sábado, 22 de outubro de 2011

EU TENHO ESPERANÇA

Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUÇÃO
Gosto de falar de sonhos, pois eles abrem as janelas da alma, reacendem a chama da existência e criam significados para a vida. Aliás, a vida só tem sentido se for revestida de propósito. Ninguém existe simplesmente por existir. Há uma razão para a existência que remota para a origem de cada ser humano e vai além da discussão da ascendência, pois passa pela transcendência que nos envolve. Contudo, falar do transcendente, do espiritual ultrapassa a dimensão da matéria. Por isto, muitos têm receio de se aventurar nessa área e estão propensos a afirmar: “são coisas de metafísicos fanáticos”.
FLERTAR COM A ESPERANÇA
A esperança não surge do nada. Ela é fundamentada em uma crença que, por sua vez, orienta uma filosofia de vida. Ou seja, eu sou aquilo que acredito e isto vai definir o passo a ser dado, o meu futuro. Ninguém consegue viver sem uma crença ou uma ideologia: cristãos, místicos, ateus, judeus, gentios, ricos e pobres, etc. Apesar dos materialistas apontarem foco da sua esperança na emperia e a ciência; contudo, acredito nos mistérios da alma invisível, reclamando por imortalidade. Sou forjado a acreditar no dualismo da existência: matéria e espírito. Por isto, penso na forma que a alma se materializa por meio dos sonhos, viajando por lugares repletos por sombras ou por cores no desenho dos desejos ou revelando mistérios ou enigmas.
Falar do sonho é flertar com a esperança que, por sua vez, aponta para o futuro e abre as cortinas da eternidade. A esperança é uma das três virtudes mais excelentes do Cristianismo e, para ela, a morte é apenas um eufemismo. Por isto, me visto de esperança todos os dias ao acordar mesmo tendo consciência da brevidade da vida. Acredito que a esperança dá novo significado à vida, revestindo-a de imortalidade. Assim, a crueza da vivência diária não se contamina pelo desespero, pois estará amparada na crença de que o choro cessará ao raiar do novo dia.
Ter esperança não é viver alienado à espera do milagre ou ter um otimismo ingênuo. A esperança é a virtude que empurra o ser humano superar os desafios e o combustível da fé para se alcançar os vôos altos nos horizontes da vida. As pessoas otimistas acreditam nos seus sonhos e reúnem energia e esforços para realizá-los apesar das dores e lágrimas. Mesmo com todo o sofrimento sabem que com alegria colherão os frutos saborosos da felicidade.
O mar é uma das ilustrações mais aplicadas a nossa existência. Claro, o mar tem senso de humor impressionante e, mesmo com os dias calmos e tempestuosos, conserva a sua grandeza e humildade. Assim, a nossa vida tem momentos de dificuldades que nos roubam a energia, a saúde e até mesmo os bens, mas não pode roubar a fé e a esperança que é o nosso salvo conduto para a nossa ressurreição física, emocional e espiritual. Às vezes, a carne se consome pelas enfermidades e moléstias de toda sorte, porém ninguém pode matar a esperança. Só a pessoa afligida que pode debilitá-la e fazê-la fenecer, mas, se der oportunidade para a fé, ela pode renascer das cinzas e trazer à luz a existência.
Fico na espreita de que amanhã raiará o sol da liberdade. Há coisas que conspiram contra a esperança como, por exemplo, a persistência da adversidade consume todas as forças e energias e tendem a roubar a fé. Mas, não vou cessar de ouvir a música de Deus nos meus momentos tristes nem ficar alimentando pensamentos de autocomiseração na fria sala do meu quarto. Vou me ungir com os ungüentos da graça e me vestir de alegria ao despertar para o novo dia.
Lembro-me da infância dos sonhos de exercer diferentes profissões. Agora vejo que não consegui realizar o sonho em nenhuma dessas profissões, mas cheguei bem perto. Claro, o sonho é uma aposta, um caminho e não um lugar e uma proposta que se constrói no caminho no caminhar. De outro modo, sua realização não envolveria esforços emocionais, intelectuais e físicos. Convém ressaltar que alguns conseguiram chegar ao seu sonho por saber administrar bem as oportunidades e pelos seus próprios méritos, mas outros chegarão bem perto ou descobrirão outra vocação relacionada ao serviço ao próximo.
