Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
INTRODUÇÃO
Faço da
experiência na educação uma reminiscência dos encantos dos primeiros anos da
vida em que a beleza da fantasia estava presente na minha leitura do mundo. O
encanto do sonho fazia com que a educação fosse a última gota de esperança para
melhoria de vida de uma geração acostumada com a vida repleta de dificuldades.
A realização do sonho dos pais era sentir a felicidade dos filhos na contramão
das dificuldades que eles tiveram. Por isto o maior investimento era a educação
que davam aos filhos mesmo desconhecendo a grandiosidade dos valores que eles
transmitiam na simplicidade das palavras.
A SIMPLICIDADE DO ENSINO
Por
isto, invisto na memória com uma saudação nostálgica à inocência dos meus
primeiros anos. Eram momentos em que o sonho era complacente com a imaginação
fértil da infância. Nesse universo colorido, até a lágrima tinha o sabor da
fantasia cujo enredo se renovava a cada vivência. O expecto da felicidade
estava na simplicidade de ver o mundo na pureza do olhar, sem a rudeza adulta
que nos cercava. Em cada brincadeira estávamos construindo o nosso mundo a
partir da música de Deus que escutávamos na natureza. Essa era a nossa leitura
de mundo com a sua beleza e cores. Os dias eram longos, intermináveis, como a
história sem fim e fazíamos da brincadeira o sonho da realidade que desejávamos
viver. Na pureza do encanto, vivíamos a beleza da liberdade mesmo alardeada
pelo desencanto do não. A simplicidade da existência estava no fato de bebermos
a pureza da inocência sem a culpa e a igualdade da convivência sem medo e
constrangimentos. Estávamos aprendendo a viver a vida pela emoção da novidade
com o mundo que se apresentava sem as contradições no horizonte. Assim
enxergávamos o mundo e fazia sua leitura e escrevíamos as imagens com as penas
da imaginação nas páginas do coração.
Lembro-me
das noites a conversar sob a luz da candeia em que as histórias rimavam com a
sabedoria popular aprendida de geração em geração. Era a tradição oral com os
seus rituais nas rodas de conversas sobre a experiência vivida pelos
ancestrais, trazendo à memória sua origem e feitos. Devido à curiosidade, os
contos eram mais vigorosos que a literatura que hoje conhecemos. Livros eram raridade, mas os preceitos essenciais da vida estavam sendo impressos nas
tábuas do coração. Não tínhamos a sistematização complexa de hierarquia. Isto
não bastava. O exemplo dos mais velhos nos empurrava para a vocação de querer
imitá-los pelo simples prazer de ser ensinados pelos “deuses”. A aura da verdade
estava na palavra empenhada, na fé de um simples aperto de mãos, dispensando
quaisquer laudas cartoriais. Portanto, o senso de justiça era regulado pela
crença de considerar reciprocamente o próximo superior em relação a si mesmo. Essa
concepção de serviço ao próximo era o retrato humanitário dos mais humildes.
Pessoas desprovidas da instrução acadêmica, mas que aprenderam a reconstruir o
mundo a partir de suas experiências de vida. Não eram perfeitas, mas não viviam
prostradas diante de repetições de erros que haviam sepultado em passado
pregresso. Suas experiências eram lições morais que inspiravam os mais jovens a
serem iluminados no processo de tornar-se pessoa. A dignidade moral era a
virtude mais excelente que indicava a prontidão do jovem para a vida adulta,
propício a tomar suas próprias decisões, inaugurando sua autonomia intelectual
e social.
O
universo do sonho era atravessado na esperança de superação da dureza da vida
pela instrução escolar. Apesar da funcionalidade, ler e escrever eram apenas o
divisor entre o analfabetismo e a escolarização. Buscava-se a facilidade do
trânsito diário na condução das soluções simples para a vida social. A ambição
de cada pessoa estava na humildade de perpetuar seu nome por gerações à
essência espiritual aprendida pelos genitores. Portanto, grau acadêmico seria
apenas um adorno a toda herança cultural rica em valores e representações
sociais marcantes de um povo. Isto tornava a vida simples por que o
conhecimento eram pinturas desenhadas na alma e na intensidade da vida de forma
natural e intuitiva.
Passo a
lembrar dos relatos do filósofo Carlos Eduardo Brandão sobre os primórdios da
educação. Ele mostra que a roda de conversa propicia a abertura de alguém
ensinável, abraçado a genial humildade de ser um aprendiz. A beleza do diálogo
está na prontidão de alguém buscar se alimentar da sabedoria com vigor de suas
forças mentais e com alegria de saciar-se nos banquetes do conhecimento. Isto
pode ser visualizado nas comunidades simples onde a aprendizagem da criança
parte do reconhecimento da sua identidade cultural no meio em que vive. A
exploração dos órgãos dos sentidos reveste a aprendizagem da emoção do
patrimônio imaterial que é experimentado a cada dia, criando expectativas de
vivenciar experiências significativas na plenitude da idade adulta.
