
Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUCÃO
Tenho observado muitos candidatos pedindo votos e alguns deles raras vezes me dirigiam palavra antes, mas agora dizem: “você me conhece, somos amigos”. Tal postura é no mínimo curiosa. Se me conhecêssem teriam frequência regular na minha casa, liberdade para conversarmos futilidades, confidências e atividades comuns. Esses candidatos me impressionam com sua abordagem incisiva, constrangedora e até mesmo intimidatória. Partem da lógica que o fato de ser conhecido o habilita para ser votado.
A QUESTÃO DA DISPUTA POLÍTICA
Antigamente, do Brasil Império, passando pela República Velha até a Ditadura Militar prevalecia o monopólio de uma classe dominante formada pelos grandes produtores de café e de leite e grandes industriários. Eles determinavam em linha vertical os rumos do país e a política no governo federal, nos estados e nos municípios. A política era privilégio de poucos e o povo estava excluído dos centros decisórios de poder, visto que era considerado inapto devido aos altos índices de analfabetismo e por estar subjugado pelo controle intimidatório do coronelismo. Nessa relação, a política era entendida como a direção dos aristocratas a um povo ignorante e submisso. Qualquer reação à lógica instituída era uma oposição marginal, sujeita a repressão da classe política dominante.
Com o processo de redemocratização do país, acontece a retomada do pluralismo político, da liberdade de expressão, do pensamento e das manifestações. Contudo, a aristocracia e o coronelismo é um mal enraizado nas estruturas de poder do nosso país, difícil de ser extirpado do nosso convívio devido a grande distorção de renda entre as camadas sociais, principalmente dos mais ricos em relação aos mais pobres.
Desde a época da Ditadura Militar, a exploração da necessidade extrema, principalmente em regiões muito pobres do país, permite que determinados políticos se perpetuem no poder com capacidade de influenciar decisões. Alguns desses políticos são capazes de ressurgir das cinzas apesar dos sucessivos escândalos e, mesmo assim, não deixam de serem cacifes de partidos, influenciando os demais pares no parlamento. Agora, imagine esses políticos, com o aparato do marketing ao culto da imagem e realizações pessoais, despejando sua influência sobre uma população excluída socialmente e sem formação política. Claro, o resultado é desastroso. Por isto, os políticos mais votados nas eleições tiveram campanhas muito caras e contaram com doações de empresas/empresários. As doações são apenas o ensaio das conveniências da troca de favores negociados antes do fechamento das urnas.
No imaginário popular, a democracia aparece no momento do pleito eleitoral quando o eleitor é disputado, tentado em um escambo moral, repleto de nuanças proféticas. O desenho da realidade é transportado para o futuro onde as carências atuais são supridas, as expectativas são satisfeitas e os problemas resolvidos.
Os candidatos que se apresentam como messias pretendem solucionar o problema da educação, da saúde e da segurança como se os eleitores fossem meros seguidores. Eles procuram ostentar a imagem do pai ou parente próximo que abraçam as criancinhas e o populacho, amparado no ufanismo dos cabos eleitorais.
O messianismo presente em campanhas eleitorais se alimenta das misérias da população, especialmente nos locais de mais incidência da exclusão social. Assim, a seca no Nordeste será plataforma eleitoral para muitos anos, pois sua resolução esgotaria o discurso de muitos políticos paternalistas que alimentam a esperança do povo com soluções espúrias: cestas básicas, material de construção e até mesmo promessa de emprego.
É um equívoco acreditar em candidatos que apresentam soluções mágicas para o problema da segurança, da fome, da educação e da saúde. Para eles, os males historicamente estruturados e marcados pela ausência de planejamento, de políticas públicas e ações duradouras podem ser resolvidos no lapso temporal de apenas quatro ou oito anos. Parece que ignoram a estrutura da própria história brasileira, os encadeamentos das questões legais, os arcabouços das competências e da gestão pública que remetem ao financiamento e à colaboração entre os entes federativos.
Convém alertar que a maioria dos candidatos ao parlamento e ao governo desconhecem a questão legal e o financiamento e prometem ações que extrapolam suas competências. Dente as inconveniências, percebo candidatos a vereador desconectados da realidade do município e do país, desconhecendo custos e a problemática do financiamento, prometendo creches e escolas de tempo integral, construção de postos de saúde, praças e outras obras. Trata-se de uma promessa vazia, demagógica e sem fundamento legal.