O sonho não pode ser individualista, egoísta e soberba porque isto manifesta o desejo de sobrepor ao próximo, saciar a sede de poder, fama e luxo. Por consequência, surgem os regimes opressores movidos pela paixão do domínio sobre o próximo. Essa paixão individualista, fabricada na panela do inferno, divide pessoas e suscita disputa e morte.
Trago à memória o célebre discurso do pastor e ativista social Martin Luther King Jr que declarou: “eu tenho um sonho”. Aprendo que um sonho não se realiza nas câmaras da acomodação. Exige esforço, luta e sinergia. O sonho de transformação social se constrói lutando contra um sistema de pensamento dominante e contra uma ideia equivocada. A história comprova que não é tarefa facial e registra muitos mártires, incluindo o próprio o Cristo que pregava a “Grande Ideia de Deus” que contrastava com a doutrina dos religiosos e líderes políticos da época. Também, o pastor Martin Luther King morreu assassinado por alguém contrário o seu ideal de mundo igualitário para todas as raças e de diferentes posições sociais. Portanto, pode-se matar um homem, mas não pode matar as suas ideias.
Quero sonhar os sonhos de Deus com suas imagens que mostram as virtudes a serem adquiridas pelo ser humano. Essas imagens apontam para aspectos da minha vida que precisam ser melhorados, principalmente no relacionamento com o próximo. A vida é uma via de mão dupla na qual, se não obedecermos a sinalização, faremos vítimas: a nós mesmos e o próximo. Essa sinalização diz respeito ao amor ao próximo e a tolerância que devemos em relação aos mansos. A convivência pode ser agradável se soubermos conviver administrar bem os conflitos por meio do diálogo.
Gosto da forma como Nelson Mandela fala do Ministério da Verdade e da Reconciliação, criada quando era presidente da África do Sul. Segundo ele, era preciso a vítima acreditar na integridade do seu agressor para que ambos expressassem livremente os seus sentimentos e acontecesse a reconciliação. Dentre os relatos, diz que muitos agressores choraram e diziam que não sabiam que tinha feito tanto mal e suplicavam o perdão. Claro, há males que são irreparáveis e se esgotariam todos os recursos do mundo e, nesse caso, a privação da liberdade apenas atenua a sensação de injustiça. Por isto, a nova abordagem que ganha voga é a justiça restaurativa que leva a pessoa a reconhecer o seu erro, empenhar-se pela sua reparação e produz reconciliação com a sua vitima. Ou seja, produz recuperação do indivíduo para não torná-lo um transgressor contumaz e devolvê-lo restaurado à sociedade.
Apesar da convulsão social e a degeneração dos lares, continuo tendo esperança na instituição família. Acredito que o melhor investimento de governo deve ser dirigido às famílias, pois esta é a celular mater da sociedade. A degeneração da sociedade começa com o conflito conjugal que atinge a família como um todo. A perda da referência moral causada pelo desgaste da relação familiar coloca crianças e adolescentes a mercê dos ventos da impiedade, trazendo conseqüências para toda a sociedade. Penso que o problema deve ser atacado na sua raiz e não ser apenas remediado por famigerados programas sociais. O problema reside na falta de esperança e de perspectiva de vida das pessoas a começar no seio das famílias.
Mesmo com as dificuldades de hoje e amanhã, continuo firme na fé de que um dia a terra será restaurada da ruína que lhe consome. A terra está banhada do sangue das vítimas das guerras e da violência, produzida pela má índole, pela ganância dos homens e pela disputa de poder. Ainda, hoje inocentes e culpados são levados aos antros da morte. A insegurança campeia ao nosso redor e sinaliza que podemos ser a próxima vítima. Mesmo assim, acredito na justiça eterna da retribuição a cada um segundo as suas obras quer tenha feito o bem ou mal. Por isto, creio que o cálice da impiedade será dado aos homens e para os justos brilhará o Sol da Justiça.
CONCLUSÃO
A esperança é o balsamo para a alma ferida. É um rio no deserto da vida, irrigando as raízes da árvore da existência. É a porta que se abre quando as possibilidades falham. Às vezes o esforço humano torna-se insuficiente, sendo necessária a esperança para acreditar que há uma saída. Por isto, quem vive de esperança é mais que um sonhador. É um precursor de boas notícias de consolação para aqueles que estão aflitos e amargurados com a consolação na qual foram consolados.

REFERÊNCIAS
Não vou indicar referências, mas vou recomendar que leiam alguma obra biográfica da vida da Martin Luther King Jr.

