
Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUCÃO
Percebo que atualmente se aproximar de alguém tem sido um desafio extremo com o receio do desconhecido e da malignidade do mundo. Por esta razão, as pessoas estão cada vez mais distantes e isoladas no seu mundo. Às vezes penso que elas perderam a noção da cor e dos detalhes da natureza, devido à velocidade como conduzem a sua vida. Parece que só veem a sua frente a necessidade e os compromissos do dia. Por isto, vivemos o momento da escassez da amizade, da convivência e da vida em comunidade. Parece que vimos inúmeras pessoas, conhecemos muitos, relacionamos com poucos, e temos pouquíssimos amigos.
A CULTURA DO ISOLAMENTO
Passaram-se dez anos após a conclusão do curso, parecia ser a mesma universidade, os mesmos estudantes afoitos por conhecimento para a realização de um sonho. Mas, os detalhes desses anos não foram alterados no âmbito das relações humanas. As pessoas estavam caminhando em diferentes direções, apressadas, centradas nos seus pensamentos, sem a percepção de olhar o mundo em redor. Talvez, o raciocínio mais próximo de uma explicação era a “muvuca” da própria universidade: muita gente, obrigações a serem cumpridas e o tempo e as relações são obstáculos para se atingir os objetivos e metas de uma jornada acadêmica. Como consequência, pessoas são alegorias animadas que caminham e que nos servem apenas para atender ao pedido de informações como se pede a conta a um garçon.
Igualmente, ao visitar um shopping sem a intenção de comprar alguma coisa, observa-se muita gente caminhando em diferentes direções. Algumas caminhavam em dupla ou em trio e sequem olhavam para quem cruzava o seu caminho. Até quando são forçados a assentar a mesma mesa da praça de alimentação é difícil se estabelecer um diálogo. Percebe-se um constrangimento, um receio fora do comum e uma aposta suicida de quem disparará a primeira palavra. Parece que a exclusividade é uma arma de defesa para o infortúnio de uma presença inconveniente de um estranho. Algumas exceções à regra são os flertes, movidos pela aventura sensual onde os riscos são ignorados por uma satisfação carnal imediata.
Também, os bairros e empreendimentos imobiliários trazem a natureza do isolamento e as pessoas já cercam suas casas com muros altos, grades e interfones. Não há mais comunicação entre vizinhos nem é possível saber o nome dos moradores, pois a visitas e as rodas de conversas nas casas se tornaram escassas. As casas permanecem fechadas a maior parte do dia e pergunta-se onde estão os moradores. Observa-se que até mesmo as festas, quando realizadas em casa, têm mais amigos e parentes residentes em outros locais do que moradores do bairro. Ou seja, as pessoas estão cada vez mais isoladas, egocêntricas e fechadas no seu mundinho onde só podem entrar pessoas por elas devidamente autorizadas.
As hostes da maldade estão presentes em todo lugar escondidas em máscaras de bondade, simpatia e ideais de justiça. Nem sempre é possível discernir as diferenças entre as pessoas idôneas e aquelas movidas pela perversidade. Hoje não arriscaria dar uma informação sobre o endereço de alguém para um desconhecido com o receio de dar um passaporte para a morte de alguém. As intenções do coração somente são conhecidas depois de algum tempo, pois a mentira é repleta de argumentos lógicos que aparentam ser verdade. É possível que alguém já tenha sido vítima do engano e, por causa dessa lembrança, busque ter mais atenção à realidade dos fatos. Em função disto, as pessoas buscam refugiar suas incertezas do caráter humano no isolamento. Perde-se a ideia de comunidade onde as pessoas se inspiram na necessidade de compartilhamento.
Partindo do flashback da infância e da adolescência, vejo as brincadeiras das crianças nas ruas, vizinhas conversando nas varandas, as casas sem muros, as festas do bairro organizadas pelos moradores, etc. Era possível saber o nome da pessoa, sua família e localização para prestar uma informação qualificada. Nesse caso, quando alguém ficava enfermo, os vizinhos visitavam e colaboravam dentro das suas possibilidades. As relações eram construídas a partir da convivência, parceria e cada membro da comunidade ganhava os seus realces de importância. A vida tinha os contornos de liberdade e de felicidade apesar de algumas dificuldades. Isto porque os males da sociedade atual com seus contornos sofisticados e aparato tecnológico não eram realidade naquela época.
A ideia de comunidade convida à integração, ao compartilhamento, à amizade e a solidariedade. O diferente e o desconhecido são pontes para aproximação entre pessoas por meio do diálogo cognoscente e amoroso. Nem sempre a aproximação tem o compromisso da amizade, o propósito de humanidade e de convívio social. Inclusive “comunidade global” é uma das expressões mais arroladas na literatura moderna de alcance social. Traduz uma preocupação com um padrão de vida sustentável para esta e as futuras gerações pela inter-relação homem e natureza. É um convite a integração social e a renúncia ao individualismo, centrado no culto a acumulação de capital e no prazer.
