
ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE OS MALES DO PODER
Professor Gelcimar da Silva Pereira Nunes
Introdução
Tenho compartilhado com amigos algumas reflexões sobre o poder e suas implicações nas relações humanas. Percebi que há várias publicações sobre o assunto, daquilo já li e já ouvi. Cito como mais recentes as minhas leituras de obras do filósofo Alain de Botton, ressaltando o brilhante livro “Desejo de Status”, onde o autor descreve as sensações presentes no alpinismo social e como acontece a soberba, o esnobismo e o sentimento de autocomiseração em algumas pessoas. Assim retrata a margem que se estabelece entre ricos e pobres, as relações de dominação e subordinação e o status que é conferido a poucos.
Outra referência importante foram os sermões do Dr. Myles Munroe que defende a tese que os seres humanos foram criados para dominar e não para serem dominados. Ele exemplifica que a escravidão não prosperará em seu intento, pois o espírito humano sempre clamará quando houver privação da liberdade. Porém, a maior lição dos seus sermões tem sido a definição de liderança, pois ele desconstrói concepções de que ser líder depende da ideologia do dom, da manipulação e da força.
Contudo, as minhas reflexões compartilhadas com os amigos abordam a relação entre poder, status, capital e os conflitos pela disputa do poder. Nas minhas conversas tenho comentado artimanhas que se estabelecem para a manutenção do "status quo", levantando hipóteses sobre as razões de diversos conflitos que reclamam por legalidade. O argumento da legalidade é plausível, uma vez que as disputas se estabelecem tendo como ferramentas leis, estatutos, regimentos e outras normas. Comento que há espaços insuficientes no mundo para acomodar tantos egos, quando não há capacidade de ceder pelo menos um palmo. Pior, há pessoas que justificam as disputas, alegando que preferem padecer em defesa da justiça social do que a quietude da omissão.
Minhas referencias de defesa social são as personalidades: Martin Luther King Jr (1929 – 1968), Mahatma Gandhi (1869 – 1948) e Madre Tereza de Calcutá (1910 – 1997). Alias, são pessoas que mudaram o mundo de modo pacifista e são considerados os heróis da história. Alias, lembro-me como eram cultivados o José Maria da Silva Paranhos Jr., o Barão do Rio Branco (1845 – 1912), pela diplomacia como conduzia as disputas territoriais, tendo o instrumento da argumentação política.
Por isto, a seguir apresento algumas teses construídas durante minhas conversas sobre o poder, sustentadas pelas expectativas frustradas, tão evidenciadas por Sêneca em suas reflexões sobre a ira e a brevidade da vida.
1. Quem tem o poder não tem escrúpulos
Vale aqui a máxima de um amigo muito próximo: “quem tem o poder passa por debaixo, de lado, pelo meio e até por cima da lei”. Parece ironia, mas o que ele queria dizer é que as leis, regimentos, normas, etc. são utilizadas, por vezes, ao sabor das conveniências. Quem detem o poder vê e ouve o que quer e faz vista grossa quando quer, dependendo da conveniência que orienta sua lógica e entendimento. Por isto, são comuns diferentes interpretações com exegeses confusas e conflitantes, pois o argumento legal é uma arma nos embates e instrumento para a dominação dos astutos sobre os incautos. Ainda, as distorções legais são convenientes com as aspirações de poder, com as manipulações e a ideologia de atender a equidade social. Aliás, as idéias de liberdade, igualdade e solidariedade são tão proletárias quanto burguesas. A história mostra como essas ideias foram apropriadas na Revolução Francesa, inclusive na época do Terror na ditadura dos Jacobinos.
