
Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUCÃO
Recentemente tenho participado de reuniões, conferências e debates que têm como pano de fundo: a corrupção. Tais eventos expressam a desconfiança na justiça, na piedade e na boa fama, principalmente quando se utiliza recursos públicos. Nesses debates é defendida a rigorosidade empírica dos documentos que vai além do que se expressa como honesto e justo. Por isto, a prática da conferência expressa a transparência própria daquilo que se percebe harmônico e coerente nos seus diferentes ângulos. A verdadeira face de cada um está escondida em máscaras da honestidade e da bondade, pois impressionar é a estratégia mais utilizada no jogo do poder.
A QUEBRA DE REGRAS
Uma das expressões que ecoou aos ouvidos de todos como flecha lançada a esmo ao ar a procura de um alvo foi a frase dita por um dos palestrantes na 1ª Conferência Municipal de Transparência e Controle Social. Era flecha dirigida aos corações com o intuito de dividir ao meio todas as certezas e contradições, pois atingia as motivações, ideologias e práticas das pessoas, convidando-as a enxergar pelo menos um palmo de coerência. Por isto, não houve contestações quando foi dito: “todos são corruptos”. Era uma das demonstrações de que a corrupção era inerente ao ser humano acostumado a quebrar regras e a negociar a impunidade da sua transgressão ou até mesmo o silêncio da conivência daqueles pressupostamente honestos.
Se a palavra corrupção significa “quebra de moléculas que leva a destruição da matéria”; então, no contexto sócio-político, indica quebra de regras que leva à desordem social. Nesse caso, cada pessoa comete uma mínima transgressão do ponto vista: educacional, ecológico, legal e outros. Como exemplo, vejo nossas ruas cheias de lixo, mesmo havendo lixeiras perto ou distante. Com consciência ambiental, as pessoas evitariam que esses resíduos fossem para os bueiros e que, nos dias de chuvas, houvesse enchente. Claro, quase todas as tragédias foram provocadas por quebra de regras e não podem ser consideradas fatalidades. Isto vai desde o barateamento da construção à desobediência às leis de trânsito.
Hoje, o exercício da piedade é execrado. Quem se entrega ao trabalho, cumprindo suas obrigações funcionais é chamado de “Caxias” e outros pejorativos. O levante silencioso contra toda a forma de ordem é louvado, mesmo que seja lesivo para os usuários do serviço público. A banalização do serviço público é um exemplo da corrupção implícita, do mau feito e do desinteresse, denegrindo a imagem do servidor público.
A transgressão já começa dentro dos lares diante da complacente autoridade dos pais. Parece que a experiência da Ditadura Militar provocou trauma nas famílias e os pais temem usar a autoridade com medo de serem autoritários, tornando-se inseguros. Assim, querem ser liberais sem definir limites aos filhos e estes são impelidos às práticas mais abomináveis. Depois, há uma tentativa desesperada de salvar uma geração perdida, mergulhada nas drogas e na delinqüência, sem perdoar classes sociais: pobres e ricos.
Concordo que o âmago de cada indivíduo é ter uma sociedade melhor, sem os vícios culturais que se perpetuam no seio das famílias e nos antros políticos. Mas, os políticos são gerados pela sociedade que é mista e conflituosa, com suas diferentes classes e interesses. Logo, de alguma forma, a política reflete a lógica desse jogo de interesses. A disputa é um jogo de domínio sobre as bênçãos da legalidade e do favor do capitalismo. Como disse, certa vez, o capital é o combustível do poder pelo qual muitos macularam sua alma.
O fascínio do poder está na fama que confere superioridade aos homens à semelhança dos deuses. Apesar de a igualdade ser apregoada como princípio, desde a Grécia Antiga foi propalada a ideologia de uma raça superior composta de intelectuais, abençoada pelos deuses, enquanto que os demais homens seriam servos. Por isto, os políticos e quem detêm poder são chamados de excelência, meritíssimo e outros.