sábado, 8 de outubro de 2011

AS RIQUEZAS DA INJUSTIÇA


Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUCÃO
Recentemente tenho participado de reuniões, conferências e debates que têm como pano de fundo: a corrupção. Tais eventos expressam a desconfiança na justiça, na piedade e na boa fama, principalmente quando se utiliza recursos públicos. Nesses debates é defendida a rigorosidade empírica dos documentos que vai além do que se expressa como honesto e justo. Por isto, a prática da conferência expressa a transparência própria daquilo que se percebe harmônico e coerente nos seus diferentes ângulos. A verdadeira face de cada um está escondida em máscaras da honestidade e da bondade, pois impressionar é a estratégia mais utilizada no jogo do poder.
A QUEBRA DE REGRAS
Uma das expressões que ecoou aos ouvidos de todos como flecha lançada a esmo ao ar a procura de um alvo foi a frase dita por um dos palestrantes na 1ª Conferência Municipal de Transparência e Controle Social. Era flecha dirigida aos corações com o intuito de dividir ao meio todas as certezas e contradições, pois atingia as motivações, ideologias e práticas das pessoas, convidando-as a enxergar pelo menos um palmo de coerência. Por isto, não houve contestações quando foi dito: “todos são corruptos”. Era uma das demonstrações de que a corrupção era inerente ao ser humano acostumado a quebrar regras e a negociar a impunidade da sua transgressão ou até mesmo o silêncio da conivência daqueles pressupostamente honestos.
Se a palavra corrupção significa “quebra de moléculas que leva a destruição da matéria”; então, no contexto sócio-político, indica quebra de regras que leva à desordem social. Nesse caso, cada pessoa comete uma mínima transgressão do ponto vista: educacional, ecológico, legal e outros. Como exemplo, vejo nossas ruas cheias de lixo, mesmo havendo lixeiras perto ou distante. Com consciência ambiental, as pessoas evitariam que esses resíduos fossem para os bueiros e que, nos dias de chuvas, houvesse enchente. Claro, quase todas as tragédias foram provocadas por quebra de regras e não podem ser consideradas fatalidades. Isto vai desde o barateamento da construção à desobediência às leis de trânsito.
Hoje, o exercício da piedade é execrado. Quem se entrega ao trabalho, cumprindo suas obrigações funcionais é chamado de “Caxias” e outros pejorativos. O levante silencioso contra toda a forma de ordem é louvado, mesmo que seja lesivo para os usuários do serviço público. A banalização do serviço público é um exemplo da corrupção implícita, do mau feito e do desinteresse, denegrindo a imagem do servidor público.
A transgressão já começa dentro dos lares diante da complacente autoridade dos pais. Parece que a experiência da Ditadura Militar provocou trauma nas famílias e os pais temem usar a autoridade com medo de serem autoritários, tornando-se inseguros. Assim, querem ser liberais sem definir limites aos filhos e estes são impelidos às práticas mais abomináveis. Depois, há uma tentativa desesperada de salvar uma geração perdida, mergulhada nas drogas e na delinqüência, sem perdoar classes sociais: pobres e ricos.
Concordo que o âmago de cada indivíduo é ter uma sociedade melhor, sem os vícios culturais que se perpetuam no seio das famílias e nos antros políticos. Mas, os políticos são gerados pela sociedade que é mista e conflituosa, com suas diferentes classes e interesses. Logo, de alguma forma, a política reflete a lógica desse jogo de interesses. A disputa é um jogo de domínio sobre as bênçãos da legalidade e do favor do capitalismo. Como disse, certa vez, o capital é o combustível do poder pelo qual muitos macularam sua alma.
O fascínio do poder está na fama que confere superioridade aos homens à semelhança dos deuses. Apesar de a igualdade ser apregoada como princípio, desde a Grécia Antiga foi propalada a ideologia de uma raça superior composta de intelectuais, abençoada pelos deuses, enquanto que os demais homens seriam servos. Por isto, os políticos e quem detêm poder são chamados de excelência, meritíssimo e outros.