QUERO CELEBRAR A AMIZADE
Contudo, quero celebrar a amizade com o estado de graça pela aquisição da mais brilhante joia do mundo. Claro, a amizade é uma das riquezas incalculáveis do mundo produzidas pela relação de confiança e lealdade de uma pessoa a outra. Como resultado da amizade, aparecem a criatividade, a parceria, a cumplicidade e a solidariedade. Tudo isto é produzido pela comunicação que é arte de se conhecer e se fazer conhecido. Antes da comunicação, a pessoa que nós vimos não passa de um corpo e um nome. Mas por meio da comunicação, passamos a conhecer a alma que habita no corpo: os sentimentos, os aspirações, as virtudes, os defeitos, temperamentos, etc. É pelo conhecimento das pessoas produzido pela comunicação é que selecionamos quem será o nosso amigo. Aquele em que confiamos, sentimos bem como a sua presença e que expressa a lealdade quanto as nossas expectativas.
A comunicação é um instrumento poderoso para aproximar pessoas e também é uma arma perigosa. Por isto, o provérbio canônico assevera que “as palavras sábias ditas a seu tempo são como maçãs de ouro em salvas de prata”. Ou seja, a comunicação deve estar a serviço da verdade, da paz, da justiça e do bom senso e jamais deve ser usado como instrumento de iniquidade para satisfazer a interesses sórdidos.
Lembro-me da leitura de um livro do padre Zezinho (José Fernandes de Oliveira) sobre a amizade. Ele procurava trazer algumas premissas sobre a amizade verdadeira, amorosa e para além da aparência e do status social. Sua intenção era levar as pessoas a pensarem o verdadeiro motivo de uma amizade e a desconstruir a ideia de uma relação de troca de favores. Nesse sentido, a amizade é uma relação entre duas pessoas sem características românticas / sexuais. É um relacionamento humano que envolve o conhecimento mútuo e a afeição, além de lealdade ao ponto do altruísmo.
A amizade desperta o senso de cooperação e o desejo de desfrutar momentos juntos pela companha e amizade do outro. Segundo Carl Rogers “a amizade é a aceitação do outro do jeito que ele é”. Por isto, a amizade é capaz de despertar sentimentos tão sublimes como: desejar o bem do outro, simpatia e empatia, honestidade, altruísmo e lealdade. Além disto, a amizade é capaz de minimizar os defeitos do outro para dividir os bons e maus momentos. O verdadeiro amigo é atraído pelo outro pelo o que ele realmente é e não por aquilo que ele tem.
Na amizade não existe subordinação e ideia de classes. A amizade trabalha em igualdade de condições e rejeita a opressão, a manipulação e o engano. Quem é amigo não usa as pessoas em benefício próprio. A amizade é mais excelente que a posição ou condição social, pois quem tem amizade aceita a pessoa sem discriminações e imposições.
Atualmente, percebo a banalização da amizade como se fosse coisa a ser comprada. Aliás, tem pessoas que vendem a sua dignidade para obter a amizade de um político e desfrutar dos seus favores. Isto não é amizade. É uma barganha, uma relação de troca de interesses, um produto descartável.
Contudo, a perda da sensibilidade, da cooperação e da responsabilidade tem despertado em alguns educadores o entendimento de que além do saber acadêmico, a escola tem que ensinar valores humanos. Sabe por que? A amizade verdadeira é manifestação mais visível do amor. O amor é a virtude que retrata a natureza do caráter de Deus, leva a desfrutar o sabor da fraternidade, afasta a acepção de pessoas e abraça as diferenças com respeito e dignidade.
CONCLUSÃO
Deixo um pensamento de Silver Penguin sobre a amizade, a forma como pessoas marcam a nossa vida, a nossa história, produzindo significado.
As pessoas entram e saem de nossas vidas, algumas passam despercebidas, outras deixam sua presença em nossa memória, outras em nosso coração. Algumas deixam coisas boas, outras coisas ruins, mas as pessoas que levo comigo são aquelas que mudaram a minha vida, que me fizeram dar um sorriso, que me fizeram esquecer uma tristeza, que me ajudaram nos momentos difíceis, que não fugiram em nenhum segundo, nem nos felizes, nem nos tristes. As coisas mais importantes que podemos ter na vida são as que duram pra sempre, que podemos sempre levar conosco, e acho que nenhuma delas é mais forte que uma amizade sincera.
Por isto, desejo saúde e vida longa para os meus amigos, pois na adversidade muitos tem se revelados como verdadeiros irmãos.
REFERÊNCIAS
Recomendo a leitura do livro
BOTTON, Alain. Arquitetura da Felicidade. Tradução de Talita M. Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
CURY, Augusto. Pais brilhantes e professores fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
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