terça-feira, 28 de agosto de 2012

A IMPORTÂNCIA DO ATO POLÍTICO: IDEOLOGIA E INFORMAÇÃO

Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUCÃO
É inegável que a política é marcada pela contradição das relações humanas, na perspectiva de que a existência de cada indivíduo é revestida de uma contextualidade sócio-histórica. Trazemos a experiência social e cultural do meio em que vivemos que sobre nós exerce uma influência pelos hábitos historicamente adquiridos. Por isto, somos moldados pela cultura e pela ideologia que nos alcança com sua doutrinação irresistível.
POLÍTICA E IDEOLOGIA
Nas sociedades simples como as tribos, a cultura e a ideologia se fundem em uma tradição transmitida de geração em geração. A tradição alcança os valores morais, sociais, religiosos e culturais, que definem a visão de gênero, os papéis sociais e a hierarquia de poder dentro da sociedade. Inclusive a ideia de classes é irrelevante diante de uma única liderança moral e carismática. Impressionante como a tradição oral dos anciãos é a tradução nítida da sabedoria, refletindo os valores morais, religiosos, consensualmente aceitos sem imposição ou contestação.
A unidade doutrinária das sociedades simples é o resumo de todo o corpo jurídico que, embora não esteja escrito em códigos multielaborados e complexos, está escrito na “tábula” dos corações. Por isto, a obediência voluntária está amparada em uma crença ensinada desde a tenra infância como uma verdade exclusiva, adequada a civilização e separada das demais concepções adotadas por outras sociedades. Mas, o interessante é que a ideologia faz todos se veem como parte de uma mesma origem, etnia, formando uma rede de relações fraternas. Ou seja, toda a doutrina converge dentro da solidariedade orgânica.
As sociedades complexas convivem com o multiculturalismo e duelam em suas múltiplas ideologias. As individualidades afloram impulsionadas pela competição em todos os níveis e a disputa de poder. Nesse caso, a razão ganha tonalidade de verdade argumentativa com a pretensão de ascendência nos círculos de debates e de conflitos. Aliás, todos querem ter razão até o menos influente dentre os homens. Consequentemente, é por meio da razão que as pessoas defendem seus interesses, de outrem e pressupostamente da sociedade.
Alguns teóricos tendem ignorar a existência da política nas sociedades simples como o argumento de que nelas não existe acentuado embate ideológico e esnobam a simplicidade da resolução de conflitos. Creem que a diversidade é a marca característica das demandas políticas, pois as múltiplas identidades promovem a coexistência de visões de mundo diferentes e disputas ideológicas. Do antagonismo das identidades e das visões de mundo surgem os grupos sociais. Cada grupo está envolto de interesses particulares relacionados à sobrevivência enquanto grupo ou até mesmo a supremacia sobre os demais. Porém a questão ideológica ou de supremacia está limitada a coexistência de grupos e não a ordem de enquadramento de posturas, delimitando o que é saudável daquilo que é nocivo. Portanto, a política é argumento máximo para o surgimento do Estado.
Tenho aprendido por meio dos pressupostos da dialética hegeliana (Georg Wilhelm Friedrich Hegel – 1770 - 1831) que o Estado é a síntese das contradições existentes na sociedade. Ou seja, o Estado consegue reunir os diferentes interesses, por meio do debate e da negociação, visando estabelecer o consenso. Mas como estabelecer a convergência ou a unanimidade diante de tantos interesses divergentes? Então que prevaleça a vontade da maioria. Mas alguém dirá que os argumentos da minoria são coerentes e justos do ponto de vista da equidade e do respeito às diferenças. Também se dirá que os interesses da maioria se corrompem no afã da satisfação das individualidades e luxos pessoais em detrimento da minoria comprometida com valores dos agrupamentos sociais.
A questão da participação e influência da minoria tem suas virtudes e defeitos. Uma minoria barulhenta e influente pode trazer muitos estragos. Hoje, temos visto manipulações de todas as formas, a começar nas informações divulgadas na mídia. São dados maquiados e superlativos como o intuito de enganar e tripudiar a opinião pública. Além disto, a propaganda tendenciosa dos programas de TV mostra que a política não se faz somente nos parlamentos, mas em todos os contextos. Um dos meios mais ardilosos é a guerra da informação.