A PRERROGATIVA DO PODER
O poder não é prerrogativa somente dos agentes políticos, mas de cada pessoa. A política é inerente ao poder e este essencial à política. Logo todos são políticos: conscientes ou alheios, exercendo ou não função pública. Nesse caso, todos estão propensos a se submeter às práticas mais perversas do poder, mesmo sem exercer função pública, tanto que existe compra de votos e laranjas. Não são, porventura, pessoas comuns isenta de suspeitas devido a sua carência intelectual, social e outras que se submetem ao jogo do poder de forma doentia? Nesse caso, são cumplices ou vítima ou as duas coisas ao mesmo tempo? É inegável que a corrupção existe desde os primórdios da humanidade, sendo causa de revoltas, guerras e até a mudança da geografia do mundo.
Sou forçado a concordar com o filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778) de que “a sociedade corrompe o homem”. Observo que, apesar de condenado por alguns, o jeitinho brasileiro é parte inerente a nossa cultura. Essa forma de resolutividade expressa o mau feito, desleixado, provisório e até mesmo a trapaça. Isso mostra que remediar é a alternativa mais visível para um problema urgente cujo diagnóstico reclamava solução antes mesmo de vir à tona.
A razão da transgressão está explicada no anseio do homem em exercer o domínio sobre as outras pessoas, porém esse domínio é predominantemente opressor do mais forte sobre o mais fraco. Por isto, foram criadas regras para proteger o mais fraco, porém não se trata de uma concessão dos poderosos, mas de uma conquista por meio de luta reivindicatória.
O argumento do medo do confronto é obstáculo para qualquer mudança. Toda mudança é traumática, revolucionária e provoca danos, desequilíbrio. Não é fácil tirar as pessoas da sua zona de conforto e conduzi-la a uma nova filosofia de vida. Claro, idéias erradas norteiam filosofias e práticas de vida equivocadas e, nesse caso, traz grandes conseqüências na sociedade.
Percebe que há grande investimento em palavras no sentido de que a mudança aconteça. Observo que, quando se fala em educação como instrumento de mudança, pensa-se nas palavras dos professores dirigidas aos seus alunos em uma sala de aula. Também, tenho ouvido muitas palavras de ordem, de indignação e de cobrança no intuito provocar mudança de postura nas autoridades.  Contudo, são apenas palavras semeadas e os resultados dependerão da sensibilidade da terra (coração do homem).
Acredito que o melhor ensino começa pelo exemplo no interior dos lares. Já foi dito que a família é célula mater da sociedade. Assim sendo, se tivermos famílias bem educadas teremos uma sociedade menos conflituosa. Também, deve-se considerar que o melhor investimento deve acontecer nas famílias, pois quando se fala em educação se pensa em escola. Penso que a educação mais eficaz começa na família e isto requer atenção e exemplo dos pais aos seus filhos.
A queixa evidente é que, na contramão da educação da família e da escola, temos uma mídia irresponsável que divulga valores controvertidos e promove a banalização da violência, do sexo e das relações humanas. Além disto, apresenta a ilusão das riquezas e alimenta o consumismo das pessoas, inclusives daquelas com recursos insuficientes para adquiri-los. Assim, valoriza o ter, a fama e o sucesso do que o caráter e a boa fama. Ou seja, o mais importante é o que a pessoa tem do que o que ela é realmente.
Nessa ilusão, muitas pessoas apresentadas na mídia têm dinheiro, fama e posição, mas são de caráter doentio: promíscuos, boêmios, arrogantes e, algumas delas, envolvidas em crimes.
CONCLUSÃO
Já foi dito por Rubem Alves que nós somos formados de palavras, as quais grudam no nosso corpo como uma tatuagem. Desde que nascemos recebemos informações, instruções que formam a nossa coroa de pensamentos e orientam as nossas ações. Outra analogia é que os homens são como árvores plantadas. Aqueles que nasceram junto às correntes das águas da justiça aprenderam desde cedo aquilo que é boa fama, honesto e verdadeiro. O menino ensinado no caminho da equidade quando for adulto dificilmente será seduzido pelas riquezas da injustiça.
REFERÊNCIAS:
Vou apenas recomendar a leitura dos seguintes livros:
ALVES, Rubem. O céu numa flor silvestre: a beleza em todas as coisas. São Paulo: Versus Editora, 2008.
HART, Stuart L. O capitalismo na encruzilhada: as inúmeras oportunidades na solução dos problemas mais difíceis do mundo. Tradução de Luciana de Oliveira da Rocha Porto Alegre: Bookman, 2006.
REZENDE, Maria Gonçalves de. Relações de Poder no Cotidiano Escolar. Campinas (SP): Papirus, 1995.