
Professor Gelcimar da Silva Pereira
Nunes
INTRODUCÃO
No
último artigo refleti sobre a verdade como princípio ético e moral, porém ficaram
algumas omissões importantes e a algumas perguntas não respondidas, tais como:
por que o mal campeia triunfante durante longo tempo, causando tanto dano,
fazendo as pessoas desacreditarem da bondade, da justiça e da verdade.
Percebi
que realmente a mentira continua produzindo danos incalculáveis e que há inúmeros
exemplos ao longo da história e do cotidiano: de pessoas que foram mortas por
causa de uma mentira, casamentos desfeitos, guerras, etc. Restaram como despojo
a mágoa, o ressentimento e a vingança, pois, a vida perdida não voltará mais e o
belo castelo construído desmanchou-se apenas com uma palavra. Assim, o desafio
de perdoar a afronta de alguém tem o peso de uma montanha para ser transportada,
porque é algo que mexe nas cicatrizes da alma, com o orgulho ferido. Mas,
manter a mágoa alarga a ferida, deprime, adoece a alma, envelhece os ossos e
produz morte.
QUANDO A VERDADE FALTA
Vivemos
a geração das terapias e dos antidepressivos, pois a cada dia aumenta o número
de vítimas do trânsito, de assaltos, homicídios, fatalidades e outras
tragédias. Apesar das proibições e das penalidades legais, persistem as
irresponsabilidades de pessoas alcoolizadas, usuários de drogas e delinqüentes.
Mesmo assim, há quem defenda que os infratores também são vítimas e culpa a
sociedade, a família e o Estado por todos os males. Nessa lógica, a
marginalidade seria forma de retaliação do indivíduo excluído socialmente à
agressão simbólica que sofreram e, nessa desculpa, atenua-se a culpa dos
inconseqüentes.
Percebo
que a corrente humanista aparenta ser menos complacente com as vítimas da
violência e institucionaliza a lógica da desforra na sociedade. Nesse caso, o
adolescente se torna infrator porque sua família é desajustada, o mauricinho se
torna usuário de drogas e marginal por causa do enfado da vida de luxo e da família
permissiva, alguém matou porque sofreu violenta emoção do ciúme e, assim,
cresce a enumeração das desculpas. Espera-se que alguém tenha a dignidade de
assumir seus erros, tirando a máscara da presunção de inocência, amparado na
demência do ato jurídico.
A
impunidade se legitima pela mentira produzida por hábeis advogados, pagos a
preços de ouro. Os subterfúgios do poder econômico são usados para afrouxar a
lei e o juízo. Essa opressão sobre o fraco e o pobre tem suas desculpas: o
Código Penal Brasileiro está ultrapassado e precisa ser mudado. E por que não
muda? Porque, entre os que fazem a lei, há quem dela se beneficie por estar
respondendo a processos de improbidade administrativa, grilagem, evasão de
divisas, formação de quadrilha e outros crimes, cujos processos são postergados
por caros advogados. Enquanto isto, acontecem manifestações, clamores por
justiça e multiplicam-se as desculpas por meio de transferências de
responsabilidades e, no final, a culpa recai sobre a sociedade por ser
pressupostamente omissa, ignorante e por não saber escolher os seus
representantes nos centros decisórios de poder. Daí surge nova desculpa é
preciso investir mais em educação e por que isto não acontece?
Ninguém
pode negar que a mentira é uma ideia. Também, não se pode negar que uma ideia é
construção lógica de uma forma de pensar com certa coerência, pois envolve todos
os processos mentais: aplicação, encadeamento, associação, relacionamento e
outros. Quando uma ideia é multiplicada, repetida ao maior número de pessoas
com forte argumentação, ela tende a se parecer com a verdade. Mas não é o
número de adeptos ou seguidores a evidência que alguém está dizendo a verdade.
A verdade nunca será instrumento de dominação, de manipulação, de lavagem
cerebral. Quem é verdadeiro inspira as pessoas e não as manipula. O que
caracteriza a mentira é a lógica da trapaça, a rede de subterfúgios, o
pressuposto do levante, a consciência do mal e do engano. É uma cegueira
imposta por uma venda a alguém para seguir caminhos tortuosos cujo fim é a
morte.
Acerca
do engano, lembro das palavras do divino Mestre: “fiquem espertos para que
ninguém vos engane porque surgirão muitos enganadores, vestidos de pregadores
da verdade”. Outra vez, ele avisou que os enganadores são soberbos, ingratos,
violentos, gananciosos, avarentos, sem afeto natural e aproveitadores, mesmo
investidos da aparência de piedade. Assim, o que te protegerá do engano é buscar
o conhecimento da verdade, pois ele produz sabedoria, a capacidade de
discernimento do que é verdadeiro e falso.