Devemos observar que a minoria detém a influência nos centros decisórios de poder. O que diferencia essa minoria da maioria é a classe socioeconômica que pertencem. São geralmente pessoas influentes que contam com aparato econômico, com visibilidade pública e podem vender a imagem de líderes. Para tanto, usam a propaganda da imagem pessoal e de suas ideias com técnicas de convencimento, explorando exaustivamente a emoção.
A POLÍTICA E A INFORMAÇÃO
Agora fica evidente que a informação é poder que implica a capacidade de influenciar pessoas no intuito de criar adesão a uma causa ou, pelo menos, um exército de simpatizantes. Figuradamente, quero dizer que: um líder com muitos seguidores é igual a votos que é a moeda de troca nas articulações políticas. A estratégia é influenciar nos parlamentos, nas instituições e no ensino. Claro, a mídia e a educação são formas de incutir maneiras de pensar e padrões de comportamento. Por isto, os aglomerados das grandes mídias estão nas mãos de políticos e de famílias influentes nos centros decisórios de poder. Logo, eles podem determinar o que você deve saber e como o povo deve saber. Como disse certa vez o ex-ministro da Fazenda Rubem Ricúpero: "Eu não tenho escrúpulos: o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde". O que ele deixar escapar em conversa informal, reflete a realidade da política e do jogo da informação.
Outra forma de influenciar é aproveitar o frenesi do culto exacerbado as celebridades como semideuses capazes de determinar o resultado de uma eleição. O modelo dessa propaganda maldosa visa mexer com os brios do mais simples lavrador ao intelectual da classe média. Fique claro, o papel do intelectual é propagar conhecimento e influenciar. Nessa doutrina alienante embarcam todos aqueles que julgam poder ser beneficiados de alguma forma, relegando ao segundo plano os princípios ideológicos defendidos anteriormente.
Parece que quando se fala da política, estamos nos contextualizando na democracia, na lógica da representação e da participação popular. Contudo, se voltarmos para os primórdios da democracia na Grécia Antiga, verificaremos que a democracia grega permitiu a participação dos cidadãos no processo decisório das Eclésias (assembleias do povo), excluindo as mulheres, os estrangeiros e os escravos que não tinham voz nem direito a voto nas decisões públicas. No Brasil, a concepção da democracia da República Velha considerava todos iguais, mas excluía as mulheres e os analfabetos de participação nos centros decisórios de poder.
Veremos que a democracia traz a ideia de igualdade, mas acentua as desigualdades sociais e reforça de forma inequívoca a realidade de classes. Sei que alguém vai discordar das minhas posições, mas vou arriscar. A democracia ajuda a perpetuar a doutrina de que todas as pessoas são iguais. Claro que essa é uma verdade inequívoca: não existe um ser humano mais ser humano que o outro e a cor da pele, profissão, condição financeira, profissão ideológica ou religiosa e outras características não faz alguém melhor que o outro. O problema é a lógica de que as oportunidades se igualam para todos e, se alguém não conseguiu êxito em seus sonhos, foi incompetente e não se esforçou o bastante.
Nas sociedades complexas banhadas pelo sistema capitalista, a democracia reforça a ideia da igualdade de oportunidades na competição pelos melhores empregos e condição social. Basta somente estudar, estudar muito. Assim, o conhecimento é o diferencial em uma sociedade competitiva. A ideologia da igualdade de direitos de todos e para cada um tem a função de apaziguamento das lutas de classes. Ajuda a banalizar a competição desenfreada pelas melhores oportunidades como ritual de sobrevivência social em que os mais adaptados usufruem das benesses do poder do capital, da fama, da capacidade de influenciar e determinar sobre a vida de outras pessoas.
Quero esclarecer que a democracia pode não ser a forma excelente de governo, mas é a melhor que temos. Na história da humanidade, já foi experimentado a monarquia, a aristocracia, a ditadura e, de todas elas, a mais conveniente foi a democracia. Endosso as palavras do educador Paulo Reglus Neves Freire (1921 – 1997) de que democracia não é um dado, mas, sim, uma conquista. Ele queria dizer que cada pessoa é responsável por construir dia-a-dia a sua própria história e não deve ficar assentado esperando que o ideal da democracia resolva todos os seus problemas. Há pessoas que por comodismo não quer se envolver nas reuniões de associações de moradores, participar de fóruns de discussão política nem se envolver nas questões relacionadas ao seu bairro, sua comunidade e à sociedade.
A política não existe a parte de um sistema econômico e dos valores que ele determina. Por isto, tem sua forma capciosa de envolver as pessoas no discurso do bem estar comum e do direito. Podemos inserir nesse contexto algumas concepções gramscianas (Antonio Gramsci – 1891-1937) sobre hegemonia, superestrutura e infraestrutura.