Na análise da atuação parlamentar de alguns municípios, tenho percebido ausência de conteúdo relevante. Há uma ideia equivocada de que a ação parlamentar é medida pela quantidade de projetos que apresenta e quantos são aprovados na Casa de Leis. Essa ausência de conteúdo relevante pode ser observada na quantidade de projetos indicativos que são aprovados cuja ação é inócua no cotidiano da administração pública e das pessoas. Explico: os projetos indicativos são aqueles que geram despesas para a administração pública e o prefeito tem a prerrogativa de implantá-los ou não, mas na ampla maioria dos casos tornam-se peças de arquivo nas Câmaras. Na tentativa desesperada de aprovar projetos, parlamentares propõem mudanças de denominação de ruas, praças e escolas mesmo sem o conhecimento da comunidade local, ignorando as consequências para a vida social e temporal das pessoas, como por exemplo: o recebimento de correspondências e documentação escolar. A falta de originalidade é tamanha: uma lei é importada de um município para outro sem a devida atenção à diferença de contextos. O resultado é um festival de leis inúteis que nunca foram implantadas e não são conhecidas pelos cidadãos. Por exemplo: você sabe que existe lei do dia do amigo, do orgasmo, que proíbe pessoas de morrer (aconteceu em um município).
Uma das funções parlamentares é fiscalizar os atos do Poder Executivo, verificando se a execução dos recursos públicos atende aos dispostos legais, ao interesse público, a oferta dos serviços públicos à população, além propor medidas de melhorias para a qualidade desses serviços. Mas o que se observa é o parlamento prostrado diante do Poder Executivo, satisfeito com a política de concessões, reduzindo o papel do Plenário como arena de debates, das opiniões divergentes onde sufraga a negociação e o consenso em benefício do interesse público.
Lamento como alguns parlamentares se reduzem ao papel de despachante no gabinete de prefeito e secretários, iludindo o cidadão com os atalhos na concessão daquilo que já lhe conferido como direito por lei. Pensam que é louvável utilizar influência para pleitear vaga em escola, atendimento médico e outros paliativos para atenuar o sofrimento do próximo. Contudo, é papel do parlamentar pensar esses e outros problemas no contexto amplo para todos os cidadãos, cobrar resolutividade do Executivo e indicar soluções.
A ATUAÇÃO DO PARLAMENTAR E DO GESTOR PÚBLICO
Se compararmos a função do parlamentar com a de um gestor público, veremos algumas diferenças: o prefeito tem mais visibilidade em tempo real junto à sociedade com as inaugurações de obras e tem uma projeção política maior do que o parlamentar. Também, tem uma ação mais objetiva no cotidiano das pessoas, mais visibilidade das obrigações do poder público e é cobrado pelas comunidades sobre obras de calçamento, construção de escolas, postos de saúde e outros serviços em geral. Por outro lado, o papel da Câmara Municipal é esvaziado porque os parlamentares se acostumaram com os vícios da política paternalista e por estarem iludidos em discurso com pobreza ideológica que não convence nem eles mesmos. Eles se distanciam do povo depois de eleitos e não dão retorno do mandato que lhes foi conferido.
Outra desvantagem dos parlamentares é a péssima imagem perante a opinião pública. O parlamento é visto como a casa dos privilégios onde os políticos banqueteiam com os recursos públicos, aumentando os seus próprios salários agregando-lhes vantagens superiores a remuneração do trabalhador assalariado, alheios à reprovação geral da população. Também, a onda crescente de corrupção envolvendo parlamentares, lobistas e empresários, mostra o submundo da política e a contrapartida do financiamento das campanhas eleitorais. Essa defenestração da política produz certa ojeriza das pessoas em ver o programa Horário Eleitoral Gratuito e ouvir o pedido de votos dos candidatos.
A assunção ao cargo de agente político não é visto como privilégio apenas para parlamentares e o chefe do Poder Executivo. Há muitos que aventuram na campanha eleitoral como candidatos nanicos ou cabos eleitorais, buscando tirar proveito no caso de vitória no pleito. Assim, a política é um grande negócio do qual se beneficiam cabos eleitorais, candidatos derrotados e empresários. Por consequência, surge o loteamento político dos cargos comissionados, emendas parlamentares para ONGs de natureza duvidosa e denúncias de corrupção.