A PRERROGATIVA DO PODER
O poder não é prerrogativa somente dos agentes políticos, mas de cada pessoa. A política é inerente ao poder e este essencial à política. Logo todos são políticos: conscientes ou alheios, exercendo ou não função pública. Nesse caso, todos estão propensos a se submeter às práticas mais perversas do poder, mesmo sem exercer função pública, tanto que existe compra de votos e laranjas. Não são, porventura, pessoas comuns isenta de suspeitas devido a sua carência intelectual, social e outras que se submetem ao jogo do poder de forma doentia? Nesse caso, são cumplices ou vítima ou as duas coisas ao mesmo tempo? É inegável que a corrupção existe desde os primórdios da humanidade, sendo causa de revoltas, guerras e até a mudança da geografia do mundo.
Sou forçado a concordar com o filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778) de que “a sociedade corrompe o homem”. Observo que, apesar de condenado por alguns, o jeitinho brasileiro é parte inerente a nossa cultura. Essa forma de resolutividade expressa o mau feito, desleixado, provisório e até mesmo a trapaça. Isso mostra que remediar é a alternativa mais visível para um problema urgente cujo diagnóstico reclamava solução antes mesmo de vir à tona.
A razão da transgressão está explicada no anseio do homem em exercer o domínio sobre as outras pessoas, porém esse domínio é predominantemente opressor do mais forte sobre o mais fraco. Por isto, foram criadas regras para proteger o mais fraco, porém não se trata de uma concessão dos poderosos, mas de uma conquista por meio de luta reivindicatória.
O argumento do medo do confronto é obstáculo para qualquer mudança. Toda mudança é traumática, revolucionária e provoca danos, desequilíbrio. Não é fácil tirar as pessoas da sua zona de conforto e conduzi-la a uma nova filosofia de vida. Claro, idéias erradas norteiam filosofias e práticas de vida equivocadas e, nesse caso, traz grandes conseqüências na sociedade.
Percebe que há grande investimento em palavras no sentido de que a mudança aconteça. Observo que, quando se fala em educação como instrumento de mudança, pensa-se nas palavras dos professores dirigidas aos seus alunos em uma sala de aula. Também, tenho ouvido muitas palavras de ordem, de indignação e de cobrança no intuito provocar mudança de postura nas autoridades. Contudo, são apenas palavras semeadas e os resultados dependerão da sensibilidade da terra (coração do homem).
Acredito que o melhor ensino começa pelo exemplo no interior dos lares. Já foi dito que a família é célula mater da sociedade. Assim sendo, se tivermos famílias bem educadas teremos uma sociedade menos conflituosa. Também, deve-se considerar que o melhor investimento deve acontecer nas famílias, pois quando se fala em educação se pensa em escola. Penso que a educação mais eficaz começa na família e isto requer atenção e exemplo dos pais aos seus filhos.
A queixa evidente é que, na contramão da educação da família e da escola, temos uma mídia irresponsável que divulga valores controvertidos e promove a banalização da violência, do sexo e das relações humanas. Além disto, apresenta a ilusão das riquezas e alimenta o consumismo das pessoas, inclusives daquelas com recursos insuficientes para adquiri-los. Assim, valoriza o ter, a fama e o sucesso do que o caráter e a boa fama. Ou seja, o mais importante é o que a pessoa tem do que o que ela é realmente.
Nessa ilusão, muitas pessoas apresentadas na mídia têm dinheiro, fama e posição, mas são de caráter doentio: promíscuos, boêmios, arrogantes e, algumas delas, envolvidas em crimes.
CONCLUSÃO
Já foi dito por Rubem Alves que nós somos formados de palavras, as quais grudam no nosso corpo como uma tatuagem. Desde que nascemos recebemos informações, instruções que formam a nossa coroa de pensamentos e orientam as nossas ações. Outra analogia é que os homens são como árvores plantadas. Aqueles que nasceram junto às correntes das águas da justiça aprenderam desde cedo aquilo que é boa fama, honesto e verdadeiro. O menino ensinado no caminho da equidade quando for adulto dificilmente será seduzido pelas riquezas da injustiça.
REFERÊNCIAS:
Vou apenas recomendar a leitura dos seguintes livros:
ALVES, Rubem. O céu numa flor silvestre: a beleza em todas as coisas. São Paulo: Versus Editora, 2008.
HART, Stuart L. O capitalismo na encruzilhada: as inúmeras oportunidades na solução dos problemas mais difíceis do mundo. Tradução de Luciana de Oliveira da Rocha Porto Alegre: Bookman, 2006.
REZENDE, Maria Gonçalves de. Relações de Poder no Cotidiano Escolar. Campinas (SP): Papirus, 1995.
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