sábado, 10 de dezembro de 2011

APENAS A VERDADE – PARTE 2


Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUCÃO
No último artigo refleti sobre a verdade como princípio ético e moral, porém ficaram algumas omissões importantes e a algumas perguntas não respondidas, tais como: por que o mal campeia triunfante durante longo tempo, causando tanto dano, fazendo as pessoas desacreditarem da bondade, da justiça e da verdade.
Percebi que realmente a mentira continua produzindo danos incalculáveis e que há inúmeros exemplos ao longo da história e do cotidiano: de pessoas que foram mortas por causa de uma mentira, casamentos desfeitos, guerras, etc. Restaram como despojo a mágoa, o ressentimento e a vingança, pois, a vida perdida não voltará mais e o belo castelo construído desmanchou-se apenas com uma palavra. Assim, o desafio de perdoar a afronta de alguém tem o peso de uma montanha para ser transportada, porque é algo que mexe nas cicatrizes da alma, com o orgulho ferido. Mas, manter a mágoa alarga a ferida, deprime, adoece a alma, envelhece os ossos e produz morte.
QUANDO A VERDADE FALTA
Vivemos a geração das terapias e dos antidepressivos, pois a cada dia aumenta o número de vítimas do trânsito, de assaltos, homicídios, fatalidades e outras tragédias. Apesar das proibições e das penalidades legais, persistem as irresponsabilidades de pessoas alcoolizadas, usuários de drogas e delinqüentes. Mesmo assim, há quem defenda que os infratores também são vítimas e culpa a sociedade, a família e o Estado por todos os males. Nessa lógica, a marginalidade seria forma de retaliação do indivíduo excluído socialmente à agressão simbólica que sofreram e, nessa desculpa, atenua-se a culpa dos inconseqüentes.
Percebo que a corrente humanista aparenta ser menos complacente com as vítimas da violência e institucionaliza a lógica da desforra na sociedade. Nesse caso, o adolescente se torna infrator porque sua família é desajustada, o mauricinho se torna usuário de drogas e marginal por causa do enfado da vida de luxo e da família permissiva, alguém matou porque sofreu violenta emoção do ciúme e, assim, cresce a enumeração das desculpas. Espera-se que alguém tenha a dignidade de assumir seus erros, tirando a máscara da presunção de inocência, amparado na demência do ato jurídico.
A impunidade se legitima pela mentira produzida por hábeis advogados, pagos a preços de ouro. Os subterfúgios do poder econômico são usados para afrouxar a lei e o juízo. Essa opressão sobre o fraco e o pobre tem suas desculpas: o Código Penal Brasileiro está ultrapassado e precisa ser mudado. E por que não muda? Porque, entre os que fazem a lei, há quem dela se beneficie por estar respondendo a processos de improbidade administrativa, grilagem, evasão de divisas, formação de quadrilha e outros crimes, cujos processos são postergados por caros advogados. Enquanto isto, acontecem manifestações, clamores por justiça e multiplicam-se as desculpas por meio de transferências de responsabilidades e, no final, a culpa recai sobre a sociedade por ser pressupostamente omissa, ignorante e por não saber escolher os seus representantes nos centros decisórios de poder. Daí surge nova desculpa é preciso investir mais em educação e por que isto não acontece?
Ninguém pode negar que a mentira é uma ideia. Também, não se pode negar que uma ideia é construção lógica de uma forma de pensar com certa coerência, pois envolve todos os processos mentais: aplicação, encadeamento, associação, relacionamento e outros. Quando uma ideia é multiplicada, repetida ao maior número de pessoas com forte argumentação, ela tende a se parecer com a verdade. Mas não é o número de adeptos ou seguidores a evidência que alguém está dizendo a verdade. A verdade nunca será instrumento de dominação, de manipulação, de lavagem cerebral. Quem é verdadeiro inspira as pessoas e não as manipula. O que caracteriza a mentira é a lógica da trapaça, a rede de subterfúgios, o pressuposto do levante, a consciência do mal e do engano. É uma cegueira imposta por uma venda a alguém para seguir caminhos tortuosos cujo fim é a morte.
Acerca do engano, lembro das palavras do divino Mestre: “fiquem espertos para que ninguém vos engane porque surgirão muitos enganadores, vestidos de pregadores da verdade”. Outra vez, ele avisou que os enganadores são soberbos, ingratos, violentos, gananciosos, avarentos, sem afeto natural e aproveitadores, mesmo investidos da aparência de piedade. Assim, o que te protegerá do engano é buscar o conhecimento da verdade, pois ele produz sabedoria, a capacidade de discernimento do que é verdadeiro e falso.