Acredito que o mandato conferido ao agente político é o contrato pelo qual a sociedade outorga ao candidato eleito poderes para praticar atos ou atuar em seu nome. Porém, lamento que essa procuração conferida ao governante ou parlamentar acaba se convertendo em um cheque em branco, pelo qual os agentes políticos usufruem do privilégio de satisfazer suas conveniências. Na verdade, essa forma de enxergar o mandato está equivocada. Alguém é detentor de mandato porque a representação lhe foi conferida pelos cidadãos que o elegeu. Aliás, essa representação é que dá legitimidade ao mandato dos agentes políticos, pois de outro modo, o agente político acaba representando a si mesmo como na maioria dos casos. Se a participação popular fosse proativa com acompanhamento real da atuação dos políticos, haveria pressão para que muitos perdessem o mandato por improbidade no exercício das atribuições que lhe foram delegadas. Esta é uma das razões que questiono a legitimidade dos parlamentares de cassar seus colegas ou governantes se o mandato lhes foi conferido pelo povo. Pergunto até quando essa lógica corporativista prevalecerá dando cobertura a políticos desonestos, mesmo que sejam cassados alguns quando o clamor popular exacerba. Teoricamente, o mandato pertence ao povo que exerce o direito de conferir poderes a quem for representá-la embora, no âmbito jurídico, a justiça tenha o poder de arbitrar sobre a pertinência da representação conferida pelo voto.
Atualmente, parlamentares, que se dizem representantes de algum segmento social, ficam sua bandeira única para privilegiar seu grupo em detrimento dos demais. Claro, existe uma explicação que o voto para o mandatário municipal, estadual e federal compreende todos os cidadãos no uso de seus direitos e que o voto para parlamentares se caracteriza pela identificação representativa do segmento social. Contudo, essa segmentação não deve ser prerrogativa para o estabelecimento de privilégios por meio de leis intoleráveis como aquelas que: dão proteção a desmatadores; descriminaliza o consumo de drogas, o aborto, os jogos de azar e a prostituição; ameaça a liberdade de expressão como a criminalização da homofobia e da restrição a atividade da imprensa; taxação de templos religiosos, etc..
Essas propostas de regulamentação legal representam ameaça para a liberdade e a segurança das instituições e da sociedade. Considero pertinente citar o pensamento do escritor indiano, radicado em Londres Salman Rushdie:
“A liberdade é a questão maior de nosso tempo. Não há segurança nem liberdade total. É preciso lutar por elas e conquistá-las. Pode soar paradoxal, mas a liberdade depende da segurança das instituições. Não existe outro caminho, senão regimes de direito que garantam o exercício da liberdade – e aqui entram a liberdade de expressão e a criação artística”.
Avalio que as bandeiras de determinados grupos não representam a opinião da maioria da população brasileira, ameaçam à segurança, à liberdade e à estabilidade da família. São pessoas que defendem a liberdade, mas ao mesmo tempo, pregam um Estado intervencionista na família, na educação e na sociedade para impor ideologia e crença de uma minoria que se julga discriminada, mesmo sendo influente nos estratos sociais mais elevados, na mídia e mamando dos cofres públicos.
CONCLUSÃO
É obvio que vivemos em um Estado de Direitos onde todos podem expressar livremente suas opiniões, crenças e manifestações. Porém, nenhuma bandeira ideológica deve atentar contra a liberdade dos outros e as expectativas de um país justo e igualitário. A partir da tramitação de alguns projetos polêmicos de interesse de determinados grupos, vejo como está sendo valorizada a segmentação da disputa eleitoral. Se o mandato é uma procuração, deve-se votar em alguém com ideologia e projetos condizente com a sua forma de pensar e que não venha atentar contra sua visão de mundo, de sociedade e de homem.
REFERÊNCIAS
Recomendo as seguintes leituras complementares
Entrevista do Salman Rushdie à revista Época. Versão online disponível http://revistaepoca.globo.com
GADOTTI, Moacir, FREIRE, Paulo & GUIMARÃES, Sérgio. Pedagogia, diálogo e conflito. São Paulo: Paz e Terra, 1995.
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