Lembro-me
da deidade da sabedoria dos anciãos que apregoavam o caminho da dignidade por
meio das histórias de suas experiências de vida. O mundo das ideias adentrava
nas mentes por meio da imaginação dos seus atos heroicos. A cada conversa uma
lição de vida que nos convidava a imitá-los. Eram humanos, mas na nossa
imaginação eram deuses que nos abençoavam por meio de palavras. Essas palavras
eram vigorosas e proporcionavam a ação educativa de viver a dignidade acima de qualquer
bem material.
A
novidade do mundo do trabalho era introduzida aos infantes com a arte de
mostrar a predestinação de se construir uma vida adulta autônoma. Construía-se
o ciclo a partir da infância com a doçura do olhar, perplexo com intento de se
aventurar ao mundo da responsabilidade. Gozava-se a infância de forma vagarosa,
sem a exigência da velocidade no aprendizado. Respeitava-se a lei da natureza
de crescer na estação própria para colher os frutos da maturidade com a
qualidade da vida.
Nessa aprendizagem
da vida, destacava-se o senso de preservação das crianças para que elas não
adentrassem prematuramente nas contradições do mundo adulto. Estavam
propositalmente excluídas das informações e debates acalorados promovidos nas
rodas das pessoas crescidas. Importava que elas vivessem a infância,
respeitando o seu universo de ludicidade e encanto.
Então,
as crianças deveriam captar o conhecimento do mundo pela beleza do olhar, pela
naturalidade das palavras e pelo encanto dos gestos. Nada de conhecimento
prematuro, apressado e impositivo. Tudo aconteceria no momento certo, seguindo
a lógica da curiosidade e da descoberta. Contudo, não era custoso mostrar o
caminho a ser percorrido com segurança em situações do cotidiano. Aprender
fazendo e questionando seus próprios erros era a forma de produzir maturidade
psicológica e emocional. O sentimento de culpa era usufruído com uma tristeza
causada por um arrependimento e traria gozo em momento oportuno. O gesto
amoroso da correção levava a reflexão sobre as oportunidades de praticar a
virtude como o espelho do homem ideal a ser formado. Mas, o homem ideal não
estava carregado da áurea da santidade, isento de todos os defeitos e protegido
de todos os sentimentos indesejáveis. Era tão próximo e tão marcante como nossa
própria carne. Por isto, cultuávamos em nossos pais o respeito dos deuses.
A
experiência religiosa era introduzida no caminho, no caminhar e suas ondulações
eram conhecidas com o brilho no olhar. No sonho era plantada a esperança que
estava presente na existência dando-lhe beleza nas cores. Educar para a
esperança era mostrar que as dificuldades da vida era um processo dinâmico a
ser superado com o tempo para olhar mais adiante pelo retrovisor da
experiência.
AS MARCAS DO ENSINO NO CORAÇÃO
Assim,
as palavras eram tintas que nos marcavam e grudavam em nós, dando forma aos
nossos pensamentos e ajudando-nos a estruturar ideias. As palavras tinham o
valor de ouro e não causavam enfado aos ouvidos. Isto por que tínhamos o
orgulho de ter a ignorância como a nossa nobre fraqueza. O reconhecimento da
ignorância era o pensamento que embasava a nossa humildade. Ao praticar a
virtude da humildade, o mais importante era ouvir para apreender a exposição
oral, deixando a imaginação construir as imagens das informações. Não importava
tanto fotografias e filmes. Todo o ensino quando chegava ao nosso entendimento
se transformava em um conteúdo autobiográfico. Inevitavelmente entrávamos na
história, vivendo ao lado dos personagens como se estivesse presenciando suas
aventuras. Assim, construíamos os significados, dando cores e imagens às
palavras, mesmo que elas fossem instruções e advertências.
Por
consequência, algumas palavras nos marcaram como vergões. Nem mesmo adultos nos
esquecemos delas. Eram bem diferentes desses jargões que martelam a nossa mente
com suas exaustivas repetições. Os jargões não passam de uma celebração à
ignorância e uma violência contra a educação, pois transforma pessoas em
receptores passivos e repetidores involuntários de palavras ou frases. O que me
refiro é o encanto de receber as palavras como pérolas para adornar a
experiência de vida. É lembrar-se das palavras e relacioná-las a pessoas e
acontecimentos de vida, bem como a experiência marcante da história. Nessas
lembranças, às vezes, temos a experiência do flashback, imaginando as vozes e
as imagens do passado. Aliás, a memória nos faz viajar para trazer a lembrança dos
aprendizados que precisamos usar como ferramentas em momento oportuno.
Agora
lembro que, certa vez, a poetisa Adélia Prado refletiu que o nosso corpo é
feito de palavras. É impressionante como as imagens, que vimos, interiorizam a
leitura do mundo. As palavras têm uma conexão simbólica com a leitura de mundo com
suas imagens e cores. Fazemos-nos participantes da história nos construtos da
mente. É o modo solene pelo qual adentramos no mundo das ideias onde o
pensamento se materializa com o jogo simbólico das imagens que criamos.