Devido à multiplicação do mal, devemos estar vigilantes para não sermos a próxima vítima. Por quê? Uma rede de mentiras provoca cegueira tal que foge até do senso racional. A pessoa fica convencida que o engano é verdadeiro, podendo tornar-se agressiva com quem quer convencê-la do contrário. Daí surge a alienação porque a pessoa passa ter um estilo de vida equivocado.
A doutrina da verdade relativa pressupõe a relativização da mentira. Ou seja, há várias verdades; logo a mentira depende do ponto de vista de cada um. Todos possuem a sua própria verdade e todos têm a sua razão. Trata-se da abolição da mentira, da deslealdade, do pecado e do crime para surgimento de neologismos como “erros”, “equívocos”, “irregularidades” e “posições de cada um”. Assim, aprisiona-se a verdade ao sabor das conveniências, esvaziando-a do arbítrio ético e moral.
Hoje temos convivência com várias ideologias. Não se trata apenas de um conjunto de ideias voando nos ares e nos livros. Segundo Pedro Demo, ideologia é a justificativa de nossas posições políticas. Nisto surgem várias bandeiras, rótulos e estigmas: direita, centro e esquerda, conservador e liberal, etc. e essa segmentação não se reflete em diversidade de pensamento, mas em conflitos e disputa de poder. Assim, cada um bandeia para sua ideologia e faz dela seu sistema de crenças, lutando para perpetuá-la como verdade. Por consequência, passa a constituir a sua verdade e todas as pessoas passam a serem julgadas pelo crivo de seu pensamento, tornando-se uma trave a ser rompida pela confrontação com a verdade suprema. A verdade suprema é a luz que torna visível todas as coisas; revela o escondido e dá entendimento aos símplices.
Entendo que as ideologias produzem o enfrentamento, sendo a razão de muitas guerras ao longo da história da humanidade. Aliás, as ideologias deveriam conduzir a dialética para, por meio do diálogo e da negociação, produzir a síntese e o consenso. Mas, historicamente tem sido fonte de acirramento das vaidades, pois cada um agarra a sua verdade como único fio de esperança ou tabula de salvação, impondo sua forma de pensar até as últimas conseqüências.
Há quem acredita que pensar diferente é uma forma de oposição e parte desse pressuposto para silenciar as divergências e, ao dar conotação pessoal, cria adversários e tenta eliminá-los. A solução não é ver a ideologia como algo inerentemente mal, mas como uma ferramenta para a leitura do mundo, entender a diversidade existente nesse imenso universo e o exercício da tolerância com liberdade de cada um expressar a sua opinião. Expressar as palavras como um palpite na roda de amigos, sugerido pelo educador Rubem Alves, é meio mais eficaz para aprender a exercer essa tolerância de conviver na arena do debate divergente.
Uma questão importante que aprendo nos escritos de Max Lucado é que a verdade suplanta o medo. Esse medo irracional do desconhecido, do amanhã, do contraditório, de nossas expectativas serem frustradas, que nossas provisões faltem e, sobretudo, que nosso ciclo de existência seja interrompido a qualquer momento. Por isto, entendo porque a palavra divina mais pronunciada é: “Não temas”. Claro, nós nos alimentamos dos nossos medos, nos escondemos nos seus casulos e fazemos deles nosso escudo, nossa arma. A nossa irracionalidade tem sua fonte no medo. Por medo, agimos com violência com o próximo com a estratégia de um ataque preventivo, para impor o respeito e não sermos incomodados na sala de estar do nosso ego e da auto-suficiência.

CONCLUSÃO
Ainda, sobre o medo, vejo que o temor deve ser o termômetro da nossa ansiedade e não instrumento da insanidade do pânico. Há pessoas que se enclausuram nas síndromes para justificar seus temores. Mas a verdade afasta o medo, investe a pessoa da autoridade da fé e da esperança, que nos liberta da ditadura dos órgãos do sentido. A esperança nos faz ver o futuro no presente, dando-nos segurança nos nossos ideais; a fé nos faz acreditar que tudo é possível e nos dá o combustível para batalhar para realização dos sonhos.
REFERÊNCIAS:
ALVES, Rubem. O céu numa flor silvestre: a beleza em todas as coisas. São Paulo: Versus Editora, 2008.
DEMO, Pedro. Introdução à Metodologia da Ciência. 2ª Edição. São Paulo: Atlas, 1987.
FINLEY, Mark. Tempo de Esperança. Tradução de Cecília Eller Nascimento. Tatuí (SP), Casa Publicadora Brasileira, 2009.
LUCADO, Max. Sem Medo de Viver. Tradução de Bárbara Coutinho e Leonardo Barroso. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2009.

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