Devido
à multiplicação do mal, devemos estar vigilantes para não sermos a próxima vítima.
Por quê? Uma rede de mentiras provoca cegueira tal que foge até do senso
racional. A pessoa fica convencida que o engano é verdadeiro, podendo tornar-se
agressiva com quem quer convencê-la do contrário. Daí surge a alienação porque
a pessoa passa ter um estilo de vida equivocado.
A
doutrina da verdade relativa pressupõe a relativização da mentira. Ou seja, há
várias verdades; logo a mentira depende do ponto de vista de cada um. Todos
possuem a sua própria verdade e todos têm a sua razão. Trata-se da abolição da
mentira, da deslealdade, do pecado e do crime para surgimento de neologismos
como “erros”, “equívocos”, “irregularidades” e “posições de cada um”. Assim,
aprisiona-se a verdade ao sabor das conveniências, esvaziando-a do arbítrio
ético e moral.
Hoje
temos convivência com várias ideologias. Não se trata apenas de um conjunto de
ideias voando nos ares e nos livros. Segundo Pedro Demo, ideologia é a
justificativa de nossas posições políticas. Nisto surgem várias bandeiras,
rótulos e estigmas: direita, centro e esquerda, conservador e liberal, etc. e
essa segmentação não se reflete em diversidade de pensamento, mas em
conflitos e disputa de poder. Assim, cada um bandeia para sua ideologia e faz
dela seu sistema de crenças, lutando para perpetuá-la como verdade. Por
consequência, passa a constituir a sua verdade e todas as pessoas passam a
serem julgadas pelo crivo de seu pensamento, tornando-se uma trave a ser
rompida pela confrontação com a verdade suprema. A verdade suprema é a luz que
torna visível todas as coisas; revela o escondido e dá entendimento aos
símplices.
Entendo
que as ideologias produzem o enfrentamento, sendo a razão de muitas guerras ao
longo da história da humanidade. Aliás, as ideologias deveriam conduzir a
dialética para, por meio do diálogo e da negociação, produzir a síntese e o
consenso. Mas, historicamente tem sido fonte de acirramento das vaidades, pois
cada um agarra a sua verdade como único fio de esperança ou tabula de salvação,
impondo sua forma de pensar até as últimas conseqüências.
Há
quem acredita que pensar diferente é uma forma de oposição e parte desse
pressuposto para silenciar as divergências e, ao dar conotação pessoal, cria
adversários e tenta eliminá-los. A solução não é ver a ideologia como algo
inerentemente mal, mas como uma ferramenta para a leitura do mundo, entender a
diversidade existente nesse imenso universo e o exercício da tolerância com
liberdade de cada um expressar a sua opinião. Expressar as palavras como um palpite
na roda de amigos, sugerido pelo educador Rubem Alves, é meio mais eficaz para
aprender a exercer essa tolerância de conviver na arena do debate divergente.
Uma
questão importante que aprendo nos escritos de Max Lucado é que a verdade
suplanta o medo. Esse medo irracional do desconhecido, do amanhã, do
contraditório, de nossas expectativas serem frustradas, que nossas provisões
faltem e, sobretudo, que nosso ciclo de existência seja interrompido a qualquer
momento. Por isto, entendo porque a palavra divina mais pronunciada é: “Não
temas”. Claro, nós nos alimentamos dos nossos medos, nos escondemos nos seus
casulos e fazemos deles nosso escudo, nossa arma. A nossa irracionalidade tem
sua fonte no medo. Por medo, agimos com violência com o próximo com a
estratégia de um ataque preventivo, para impor o respeito e não sermos
incomodados na sala de estar do nosso ego e da auto-suficiência.
CONCLUSÃO
Ainda,
sobre o medo, vejo que o temor deve ser o termômetro da nossa ansiedade e não
instrumento da insanidade do pânico. Há pessoas que se enclausuram nas
síndromes para justificar seus temores. Mas a verdade afasta o medo, investe a
pessoa da autoridade da fé e da esperança, que nos liberta da ditadura dos
órgãos do sentido. A esperança nos faz ver o futuro no presente, dando-nos
segurança nos nossos ideais; a fé nos faz acreditar que tudo é possível e nos dá
o combustível para batalhar para realização dos sonhos.
REFERÊNCIAS:
ALVES,
Rubem. O céu numa flor silvestre: a
beleza em todas as coisas. São Paulo: Versus Editora, 2008.
DEMO,
Pedro. Introdução à Metodologia da
Ciência. 2ª Edição. São Paulo: Atlas, 1987.
FINLEY,
Mark. Tempo de Esperança. Tradução
de Cecília Eller Nascimento. Tatuí (SP), Casa Publicadora Brasileira, 2009.
LUCADO,
Max. Sem Medo de Viver. Tradução de
Bárbara Coutinho e Leonardo Barroso. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil,
2009.
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