Também, tenho afirmado em minhas conversas que o poder rima com a violência. Recordo do método estruturalista de pesquisa, que reconhece a história como uma estrutura. Se recapitularmos a formação dos reinos, dos países, observamos as guerras como forma de conquista, ampliação de territórios, tributação. Ou seja, a dominação de uma nação sobre outra nação foi construída por meio da violência da guerra, traições, assassinatos. Então me perguntam: a violência é inevitável? Respondo que Emile Durkheim (1858 – 1917) diria que a violência é um fato social, pois permeia toda a história. Porém o sociólogo advertiria que há situações de violência que se encaminham para o estado de anomia (“fora do controle”).
A manutenção do status do poder tem o custo da articulação, da bajulação e da conveniência. Vale a pena citar a obra de Nicolau Maquiavel (1469 – 1527) que eu li de forma apaixonante e os escritos políticos de Friedrich Nietzche (1844 – 1900). Deste modo, avalio que o discurso da ética é clemente nos arraias coletivos. Porém, o discurso da ética é tão contraditório quando é utilizado para atender aos intentos egocêntricos, com fins de doutrinar opositores e críticos cínicos.
Tão como Karl Marx (1818 – 1883) vejo a luta de classes como uma disputa de poder. Mas, mesmo em classes homogêneas e ascendentes, a disputa de espaço se estabelece de forma sangrenta e, no final, contabiliza-se os fracos, feridos e muitos que morrem.
2. O limite do poder é o próprio poder?
Algumas pessoas sustentam que quem detém o poder tem medo da multidão, outros da mídia. Por tal argumento, alguns defendem o heroísmo da militância até as últimas conseqüências como forma de disciplinar dirigentes dos seus excessos. Há quem aponte que disciplinar o bom uso do poder depende do investimento em educação para a formar cidadãos conscientes do seu papel na sociedade. Cito a incredulidade do educador Paulo Reglus Freire (1927 – 1997) de que a educação seja a salvação da lavoura, pois, de outro modo, essa revolução começaria pelo Ministério da Educação.
A obsessão pelo poder não conhece limites e regras. Nesse arremedo há ingredientes como movimentação e acumulação de capital, sendo comum em ambientes palacianos denúncias de corrupção, tráfico de influência, nepotismo e outras ilicitudes. A manutenção do status quo é uma obsessão e traduz a prática da oligarquia, com a ideia de sucessão tal como capitanias hereditárias. A confrontação dos excessos de poder tem como ameaças de retaliação, coerção e tentativas de suborno.
Aliás, a história mostra que um poder depõe outro poder, logo o limite do poder estaria no próprio poder. Quer seja por revoluções, traições, legalidade ou ilegalidade, as mudanças acontecem. Claro, o conceito de supremacia é finito e frustra qualquer expectativa de perenidade. Contudo, a ilusão da segurança de que o poder é soberano, acima das circunstâncias e das oposições faz da história a repetição dos mesmos erros, com personagens, épocas e lugares diferentes. Oh, como é dura a sina de quem percebe o final de um ciclo e precisa fazer sucessor!
Como ressalva surge a discussão da ética e da disciplina como alerta daqueles que detém o poder. Como se percebe, os poderosos tem um argumento de legalidade, de que estão certos, diante dos questionadores de suas ações.
Assim, acredito que a moral cristã anunciada no Sermão do Monte deve ser observada, pois aqueles que se ocupam do poder são tentados à soberba, ao esnobismo e autosuficiência. Alain de Botton (2005) convida a perceber na simplicidade das coisas: a essência das relações e a compreensão sobre as motivações verdadeiras que devem orientar o ser humano. Esse insight deve acontecer distante das imersões passionais da razão.
A verbalização estéril só serve para extravasar as tensões, relaxar em um em balcão de reclamações com atendimento exclusivo. Por sua vez, a discussão passional é irascível, improdutiva e inconseqüente. Leva os jogadores ao ringue das vaidades pessoais e os afasta do foco inicial de suas demandas: que é mudar aquilo que os incomoda.
Assim, a expectativa é de que alternância do poder não seja uma história de tragédias, mas a mudança de um paradigma por um outro, isento de vícios, erros e mal feitos.