Podemos afirmar que, na política, alguém quer determinar sua hegemonia sobre os demais e, para tanto, utiliza de um expediente ideológico com a finalidade de fazer as pessoas pensar de forma padronizada e conforme a sua conveniência. Esses expedientes são repassados em forma de ensino e propaganda com exaustivas repetições até serem incorporadas no senso comum como uma verdade isenta de contestações. Essas maquinações hegemônicas que surgem para que o povo acredite como algo verdadeiro, mesmo sendo ilusório, são chamadas de superestrutura.
A tônica da disputa política em uma sociedade de mercado é satisfazer as paixões mais infames do ser humano, trazendo para si poder e influência. Nesse caso, poder não significa capacidade de deliberar sobre situações, agir e mandar sobre pessoas. Passa a caracterizar também uma atividade altamente rendosa. Quem se habilita para a política considera viável o projeto de estar acima do povo comum e ser chamado de excelência.
Podemos considerar a política uma atividade cara, pois vender uma ideia exige capacidade de convencimento. Claro, podemos considerar uma relação de trocas a julgar pela estratégia do financiamento e pelo aparato midiático que se cerca.
Quero esclarecer que existem pessoas bem intencionadas, conscientes de seu papel na sociedade e realmente comprometidas com o social. São pessoas que não se rendem e não vendem as vantagens ilusórias do poder político. Isto que faz diferença entre quem é honesto daqueles que são interesseiros.
Uma coisa importante os políticos refletem de certa forma os valores da sociedade e agem à mercê da ignorância, da passividade e da omissão da maioria honesta, porém silenciosa. Quando falo da passividade, retomo a lembrança a campanha do Ministério Público Estadual: “O que você tem a ver com a corrupção?” Dessa forma, pergunto: até que ponto o jeitinho brasileiro pode ser considerado a microcorrupção do cidadão mais simples, que, incorporado ao senso comum, tornou a prática mais natural do mundo. Isto vai desde jogar papel no chão, pagar ao guarda de trânsito para não ser multado à venda do voto. Depois, esse mesmo cidadão na sua arrogância bate no peito, dizendo que todos os políticos são corruptos. Se a palavra “corrupção” significa “quebra de partículas que gera apodrecimento”; no contexto cotidiano significa quebra de regras e, de alguma forma, estamos quebrando alguma regra no trabalho, na rua, em casa e em outro lugar.
Nossa atuação é política em todo lugar, pois não somos isentos de ideologia. Por ela, justificamos nossas posições, nosso ego e argumentamos nossas demandas. Desde quando nascemos nos tornamos políticos, visto que nos tornamos pessoas dotadas de direitos e deveres; isto é, cidadãos. Por vezes, reclamamos nossos direitos e questionamos porque o Estado não cumpriu o seu dever, quando observamos a precariedade dos serviços de saúde, a qualidade da educação e as condições da nossa cidade. O problema é que todos culpam os políticos, mas o que estamos fazendo para mudar a política?
CONCLUSÃO
Para mudar a política, é preciso mudar a sociedade. Aliás, retomar os valores morais e sociais que foram abandonados algum tempo, sendo trocados pelo individualismo e pelo culto exacerbado à acumulação de capital. A inversão de valores colocou o homem refém do capital e da tecnologia. A coisificação do ser humano é a tragédia do extremo materialismo em que está mergulhado a nossa sociedade. Caminhamos para uma sociedade sem religião ou confusa em um misticismo materialista e hedonista. A atual política é apenas o reflexo de nossas mazelas sociais e da confusão moral em que estamos envolvidos.
Essa confusão entre a liberdade, a diversidade e a defesa irresponsável de direitos em todos os níveis, suscita dúvidas sobre o que é legal, moral, amoral e imoral. Não concordo com a liberdade que permite alguém agredir, chocar e ofender pessoas. Também não concordo com o direito que viola a liberdade do outro de ir e vir e ao inalienável direito à vida. Por isto, defendo que para mudar a política será necessário mudar a sociedade.
REFERÊNCIAS
Recomendo as seguintes leituras complementares
PARO, Vitor Henrique. Administração escolar introdução crítica. São Paulo, Cortez Editora, 1987.
GADOTTI, Moacir, FREIRE, Paulo & GUIMARÃES, Sérgio. Pedagogia, diálogo e conflito. São Paulo: Paz e Terra, 1995.

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