUCÃO
Há algum tempo venho compartilhando ideias em rodas de conversas com amigos sobre assuntos de natureza moral, alguns princípios e especulações teóricas. Nessas conversas surgia sempre a indignação com o mal feito, a injustiça e as posturas equivocadas. Ficava escandalizado como muitas pessoas, algumas delas declaradamente religiosas, faziam o caminho inverso do desvendamento da luz da existência, impondo a ideologia da interdição do corpo com uma política mesquinha, tapando a boca do poço da verdade para os sedentos.
Parece que quando a oportunidade de a verdade ser desvendada sempre surge algum fato novo para desviar a atenção e encobri-la por mais um tempo. Enquanto isto, alguns loucos dialogam sozinhos suas inquietações e, quando falam, ficam na expectativa de serem silenciados. Aliás, protestar contra o erro incomoda os reis em seus palácios, pois a eminência de qualquer revolta ameaça a perda dos seus privilégios.
A voz dos loucos algumas vezes caminha contramão da lógica daqueles que exercem o domínio. É a voz do oprimido, do insatisfeito com a tragédia do caminho tortuoso e dos erros dos poderosos. Ainda, assim, a propaganda da eficiência e da culpa é estratégica mais adotada para engabelar os insensatos e encobrir seus deslizes. A intenção se perpetuar no poder e sobreviver lutando contra todos os adversários até a última gota. Não sabe que aqueles que resistem se alimentam das fraquezas para anunciar a necessidade de mudança.
A LUZ DOS OLHOS E O NATAL
Parece que o Natal é o pretexto para silenciar todos os argumentos da contradição e para a apresentação dos anúncios de paz, alegria e fraternidade. Nessa época, até os excluídos recebem presentes pressupostamente atribuídos a Papai Noel e os que passam fome recebem cestas básicas e de Natal. Destaca-se o refrão de que todos tenham um “Feliz Natal”, mesmo que seja apenas um dia no ano. É nesse momento que se lembra dos orfanatos, dos asilos, das favelas, dos miseráveis do sertão, etc. Contudo, o princípio do Natal deveria ser manifesto todos os dias do ano na vida das pessoas e não apenas nas celebrações do Natal.
Por isto, trazemos nos olhos neste Natal a expectativa de que nasça uma nova consciência entre os homens. Que a solidariedade não seja uma coerção cultural festiva, mas um ato de transformação moral e social. Do contrário, tudo volta a mesmice do individualismo canibalesco que se alimenta da exploração do próximo.
A mesma mensagem do Natal se repete há tempos, mas os valores vão se deformando ao longo dos anos, os conceitos de famílias se evaporam como naftalina nos armários e a educação dos filhos é terceirizada à mídia, aos grupos de amigos e à escola. Mas, no Natal, a família se reúne para celebrar a fartura da ceia com os excessos de comida e bebida alcoólica. A alegria efêmera é celebrada com um punhado de tradição, sem nenhuma reflexão teológica que o dia de Natal exige.
O Natal do Papai Noel faz a alegria do capitalismo, movimenta a indústria e comércio deste país e do mundo. O Natal comercial desvirtua a comemoração do nascimento Cristo do Cristianismo. Esse Natal é cheio de luzes, com presépios iluminados e custos elevados para os municípios – valor tão alto que poderia cobrir despesas com educação, saúde e/ou de outra área social. Mas que pena! Somos traídos pelos órgãos dos sentidos, a começar pela visão e a beleza que fascina é a nossa ilusão. Nem tudo que vimos é real por mais belo que seja. É uma cortina que nos veda o acesso a realidade dos fatos. A verdade está atrás da cortina ou como diz o escritor de Cantares está atrás dos nossos muros. Por isto que a candeia do corpo são olhos e os nossos olhos precisam ser bons para que o nosso corpo seja iluminado. Do contrário, seremos domesticados e orientados pelas viseiras da ideologia dominante.
As luzes e as celebrações deveriam mover as batidas do coração e abrir os olhos da alma. Porém, as lanternas do capitalismo só permitem ver troca de presentes, comidas e bebidas das ceias de Natal. Além disto, o Papai Noel torna-se o centro das atenções das crianças e dos adultos, pois o velhinho é um ídolo cultivado desde a antiguidade como símbolo do Natal. No lugar do presépio surge a árvore de Natal e os presentes em que cada um presenteia aos membros do ciclo de amizade.
Nosso olhar sobre o Natal não deveria ser mercantilista, amparado na tradição dos excessos. Esses excessos de comida, de bebidas e de despesas supérfluas que geram em muitos o endividamento. Nesse caso, as compras são realizadas porimpulso como meio de satisfação pessoal e social ou até mesmo ostentação.
No advento de cada Natal fala-se muito em paz, solidariedade e justiça, mas, no decorrer do ano, tudo não passa de votos não cumpridos e esquecidos na masmorra das consciências. Trata-se da repetição de um ciclo de posturas viciadas e alienantes em que cada um devora o seu próximo como se fosse um manual de sobrevivência na selva, onde os mais fortes suplantam os mais fracos.
Convido a refletir com o filósofo Mario Sérgio Cortella sobre o Natal. Ele mostra que o Natal deve levar as pessoas sobre a importância do nascimento de Jesus e o que Ele significa para a história da Humanidade, como o seu ensino tem relação com a nossa vida e a fé que inaugura. A reflexão exige o silêncio, a pausa e até a mesmo a melancolia. Faz a pessoa se desligar do mundo e viajar para dentro de si mesma e verificar se a vida, ações e relações condizem com os princípios anunciados por Cristo. Também, a reflexão pode ser celebrada junto em família desde que a palavra “comemorar” signifique “lembrar juntos” com a família, os amigos etc. Claro, não existe Natal sem Cristo, assim como não existe Cristianismo sem Cristo. O Natal sem Cristo é uma tradição sem vida, extemporânea e midiática.
CONCLUSÃO
Sou uma das pessoas que no Natal quero celebrar a encarnação do Verbo Divino, o significado da habitação de Deus entre os homens, seu propósito e essência. A vida não precisa ter trevas. Há a luz de uma estrela que brilhou no primeiro Natal e irradia sua doutrina no mundo. A palavra de Cristo é luz transformadora de vidas desde que a pessoa ande como Ele andou.
REFERÊNCIAS
Recomendo a leitura dos textos do filósofo Mario Sérgio Cortella sobre o Natal, principalmente pela experiência religiosa e seus escritos enquanto teólogo.