3. O poder que não pode não é poder
Tenho por testemunha as insatisfações com as crises nas instituições: o Estado, a família, a sociedade, a igreja e outras. As reclamações denunciam as expectativas de um mundo perfeito, tal como expressou Lucius Anaeos Sêneca (6a.c. – 65d.c.). Dessa expectativa frustrada surge a ira, as murmurações e as rebeldias. A ira é a mais perigosa das paixões
As grandes tragédias denunciam a impotência do Estado diante dos problemas que reclamam sua solução. Diante dessa realidade, surgem os messias que prometem o fim do problema da fome, da violência, do trafico de drogas e dos graves problemas sociais. A repetição do quadro trágico inspira desconfiança e faz surgir o segundo Estado ou Estado paralelo. O Estado paralelo tem suas regras e normas de conhecimento geral, a justiça é imediata tendo como instrumentos a ameaça, a violência e o suborno.
Quando se diz que o poder que não pode não é poder, é porque o poder tem que responder a razão da sua existência. Nesse caso, não deve transigir o erro e o mal feito, pois além da competência, a ética e a moral devem orientar as relações entre as pessoas e as instituições.
Não ser otimista em demasiado pode ser uma forma de evitar frustrações por expectativas não correspondidas. Desse modo, não se deve esperar pessoas perfeitas, instituições perfeitas e resultados eficientes, sem contratempos ou obstáculos, como se o planejamento estivessem ao alcance de todos os resultados esperados e previsão dos possíveis erros de execução.
4. O capital é um dos combustíveis do poder
Quanto mais alguém tiver dinheiro, mais será o número de pessoas que usufruir de sua renda. Ou seja, multiplicam-se os amigos, o status quo e a capacidade de comprar pessoas, coisas materiais e imateriais. Há quem alegue que é possível comprar a bondade e, pasmem, até o amor.
A democracia possibilita que o capital financie a conquista do poder, razão das campanhas políticas milionárias. Pergunto como um deputado pagaria a doação de empresas sem esgotar os seus recursos dos vencimentos a serem adquiridos ao longo do mandato? Claro, que não faltará motivos para a corrupção.
Dizem que sem dinheiro não se faz nada, porque ter dinheiro é ter bens, fama e poder. O dinheiro permita comprar e subjugar pessoas, pois o capital se acumula para poucos e ampla maioria de assalariados encontram-se na base da pirâmide social.
Ouço que um dos milagres do capitalismo é a universalização do sonho, pois todos desejam ter conforto, bens, capital. Porém, a realização concedida a poucos devido a predominância de uma oligarquia presente nos arraias palacianas.
Na antiguidade a conquista do poder tinha motivações belicosas. Porém, atualmente, as disputa pelo poder tem motivações capitalistas, sendo o atalho mais possível a política. Nesse jogo vale tudo, inclusive a exploração da imagem pessoal fabricada pelos recursos da mídia em um quadro de encenação teatral dramática.
Conclusão
Tudo que foi escrito é uma especulação teórica. Não se pretende adotar um trabalho científico, acadêmico. É uma tentativa relatar a observação sistemática, a apreciação e o relato de ideias tal como os filósofos da antiguidade que amavam os seus pensamentos.
A reflexão sobre o poder é uma tentativa de entender a competição irracional, a manipulação, a murmuração e a desesperança do desejo da mudança.
Assim, o contraditório se estabelece quando alguém não concorda com essas premissas. Graças a Deus, a concordância ou a discordância é um indicativo que o texto cumpriu o seu propósito de fazer as pessoas pensarem.
Referências
Indico a leitura dos seguintes livros:
BOTTON, Alain de. Desejo de Status. 2ª ed. São Paulo: Rocco, 2005.
FREIRE, Paulo; GADOTTI, Moacir; GUIMARÃES, Sérgio & HERNANDEZ, Izabel. Pedagogia, Diálogo e Conflito. São Paulo: Cortez, 1995.
DVDs de Myles Munroe sobre o tema: “a liderança servidora”
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