A mesma
coisa disse Rubem Alves, explicando que as palavras grudam em nosso corpo como
uma tinta ou tatuagem. O que ouvimos não poderá ser removido e que novas
palavras são inseridas no conhecimento que já temos como a nossa própria
vivência. Isso faz parte da experiência com seus casos e percalços.
A CORRUPÇÃO DO SONHO PELA TEORIZAÇÃO DA
REALIDADE
Agora cito
Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844 -1900) para falar do sofrimento.
Para Nietzche, o sofrimento é algo vantajoso na vida. Sem sofrimento não há
vitória, não há sucesso. Alguém pode imaginar que o sucesso é algo fácil e
natural, mas não existe um caminho reto até o topo. Ele escreveu.
"Não falem de dons ou talentos inatos. Podemos
listar muitas figuras importantes que não tinham talento, mas conquistaram seu
mérito e transformaram-se em gênios. Elas fizeram isso superando dificuldades."
O sofrimento e as dificuldades enfrentadas por muitos em sua
infância e juventude ajudou a valorizar a educação familiar e escolar como a
essência da própria virtude. Para alguns, o chão da escola estava no quintal da
casa e nos afazeres domésticos. As aprendizagens fluíam com a naturalidade do
crescimento físico com a mesma graça e verdade. A cada momento era plantada a
semente da esperança doada pela experiência dos mais velhos. Cada palavra
plantava o sonho da imitação da virtude dos pais. O orgulho de pertencimento à
família dava-se em função da proximidade do respeito e do reconhecimento.
Atualmente a renúncia ao sofrimento tem corrompido à criança.
Prega-se uma realidade ausente de fraquezas, tristezas e frustrações. A criança
é o centro do universo com suas queixas e direitos, precursor da formação de um
adulto servo do paternalismo exacerbado. Como consequência, temos a imaturidade
e a rebeldia do adolescente e do jovem. O enfraquecimento do pátrio poder é uma
realidade evidente nos nossos dias com pais inseguros e impotentes diante da
desobediência de seus filhos. A intervenção do Estado nas famílias decorre
dessa insegurança e desespero.
Todos esses problemas deságuam na escola como se fosse um
espaço para cobrir a ociosidade das crianças que reclamam por curtição e
irresponsabilidade. A tragédia da educação inaugura-se na sala de aula pelo
enfraquecimento da capacidade da escola de resolver conflitos com origem
familiar. O desrespeito aos profissionais da educação inaugura a época da
violência simbólica, verbal e física. Os pequenos ditadores ameaçam,
constrangem e agridem, fazendo com que os atos infracionais sejam uma rotina no
ambiente escolar. As famílias incentivam o desrespeito ao professor quando os
tratam como empregados dos seus filhos. A obsessão pela aprovação faz com a
educação seja uma mercadoria muito barata em detrimento do conhecimento real.
Agora esperemos o tiro de misericórdia na educação com a promoção automática
dos alunos, inclusive daqueles que não moveram sequer um dedo para apreender
uma gota de conhecimento.
Espera-se com a educação progressista e libertadora (que
nunca se entendeu o que era) venha tornar a educação uma mercadoria por meio de
barganha política do poder público com o lobby dos intelectuais. A posição
secundária imputada aos educadores faz com o aluno e suas famílias estejam no
centro da razão e excluídos de responsabilidades com relação ao fracasso
escolar.
CONCLUSÃO
A reflexão nostálgica não se encerra nessas linhas. A
imaginação inaugura reticências com as indagações e explicações a serem
buscadas. Sou apenas um especulador teórico usando a nossa vã filosofia para
entender os mistérios que existem no céu e na terra. Estou limitado para
compreender a evolução do pensamento humano e as inúmeras contradições que
surgem no duelo de palavras inúteis, onde cada um deles busca convencer-se da
verdade. Portanto, a ideologia se alimenta do ego em relação ao próprio
conhecimento. Quanto a mim, voltarei a dormir na simplicidade do humilde
conhecimento aprendido pelos antigos, dialogando com os saberes que me são
apresentados.
REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem.
Um
Céu Numa Flor Silvestre: a Beleza Em Todas as Coisas. Campinas: Verus, 2009.
BOTTON,
Alain. Desejo de Status. Tradução de
Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O Que é Educação. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.
CHALITA,
Gabriel. Educação: A solução está no
afeto. Rio de Janeiro: Editora da Gente, 2001.
CURY.
Augusto. Os segredos do Pai-Nosso. A
solidão de Deus: um estudo psicológico da oração mais conhecida no mundo. Rio
de Janeiro: Sextante, 2006.
NIETZSCHE.
Coleção Os Pensadores. Vol. 1. São Paulo: Nova Cultural, 1987.